Liderança 5.1: oito pontos para reflexão

Momentum nº 962

Liderança 5.1: oito pontos para reflexão

Um novo modelo de liderança emerge como resultado de uma profunda mudança de cenários balizada pela combinação da evolução para a Sociedade 5.0 com as alterações estruturais precipitadas pela pandemia 2020-21, que criaram a Sociedade 5.1, e considerando um ambiente dominado pela magnitude da transformação digital.

Tudo isso, junto e misturado, gera novos contextos, demandas e desafios para a liderança de negócios no presente e futuro mais imediato.

Alguns desses requerimentos são natural evolução de processos anteriores, enquanto outros caracterizam novas e inevitáveis demandas sobre as quais devemos refletir e, na medida do impossível, incorporar.

Eis uma breve síntese para ajudar nessa reflexão.

1. Integrar para não entregar

Talvez a mais relevante competência demandada dos Líderes 5.1 esteja ligada à sua capacidade de integrar equipes, negócios, modelos, realidades e outras lideranças para enfrentar o maior dos desafios, que é conviver com a velocidade, amplitude e profundidade das mudanças em curso.

É integrar ou entregar, pois o esgotamento da liderança mais isolada, baseada na visão de um poder e capacidade ilimitados, não sobreviverão por muito tempo mais.

Os que souberem integrar de forma virtuosa competências e alternativas de forma hábil serão os que entenderão e anteciparão de maneira mais rápida a dinâmica de todo o processo exacerbado de transformação. E poderão guiar times por caminhos mais seguros em toda a jornada.

Tome-se por exemplo a migração de grupos empresariais como Ambev, Vivo e Porto têm feito em seus modelos de atuação, como detalhamos no Momentum nº 961, reconfigurando sua visão estratégica e incorporando o conceito de Ecossistemas de Negócios.

E o que tudo isso precipita de potencial integração de novas atividades e frentes de atuação. E as exigências demandadas dos líderes para coordenar esse processo transformacional.

Se a liderança de um conglomerado de empresas já se constituía num enorme desafio, a perspectiva da reconfiguração em Ecossistemas de Negócios se, de um lado, abre muitas mais perspectivas, de outro gera grandes desafios envolvendo mescla de culturas, momentos e mercados.

2. Um líder só não faz verão

No histórico recente da evolução dos modelos de liderança, a visão do líder-herói do passado já era muito contestada. Seguiu-se a visão do líder-servidor e, nos tempos atuais, talvez a simplificação conceitual possível seja a do líder-regente.

Seria aquele que com a visão compartilhada de outros líderes, internos e externos à organização, reúne, envolve, estimula e rege um grupo aberto e plural em busca de propostas e resultados definidos.

É preciso consciência genuína sobre a percepção de que os cenários são complexos, voláteis e desafiantes demais para se imaginar soluções adequadas aos desafios do presente e do futuro mais próximo, ampliando o círculo de envolvidos nos processos de levantamento e escolhas de alternativas, sem perda da necessária agilidade que o momento exige.

Especialmente para os negócios com forte componente de transformação digital – e são poucos no mundo atual os que são menos sensíveis a essa componente – essa característica se torna ainda mais necessária.

Os visionários do passado recente continuarão visionários e referenciados por sua capacidade de antever o futuro.

Mas serão mais relevantes os que, além de visualizar, consigam liderar e implementar sua visão no tempo certo pela combinação de recursos e capacidade de mobilização.

3. Abertura e conexão para incorporar o todo em constante mutação

Para se sensibilizar e sensibilizar outros líderes e equipes, é preciso uma genuína atitude de abertura aos múltiplos e quase ilimitados processos de transformação da realidade que ocorrem simultânea e constantemente.

E, para isso, é fundamental abertura ampla e quase irrestrita ao mundo que nos cerca em suas realidades físicas e conceituais.

Torna-se necessária constante e ampla conexão com essas realidades em contínua mutação, convivendo, interagindo e vivenciando essas perspectivas diversas com uma atitude aberta e atenta aos inúmeros elementos que contribuem para o redesenho da realidade.

E isso não se faz apenas com leitura, integração nas redes sociais e participação e envolvimento em eventos e atividades mas, sim, com o genuíno sentimento da importância do aprendizado contínuo e permanente que pode fazer parte do processo de desenvolvimento individual e coletivo.

Se atentarmos para as organizações que migraram para o modelo de Ecossistema de Negócios, como Magalu, Carrefour, Via, Americanas e outras, perceberemos que em sua maioria deram um salto quântico na percepção de seu negócio ao colocarem os consumidores no epicentro de tudo e repensarem seu modelo de organização a partir dessa perspectiva e criando novos formatos, canais, negócios e modelos de atuação a partir do novo modelo e conceito incorporado.

4. A combinação virtuosa de humildade e destemor

Mas qual seria a atitude mais adequada à Liderança 5.1 no cenário meta complexo que a Sociedade 5.1 nos reservou?

Talvez seja aquela representada pelo enunciado dessa combinação virtuosa da humildade para estar aberto para aprender sempre com a o destemor para enfrentar os desafios que se multiplicam.
Usualmente humildade e destemor parecem antagônicos. Pareciam.

No quadro e nos cenários atuais tornou-se crítico buscar combinar da melhor maneira possível a humildade genuína para estar entendendo e absorvendo a realidade em transformação, combinando de forma virtuosa com o destemor para enfrentar os desafios que vêm atrelados a todo o processo.

A humildade para o líder operando no cenário 5.1 é complexa e delicada, quanto mais não seja, pelas incertezas decorrentes da exacerbação do processo e a importância de inspirar uma atitude positiva e aberta frente aos desafios.

