Com quem concorrem, realmente, os shoppings brasileiros?

Com quem concorrem, realmente, os shoppings brasileiros?

Os shoppings hoje competem com outros shoppings e com o varejo online, pelo bolso dos clientes. E, também, com as redes sociais e os serviços de streaming, pelo tempo e atenção das pessoas. Isso obriga a uma mudança importante nas estratégias comerciais e de marketing.

Albert Einstein, além de um brilhante cientista, também foi professor universitário. Dizem que um dia ele entrou na sala de aula e começou a escrever as questões da prova na lousa, como sempre fazia. Um aluno atento leu e começou a balançar as mãos freneticamente, chamando por ele: “Mestre! Mestre!”

Einstein, calmamente virou-se. O aluno prosseguiu: “Mestre, essas são as mesmas perguntas da prova do ano passado!” O professor respondeu: “Eu sei, as perguntas são as mesmas. Mas as respostas mudaram”.

Não posso garantir que esse episódio tenha realmente acontecido. Mas ele ilustra bem o que acontece no mundo dos shopping centers. As perguntas são as mesmas: como aumentar o fluxo, elevar vendas, melhorar o mix e aumentar receitas. Mas as respostas mudaram.

A concorrência do e-commerce

Uma das perguntas cuja resposta mudou drasticamente é essa aqui: com quem concorrem os shopping centers? Até pouco tempo atrás, poderíamos dizer, sem medo de errar, que os shoppings concorriam com outros shoppings e com o comércio de rua. O cenário agora é outro.

O e-commerce concentrou 9,2% das vendas totais do varejo brasileiro em 2023, de acordo com dados da Abcoom (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico). Quando olhamos o balanço de varejistas com presença relevante em shoppings, porém, os números podem ser diferentes.

No 2º trimestre do ano, as vendas online representaram 15% do total na Renner e 13% na Vivara. Na Arezzo&Co (atual Azzas 2154), esse índice chegou a 26%. Mais importante: o aumento das vendas em lojas do grupo Arrezo foi de 12%, enquanto o do e-commerce chegou a 22%, na comparação com o 2º tri de 2023.

O maior volume, contudo, está nos marketplaces. Mercado Livre segue puxando o crescimento do varejo digital, com muita audiência, engajamento e apresentando alta taxa de conversão.

As plataformas asiáticas, ignorando as medidas tributárias, também avançam de vento em popa. Shein tem uma base de 25 milhões de usuários mensais ativos (MAU) em seu aplicativo. Temu, em apenas três meses, já chegou perto de 15 milhões de usuários, quase o mesmo que possui Magalu. Shopee está capturando tráfego de varejistas especializados em vestuário, calçados e móveis. Os dados são de um relatório recente, divulgado pelo Bradesco BBI.

Delivery de comida não para de crescer

O digital não afeta apenas a venda de produtos, mas também de comida e bebida. De acordo com o Crest, abrangente painel proprietário da Mosaiclab, em parceria com a Circana, o delivery responde hoje por 17% das vendas totais do foodservice nacional. Porém, nas franquias de alimentação, mais presentes no mix dos shoppings, esse número sobe para 31%, segundo estudo da ABF.

Outro exemplo importante é o do Zé Delivery, que já conta com quase 6 milhões de usuários ativos. Para você ter uma ideia da importância do Zé Delivery para a Ambev, basta dizer que, no primeiro trimestre do ano, o volume total de vendas da companhia foi praticamente igual ao de 2023, enquanto o serviço de entrega rápida de bebida gelada, pelo preço do supermercado, crescia 12%.

Não preciso nem falar do iFood, não é? Em 2015, a média de pedidos mensais no aplicativo era de 1 milhão. No final de agosto de 2024, a empresa comemorou a marca de 100 milhões de pedidos em um único mês. Um salto impressionante.

A disputa pelo tempo das pessoas

Enganam-se os que pensam que os competidores atuais dos shoppings são unicamente canais de venda online. Há diversos outros serviços que disputam com os shoppings o tempo e atenção das pessoas.

O caso mais emblemático é o do streaming. Em 2023, a quantidade de espectadores nas nossas salas de cinema caiu 34%, em relação a 2019, último ano pré-pandêmico. Esse patamar se mantém inalterado até o momento, em 2024. Por outro lado, mais de 60% dos brasileiros consomem serviços de streaming no País, sendo que 63% preferem justamente assistir filmes e séries no conforto de suas casas ou na conveniência de seus celulares.

Em nosso País, gastamos 3,3 horas diárias nos streamings. Se somarmos a esse tempo todas as horas que levamos navegando nas redes sociais ou jogando, dá para ter uma ideia do pouco que sobra para atividades no mundo físico, incluindo visitas a shopping centers.

Tudo isso explica por que a frequência de visitas a shoppings no Brasil, ao final de 2023, foi 8% menor do que em 2019. Não houve perda de clientes, mas sim queda na recorrência de visitas.

Impactos da hipercompetição para os shopping centers

Quais as consequências desse movimento de hipercompetição para os shoppings brasileiros?

Uma delas é evidente: a necessidade de promover eventos estimulantes, de modo a fazer com que os clientes tenham vontade de sair de casa. Outra é seguir incorporando ao mix operações e serviços capazes de atrair visitas, como academias, universidades, clínicas médicas, serviços de estética, coworking e por aí vai. Uma terceira estratégia exige algo mais complexo: elevar a conexão emocional e o engajamento com os clientes.

Isso parece relativamente simples. Porém, quando analisamos a comunicação dos shoppings brasileiros, percebemos que a ênfase está mais no anúncio de promoções e eventos e menos na construção da relação entre o empreediemnto e seus públicos. Com raras e honrosas exceções, o branding não tem estado na agenda dos nossos malls.

A essencial tarefa de conhecer e engajar clientes

Como as pessoas comprarão no futuro? Da maneira como preferirem. O poder está nas mãos do consumidor, que vai eleger o canal de vendas que for mais conveniente ou escolher a marca que mais gosta.

Neste novo cenário, não ganhará o jogo, necessariamente, quem tiver o melhor mix de lojas ou as melhores promoções. Vai ganhar quem tiver a melhor relação com o cliente.

Isso passa, claro, por construir uma base de clientes, segmentá-la de maneira eficiente, estabelecer uma comunicação personalizada. E, principalmente, investir no relacionamento baseado em identidade, valores e propósito.

A concorrência dos shopping centers hoje vem de toda a parte e não apenas de outros canais de compra, sejam físicos ou digitais. Isso obriga a adoção de novas estratégias. E velhas estratégias revisitadas, também.

Não se esqueça: as perguntas podem ser as mesmas. Mas as respostas mudaram.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da MERCADO&CONSUMO.
Imagem: Shutterstock

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