Seis anos atrás, Marcos Gouvêa, fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem, anunciou que a formação de ecossistemas de negócios seria uma tendência crescente no varejo. Apesar da falta de pesquisas que precisem os dados, a percepção, hoje, é confirmada por especialistas, que veem nessa modalidade oportunidades igualmente positivas para todas as partes envolvidas, em especial para os clientes que se beneficiam de soluções cada vez mais completas.
Quem trouxe o tema para o debate foi Roberto Wajnsztok, sócio-diretor da Gouvêa Consulting, no palco Beyond Local & Global Challenges, no Latam Retail Show 2024. Os ecossistemas multiempresas são privilegiados com o avanço da digitalização, que transcendeu fronteiras. Se a localização já não é mais importante, unir-se a empresas – onde quer que se encontrem – que possam aperfeiçoar produtos e serviços ou aprimorar soluções faz cada vez mais sentido para levar ao consumidor, agora no centro das decisões, a melhor experiência possível. Além disso, esse movimento faz com que se mantenham relevantes e atualizadas.
Wajnsztok também destaca que uma carteira diversificada permite a ecossistemas globais, como Amazon, por exemplo, desbravar novos mercados e, paulatinamente, ampliar a oferta de novos produtos. No Brasil, a companhia chegou oferecendo serviço de nuvem e, depois de estabilizar e adquirir conhecimento, abriu o portfólio para novos serviços e produtos – e faz isso de modo constante. A Uber também optou por esse caminho, ampliando a oferta de soluções para o Brasil depois de já consolidadas no exterior.
Casas Bahia: um ecossistema logístico
O Grupo Casas Bahia passou por mudanças significativas a partir da pandemia de covid-19. A companhia havia se tornado generalista e, diante do novo cenário, com fortes pressões financeiras e recuo das vendas, decidiu voltar às raízes com foco na venda de eletroeletrônicos e móveis para casa. O nome Via Varejo saiu de cena, o slogan “Dedicação total a você” retomou o lugar de destaque e o Ponto também voltou a se chamar Ponto Frio.
Por trás das mudanças, estava a transformação do grupo em um ecossistema logístico, como contou Fernando Gasparini, COO do Grupo Casas Bahia. O primeiro passo foi perceber que, como dona de 5% do total de galpões, em metros quadrados, disponíveis no país, e com expertise em frete, a empresa poderia rentabilizar e transformar seu inventário em serviço. Hoje, galpões e entregas são utilizados até por empresas concorrentes. Para gerir melhor o estoque e se diferenciar no mercado, a Zap foi uma das empresas adquiridas pelo grupo. “Compramos tempo”, diz Gasparini sobre a aquisição diante do dilema “investir e desenvolver dentro de casa-tempo x comprar pronto-tempo”.
Outra solução implementada foi a de tornar possível a um seller vender na Casas Bahia e em qualquer marketplace que desejar, operando em fulfillment. Independentemente de onde o vendedor feche a venda, a entrega é da Casas Bahia.
As mudanças implementadas com esse foco fizeram que com que a empresa saísse de pequenos lojistas para grandes companhias de cauda longa.
Americanas foca em retail media
Marco Zolet, diretor de Digital e Marketplace da Americanas, iniciou a sua apresentação lembrando, sem muitos detalhes, a crise que a empresa atravessa com o rombo de R$ 25 bilhões em fraudes cometidas por ex-executivos da companhia e sob investigação da Polícia Federal.
Com 95 anos de atuação no mercado, o seu conhecimento sobre comportamento de consumo dos clientes se tornou um de seus principais ativos para transformar as lojas físicas e a plataforma de e-commerce em serviço de mídia para anunciantes parceiros. “O retail media veio forte, ajudando os parceiros e fornecedores a ampliar sua audiência”, afirma Zolet. Parte importante da estratégia do ecossistema, os dados e os insights gerados pelo retail media geram valor e conectam todos as pontas da cadeia: o consumidor, o varejista e parceiros e indústrias.
Para o futuro, o executivo destaca três pilares sobre os quais o digital está concentrado: “visão 3P”, que significa colocar os fornecedores para venderem diretamente ao consumidor por meio de sua plataforma, fortalecer o uso de prateleira infinita e operar em ship from store, utilizando as lojas físicas, com ampla capilaridade no Brasil — são 1.600 pontos de venda e 8 Centros de Distribuição — para realizar as entregas dos produtos.
Magalu Cloud: o desafio de criar um ecossistema do zero
Christian “Kiko” Reis, diretor do Magalu Cloud, revela que enfrenta o desafio de começar um ecossistema do zero dentro da companhia, pois a varejista nunca vendeu nada parecido com “serviço em nuvem”, mas entendeu que era necessário, frente à expansão digital, desenvolver um sistema próprio e robusto.
Reis destaca que o ecossistema é um modelo de negócio interessante, segundo o qual as empresas entram em busca em um benefício, mas, ao participar, todo o grupo ganha um pouco. Na sua opinião, naturalmente, as grandes empresas formam ecossistemas ao seu redor e, em contrapartida, as menores buscam resultados e segurança que os ecossistemas podem garantir. Para ele, a relação entre os sellers e o marketplace das grandes varejistas exemplificam essa dinâmica do ganha-ganha.
Ao ampliar o seu portfólio para oferecer um serviço de nuvem público, Kiko ressalta que “para cada desafio, existe uma oportunidade de aproveitar o ecossistema” e que cada varejista tem a sua própria cultura, forças e fraquezas para aplicar o que faz sentido para ela.
“Uma vez que uma empresa explora novos negócios, mais ativa outros ecossistemas”, pontua Reis.
Latam Retail Show
Os executivos do Grupo Casas Bahia, Americanas e Magalu Cloud participaram do painel “Caminho inevitável? Como os grandes varejistas estão se tornando ecossistemas de negócios”, mediado por Roberto Wajnsztok, no segundo dia do Latam Retail Show, o principal evento B2B de varejo e consumo da América Latina, realizado pela Gouvêa Experience, de 17 a 19 de setembro, no Expo Center Norte, em São Paulo.
A Mercado&Consumo foi media partner no LRS e fez uma ampla cobertura do evento, com entrevistas, podcasts e gravações no estúdio montado na área expositiva.
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