Da mesma forma que o verdadeiro destemor, aquele que envolve a coragem para enfrentar os desafios não importa sua dimensão, é uma atitude difícil de ser obtida, dada a dimensão dos problemas que se sucedem e potencializam.

A busca dessa combinação mágica de destemor com humildade é uma saga que os Líderes 5.1 enfrentam e que só os mais preparados e maduros emocional, profissional e empresarialmente podem alcançar.

5. Repensar a caixa

A clássica visão do pensar fora da caixa deve ser reconfigurada para repensar a própria caixa.

Qual é mesmo o nosso negócio e nossa proposta de valor?

Os elementos que fazem parte do cenário emergente com os desafios e propostas contidos nessa combinação da Sociedade 5.1 com os comportamentos e demandas emergentes pós-pandemia, e mais a exponenciação da competição no ambiente atual e futuro, nos obrigam a olhar o todo do jogo com uma perspectiva mais desafiadora.

Por anos o negócio da Telefônica-Vivo foi vender telecomunicações.

Até perceber a dimensão do ativo intangível que tinha disponível representado por suas relações diretas presentes e constantes com perto de 100 milhões de consumidores. E isso mudou radicalmente o escopo de sua atuação.

Da mesma forma como Ambev entendia que seu negócio era ser excelente, eficaz e lucrativa em vender bebidas pelos canais tradicionais desses produtos.

Tudo mudou quando percebeu que poderia ir muito além ampliando sua linha de produtos e serviços para os mesmos canais, ao mesmo tempo que desenvolvia outra oferta de produtos e serviços diretamente ao consumidor final.

Essa visão de que a própria caixa precisa ser repensada antes ou concomitante à ideia clássica de pensar fora da caixa é um dos mais importantes dons e abertura conceitual demandados da Liderança 5.1.

6. Senso de urgência mesclado com ambição

A compatibilização do necessário e inevitável senso de urgência que deve permear a gestão de negócios no cenário presente e futuro ante à velocidade de transformação da realidade deve obrigatoriamente ser combinada com um repensar desafiador do nível de ambição das organizações e seu protagonismo no processo de mudanças que vivemos.

É como se todos nós nos impuséssemos sermos mais eficazes, melhores gestores, estrategistas e ainda mais rápidos, em tempo integral.

Talvez seja essa a síntese de uma forma de encarar os desafios da realidade atual, porém sem limitar a visão do porquê de existimos como negócio, que traz a ambição como proposta a nos guiar.

Buscar os elementos que combinem modelos de organização, cultura e valores que mesclem ambição com senso de urgência no redesenho e implementação de novos caminhos e alternativas faz parte das demandas emergentes para os líderes no atual momento e acrescenta à função proposta de regente mais um desafio a ser equacionado.

7. Flexibilidade e adaptabilidade extremas

A visão anterior de que a mudança é a única constante tomou novas formas ante a velocidade, abrangência e complexidade gerados pelo ambiente em profunda e permanente transformação.

Essa perspectiva demanda líderes, organizações, modelos, cultura e estratégias que combinem de forma extrema flexibilidade e adaptabilidade a essa mutante realidade.

E esse é um processo no qual nada nem ninguém tem modelos prontos e acabados a serem copiados. Todos, sem exceção, buscam destilar alternativas que convivam de forma virtuosa com o processo permanente e amplo de transformação em todos seus múltiplos aspectos.

Alguns exemplos podem ser identificados em organizações e líderes que souberam se reposicionar.

Como o Mercado Livre em seu processo de entregas em até 24 horas desenvolvido e implantado durante a pandemia. Ou Magalu e Americanas em oferta similar. Ou as líderes dos setores de farmácias que, em meio ao caos gerado pela pandemia, aceleraram sua expansão ao mesmo tempo que cuidavam de suas operações pressionadas pelo crescimento da demanda.

Como também as várias propostas na área de educação continuada nascidas durante a pandemia. Ou as propostas da fintechs com seus cartões de crédito de acesso mais simples que desafiaram os jogadores tradicionais de mercado.

Ou os marketplaces que criaram uma nova realidade na distribuição de produtos e serviços reconfigurando todo o cenário do varejo para sempre.

Em todos esses casos, o tempo entre a percepção da realidade em transformação e sua conversão em oportunidade de reposicionamento foi fator crítico para criar vantagem competitiva. E assim é e permanecerá sendo.

8. Sensibilidade e práticas reais de ESG-DEI

A sensibilidade, atitude e ação demandadas dos Líderes 5.1 com respeito aos conceitos representados pelas siglas ESG (Ambiente, Social e Governança) e DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) são elementos críticos na configuração do perfil, comportamento e atitude demandadas da Liderança 5.1.

O alinhamento com tudo que representa as duas siglas passou a ser cobrado dos líderes numa escala sem precedentes.

E não basta ter enunciado.

É preciso ação efetiva, envolvimento e resultados tangíveis para convencer que essa é uma postura autêntica e uma permanente atitude alinhada com as novas demandas da própria sociedade e não apenas um discurso institucional e publicitário, particularmente exacerbados durante a recente pandemia, quando as percepções das desigualdades, fragilidades e vulnerabilidades foram exacerbadas.

Como toda proposta de condensar temas complexos e abrangentes, a listagem desses oito pontos é pretensiosa em sua ambição, mas deve, na medida do possível, e essa pode ser sua maior aposta, contribuir para um pouco mais de reflexão dos que já têm o desafio de se posicionarem como líderes e os que pretendem caminhar nessa direção.

Vale a reflexão.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock

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