O omniconsumidor pós-pandemia

O consumidor que emerge da pandemia é diferente do que nela entrou. Para todos que vivenciaram as surpresas, desafios, pressões, carências, restrições, dúvidas, medos, vulnerabilidades e preocupações, em maior ou menor escala, de diferentes formas e intensidades, segundo o nível de informação, situação social e econômica, algo mudou nesse período. De forma muito marcante no curto e médio prazo, mas deixando rastros comportamentais para a vida.

Nas séries de lives de que pudemos participar, em dois momentos esse tema veio com muita força. Uma com Abilio Diniz, um empresário que dispensa apresentações, logo no começo do processo, quando, junto com o ministro Paulo Guedes, conversamos sobre aquele momento e o futuro.

E Abilio, com a vivência de quem foi sequestrado, tirado de forma abrupta de sua realidade e que passou dias confinado, amordaçado, ameaçado e sem nenhuma informação enquanto durou o sequestro, nos disse que, passado o trauma da pandemia, tudo voltaria ao normal.

Soou profundamente estranho naquele momento e cheguei a conjecturar que o Abilio estivesse expondo um pensamento estilo wishfull thinking para minorar as preocupações de quem nos acompanhava. E foram perto de 80 mil no só no Youtube. (Clique aqui para acompanhar o programa).

Racionalizando mais tarde percebi que, comparando a dimensão do trauma vivido, o da pandemia era de fato menor e que o Abilio falava de uma experiência que muitos poucos tiveram. Mas, tendo o privilégio de acompanhar um pouco mais a história do Abilio, creio que ele próprio irá concordar que o que vivenciou o mudou de alguma maneira, e como sempre tem sido, para melhor, como empresário, líder e ser humano.

E portanto toda crise, maior ou menor, nos transforma, como pessoas em muitas dimensões, inclusive no hierarquia de nossos desejos e prioridades de vida.

Outro encontro virtual mais recente aconteceu na série “Retail Trends – Admirável Mundo Novo”, na última semana, com o Miguel Kriesgner, fundador e presidente do Conselho do Boticário, um benchmarking local e global na criação de uma plataforma, hoje mais um Ecossistema de Negócios centrado em beleza, cuidados pessoais e bem estar. (Clique aqui para acompanhar).

O Ecossistema Boticário opera hoje multinegócios, multicanais, multicarcas e multiformatos, no Brasil e no exterior, integrando, de forma virtuosa, a própria indústria, parceiros, franqueados, vendas diretas e revendedores. Uma empresa que há 30 anos criou uma Fundação para cuidar de temas ligados à Natureza e à Sustentabilidade.

E, com muito foco em continuar a crescer, ele destacou como a atual crise precipitada pela pandemia deverá mudar comportamentos. Para muito além das questões que envolvem a beleza, os cuidados pessoais, saúde e muito mais. De novo, mudanças nas prioridades de vida estão em processo de mutação.

E o Miguel trouxe exemplos pessoais de mudanças, além daquelas que foram precipitadas nos seus negócios, afetando comportamentos de todos que interagem no Ecossistema Boticário e que, portanto, contribuem para mudanças individuais, voluntárias ou impostas pela realidade em transformação, com algumas se tornando permanentes.

O que mudou, muda ou mudará

Para muito além da força do digital e seus impactos na participação de canais, negócios, categorias, marcas, formatos e negócios, a mais óbvia e preponderante de todas as transformações precipitadas pela pandemia no comportamento, preferências, hábitos, espaços físicos, preços e formas de comunicação e relacionamento dos omniconsumidores, muitas outras transformações ocorreram e continuaram a ocorrer por conta do que vivenciamos. Em termos estruturais – transformações da sociedade e do mercado – e em termos pessoais – transformações coletivas ou individuais.

São mudanças que os fatos precipitaram e não voltam atrás. Muitas precipitam novas mudanças e outras são precipitadas pelas mudanças ocorridas.

Exemplos básicos envolvem hábitos ligados à alimentação, à saúde, cuidados pessoais, trabalho, deslocamentos, conveniência, proximidade, compras e conexões digitais, noção do tempo e hierarquia de prioridades.

Provavelmente para os segmentos mais jovens, ainda em processo de definição de seu volátil comportamento, essas mudanças serão menos radicais. Mas, para a população mais madura, seguramente as transformações serão mais marcantes. Não por outra razão tanto tem sido investido para conhecer, avaliar e projetar comportamentos precipitados por tantas mudanças.

De forma quase simplista, podemos dizer que o omniconsumidor que emerge da pandemia é mais racional no seu comportamento, mais afeito ao uso de todos os recursos possíveis para melhores decisões, talvez um pouco mais focado no presente, no aqui e agora. Mais atento a tudo que envolve saúde e cuidados pessoais. Ainda mais hiperconveniente, com uma noção do tempo seguramente diferente do passado. E mais consciente do que é importante e relevante em sua vida. E mais preocupado com tudo que diga respeito à sustentabilidade.

E, com certeza, muito mais atento aos compromissos que marcas e negócios têm com o todo, com o ambiente, com a desigualdade, com o futuro.

Tão simples quanto, mas, definitivamente, impossível de não ser considerado.

Marcos Gouvêa de Souza é diretor-geral da Gouvêa Ecosystem.
Imagem: Bigstock

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