O futuro do varejo não está no varejo

Quão impressionado você ficaria ao saber que na apresentação dos resultados de 2021 o Walmart Global, a maior varejista do mundo, disse com todas as letras que seu principal vetor de crescimento nos próximos anos não será no varejo?

O Walmart não está sozinho nesse discurso. Juntam-se a ele Amazon, Target, Alibaba, Sonae, Magalu, Mercado Livre, entre muitos outros. Esse é um movimento que está sendo ensaiado e estruturado por todos os grandes varejistas globais há pelo menos 10 anos, mas que tem ganhado força nos últimos cinco e que foi ainda mais acelerado pela pandemia.

O core business do varejo sempre foi comprar e vender bem, conhecer o cliente e ter acesso a ele (antigamente por meio das lojas e hoje também pelos canais digitais). A visão atual dos varejistas é que é preciso explorar esses ativos construídos para ganhar espaço além do seu mercado tradicional.

Nessa divulgação de resultados que mencionei, o Walmart expôs amplamente que sua estratégia de crescimento será usar as suas mais de 5.200 lojas nos Estados Unidos, seus canais digitais e seu alcance para alavancar negócios para fora do varejo em áreas como publicidade, serviços, saúde, financeiro, logística, tecnologia, entre outras.

O atual ecossistema (abaixo) que foi criado pela empresa dá a dimensão dessa movimentação e ambição da empresa. Definitivamente não podemos mais dizer que o Walmart é apenas um varejista. Ele se tornou muito mais do que isso.

O futuro do varejo não está no varejo

Uma das grandes apostas da empresa é na área da saúde. Ela já atua no segmento há anos por meio das suas mini clínicas dentro das lojas que processam/vendem mais de 400 milhões de receitas médicas ao ano. Em 2020 o Walmart deu mais um passo e inaugurou os Walmart Heath Centers em diversas cidades. São clínicas médicas completas (algumas separadas da loja) que oferecem consultas médicas, odontologia, optometria, exames, raio-x, imunização, etc.

Talvez uma das inspirações para a construção desse ecossistema seja a Amazon, que desde sua fundação desenvolve uma robusta plataforma de tecnologia, serviços e infraestrutura que inicialmente foi concebida para uso próprio, mas com o passar dos anos passou a ser utilizada principalmente como fonte de receita por meio da prestação de serviços para terceiros.

Notem na figura abaixo a evolução de cada fonte de receita para a Amazon. Em 2020 a empresa já tinha mais da metade do seu faturamento vinda de prestação de serviços e venda de tecnologia para outras empresas. Se considerarmos a contribuição no lucro de cada uma dessas fontes, a participação dos serviços é ainda maior.

É muito difícil classificar o que a Amazon é: ela é a maior varejista do mundo em valor de mercado, mas também uma empresa de tecnologia, de serviços, de logística, de conteúdo, de serviços financeiros, de hardware, etc.

O impacto dessa diversificação de negócios fica ainda mais evidente ao analisarmos a margem de lucro da empresa nos últimos anos. Enquanto seu maior concorrente, o Walmart, deixa na última linha algo na casa de 4% de lucro, a Amazon consegue entregar uma margem de lucro 50% a 100% maior, sinalizando que eles realmente jogam um jogo diferente do varejo tradicional e, que por consequência, pensam diferente e conseguem um poder de fogo difícil de ser combatido com as armas tradicionais do varejo.

O contrário também é verdadeiro. As empresas de “fora do varejo” e principalmente os nativos digitais começam a ampliar a sua oferta de produtos e serviços e passam a entrar no varejo. A concorrência foi exponencializada, não é óbvia e vem de todos os lados. Apenas como exemplo, um dos principais concorrentes dos varejistas de hiper e supermercados atualmente no Brasil não são apenas outros supermercados tradicionais abrindo na sua área de influência, mas sim os grande ecossistemas e nativos digitais como Magalu, MeLi, iFood, Rappi, Daki, Shopper, etc. que passaram a operar nesse segmento.

O que podemos esperar do futuro é um ambiente de consumo e varejo ainda mais dinâmico com uma nova configuração de modelo de negócio para as empresas, buscando novas formas de explorar seus ativos, bem como um exponencial crescimento da complexidade, da competição e das oportunidades de negócios.

Eduardo Yamashita é COO da Gouvêa Ecosystem.
Imagens: Shutterstock e Reprodução
Este artigo foi publicado originalmente em 18 de março de 2022.

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