Além de sua personalidade calma, ouvinte e pacificadora, visionário é sempre uma das características citadas por amigos e companheiros de trabalho para identificar Peter Rodenbeck, o executivo responsável por trazer ao Brasil marcas como McDonald’s, Outback Steakhouse e Starbucks. Ele faleceu na tarde da última sexta-feira, 18, em decorrência de um câncer. Nascido em Mount Pleasant, no estado de Michegan, Estados Unidos, naturalizou-se brasileiro por amor à empresária carioca Maria Luísa, com quem se casou. Ela faleceu aos 49 anos em um trágico acidente de carro, no Rio de Janeiro, em 2007.
Luciana Gurgel, editora do MediaTalks, site de jornalismo e comunicação baseado em Londres, parceiro de conteúdo UOL, trabalhou com Rodenbeck de 1988, quando o executivo trouxe o Méqui para o Brasil, até 2017, quando ela e o sócio, Aldo De Luca, venderam a agência Publicom para a o grupo internacional que representavam, a Weber Shandwick.
“Conhecemos e trabalhamos com muitos empresários brilhantes, mas o Peter tinha algumas coisas muito especiais. Ele era extremamente empreendedor e incentivava o empreendedorismo. Nossa agência mal havia começado e ele acreditou na gente, nos entregou a conta e crescemos muito graças, não apenas a ter o McDonald’s como cliente, mas pelo aprendizado de gestão, de práticas do negócio”, comenta Luciana.
Para a jornalista, entre os muitos aspectos positivos de Rodenbeck, a capacidade de ouvir e aprender é, em sua opinião, uma de suas grandes qualidades. “Raramente, chegava com a solução pronta – embora muitas vezes já a tivesse. Ele perguntava, tentava aprender como as coisas funcionavam, o motivo de uma recomendação e dali fazia a sua decisão. Isso é uma grande sabedoria, e nem sempre quem tem poder nas mãos se dá conta disso”, relata. “Eu acho que isso era uma marca do Peter tanto nos negócios quando nas relações pessoais. Ele realmente se interessava pelas pessoas e sabia tirar o melhor delas”, afirma.
Joaquim Saraiva, diretor da Abrasel-SP, também elogia a habilidade de apaziguar lados controversos e de se posicionar em defesa de uma solução após ouvir a opinião de todos os presentes durante as reuniões de classe realizadas mensalmente na ABF Franchising. “Peter agregou muito ao setor da alimentação fora do lar. Trouxe muitas novidades para o Brasil e deixou muito aprendizado”, diz Saraiva. “Admirava a calma e a educação dele. Era uma grande característica”, complementa.
“Pude aprender com alguns benchmarkings que fazia sobre a gestão do Peter. Um dos que me lembro de perto foi o quanto engajava os operadores do Outback e chegou a ter algumas das melhores operações no Brasil”, recorda Lyana Bittencourt, CEO do Grupo Bittencourt. Segundo a executiva, Rodenbeck participou de uma das primeiras edições do BConnected, evento promovido pelo grupo há 14 anos. Na ocasião, ele compartilhou os conhecimentos sobre franquias.
Em nota, a Associação Nacional de Restaurantes (ANR) lamentou a morte do executivo. De acordo com a entidade, o empresário foi responsável por transformar o cenário da alimentação no Brasil. “Rodenbeck trouxe ao País gigantes como McDonald’s e Outback Steakhouse, além de contribuir para a chegada da Starbucks. Seu legado de inovação e empreendedorismo será lembrado por todos que atuam no setor de bares e restaurantes”, informa a ANR em nota.
Vida pessoal
Pessoalmente, o empresário gostava de um bom vinho, de viajar para lugares diferentes e fazer atividades físicas. Luciana Gurgel, que chegou a viajar com o casal Rodenbeck inúmeras vezes, lembra que o empresário não era o tipo de pessoa que frequentava Nova York ou Paris todos os anos. A preferência era por lugares incomuns para a prática de atividades, como mergulhar, escalar, fazer caminhada.
A jornalista conta que era tão incansável na prática de exercícios como nos negócios. “Por isso, acho que ele era a mesma pessoa no trabalho e na vida. Quando ele vendeu a operação do McDonald’s para a matriz, após terminar o contrato de 20 anos, poucos meses depois já estava falando do Outback. Na época, nós perguntamos por que ele iria iniciar uma outra coisa, e ele riu, perguntando por que iria ficar parado se podia trabalhar, se divertir, viajar ao mesmo tempo”, recorda.
Embora seja um risco definir alguém, para Luciana, o empresário foi “um homem que sabia muita coisa, que tinha suas ideias, mas que entendia o valor de coletar o máximo de informações, referências, impressões, colocar tudo no liquidificador e transformar em um sucesso, seja empresarial ou nas muitas causas sociais que apoiou e se engajou pessoalmente”.
Sua mulher, Maria Luísa, foi quem trouxe a rede Starbucks para o Brasil com seu apoio. Quando faleceu, ela havia coordenado a abertura de cinco lojas em São Paulo e estava prestes a inaugurar mais duas na região da Avenida Paulista.
Empreendedor social
Os caminhos de Francisco Carlos Neves, hoje, superintendente institucional do Instituto Ronald McDonald no Brasil, e de Peter Rodenbeck se cruzaram em 1991 no auditório do Instituto Nacional do Câncer (Inca) do Rio de Janeiro. Um ano antes, o filho de Neves havia falecido de leucemia linfoide aguda. Tanto ele quanto a mulher, Sônia, permaneceram trabalhando como voluntários em prol de outras famílias com crianças e adolescentes com diagnóstico de câncer.
Neves aproximou-se de Rodenbeck, então à frente da rede McDonald’s, e perguntou por que ainda não havia no Brasil uma Casa Ronald McDonald. Anos antes, ele e a família viajaram aos Estados Unidos em busca de um tratamento para a doença de Marquinhos e foram hospedados em uma dessas casas, mantidas pelo Instituto.
Como resposta, obteve o convite para ajudar na abertura da primeira unidade da América Latina, sonho que se realizou em 24 de outubro de 1994 e completa 30 anos nesta quarta-feira. Depois dela, outras seis foram abertas e todas são coordenadas pelo Instituto, inaugurado em 1999.
Para Neves, a chegada da primeira Casa Ronald se deve “ao conhecimento de um homem que tinha uma visão muito diferente”. “Era um empreendedor social nato. Era simples, objetivo, carismático”, comenta.
Segundo o superintendente, ele falava pouco, mas dizia coisas provocativas, que faziam o interlocutor “sair do lugar comum”. “Ele estava sempre te convidando a fazer a diferença, a buscar novos resultados, a confiar no seu trabalho”, diz.
Querido e admirado por todos com quem trabalhou, Rodenbeck foi convidado a fazer parte do conselho do Instituto Ronald Mcdonald mesmo depois de ter vendido a operação brasileira e ter anunciado a chegada do Outback ao País.
Segundo Neves, todo trabalho social da Casa Ronald atendeu mais de 3 milhões de crianças e adolescentes portadores de câncer e a seus familiares desde a abertura. Indiretamente, por meio do programa de diagnóstico precoce, salvou mais de 10 milhões.
O que mais alegra o executivo, hoje, é o aumento da expectativa de vida. Segundo ele, nos anos 1988, as chances de cura da doença eram em torno de 35%. Agora, está em 78%.
Para Neves, todas essas conquistas só foram possíveis com empenho inicial de Rodenbeck e de todas as pessoas que se envolveram posteriormente para tornar o trabalho possível.
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