Por Marcos Gouvêa de Souza*
Depois de dez anos de forte crescimento econômico com melhoria do poder aquisitivo e acesso aos produtos, marcas e lojas aspiracionais, o consumidor emergente no quadro atual vive uma ressaca em seu comportamento de consumo e baliza suas atitudes com um “downgrade” generalizado, nivelando por baixo suas opções e compras, ainda que mantenha forte ligação com os padrões anteriormente atingidos.
Como resultado, sua propensão a mudar de produtos, marcas e lojas é muito maior, quando não fundamental para equilibrar o orçamento, fazendo com que busque comprar os mesmos volumes, porém em opções com menor apelo em termos aspiracionais. É a acomodação do desejável com o possível.
O cenário geral percebido é de incerteza e preocupação, gerado a partir da pressão das notícias informando a deterioração do quadro econômico, agravado pela frustração com o quadro político-institucional.
E o aumento das taxas de juros, a inflação, especialmente dos alimentos, o maior rigor e cautela na concessão do crédito e as notícias no circuito do relacionamento pessoal de ajustes no emprego e nos salários de conhecidos, família e vizinhos, colocam mais cautela no comportamento.
E isso está retratado em todos os indicadores que medem confiança e propensão ao consumo.
Como no Índice de Confiança do Consumidor da FGV, que alcançou em março seu menor índicador histórico, desde que começou a ser calculado em 2005 e que nos três primeiros meses do ano perdeu 13,8% sobre o mesmo período do ano passado. O número deverá se manter em patamares muito baixos até que algo de positivo possa ensejar uma mudança de comportamento.
Mas é também no Índice de Intenção de Consumo da Confederação Nacional do Comércio (CNC), que mostrou queda de 21,2% em maio, a maior de sua série.
Da mesma forma como o Índice de Confiança Ipsos – Thomson Reuters, que está no patamar 42,2, numa escala de 0 a 100, é o pior resultado desde que passou a ser acompanhado em 2010.
É uma sucessão de confirmações que o cenário presente é o pior já vivido pelo consumidor nos últimos dez anos e especialmente doloroso depois da euforia de consumo que marcou o período. E nada pior do que ter que optar pelo básico, o simples, o despojado, o acessível, o possível, ao invés das alternativas que haviam sido conseguidas no período anterior.
As indústrias reveem suas estratégias de marcas trazendo para o Sul-Sudeste Maravilha as alternativas de produtos e embalagens anteriormente desenvolvidas para atender o Norte-Nordeste, como faz a Unilever nesse momento.
O varejo foca sua atenção nos formatos e conceitos voltados a um consumidor mais orientado em seu comportamento para o lado racional, do mais por menos, substituindo aquele mais emocional do tudo tem seu preço. E os atacarejos se beneficiam dessa migração e do crescente interesse por esses conceitos, razão para concentrar a expansão em lojas como Atacadão, Assai, Roldão e outras.
No setor de alimentação fora do lar, o Foodservice, ocorre interessante processo de mutação, com consumidores reduzindo frequência e consumo e baixando ticket médio. Quem frequentava restaurantes finos, migra para o casual dinning food e em vez da garrafa de vinho safrado, um meia garrafa dá conta do recado. Quem frequentava casual dining muda para fast food ou quem sabe o food truck. E ainda pode ser “cool”.
No vestuário, são as opções mais massificadas que substituem aquelas especializadas e quem sabe aproveitar a nova ordem ainda se dá bem, como C&A, Renner e Riachuelo, oferecendo moda a preços mais acessíveis e crédito facilitado.
Sem dúvida os segmentos que mais sofrem e sofrerão, são os bens duráveis, especialmente veículos e eletroeletrônicos, com vendas dependentes do crédito a mais longo prazo e com forte componente racional no processo de compra. E, neste momento, razão não rima com emoção. Ou seja, tem que esperar a fervura baixar. Nunca os comparativos de preços via internet foram tão usados para avaliar, medir e apoiar a eventual decisão de compra.
Alguns negócios, lojas, formatos, canais, produtos, marcas e embalagens se beneficiarão do atual estado de espírito do consumidor e ganha o jogo quem reorienta mais rápido os negócios e com menor apelo emocional pelo passado.
Como sempre ocorre em momentos de profunda transformação de comportamento como o atual, a lógica mostra que muitos elementos que são agora exacerbados em suas atitudes, acabam gerando mudanças estruturais de longo prazo no mercado, como aconteceu nas crises norte-americanas recentes que fizeram crescer de forma irreversível a preferência pelo formato dos Clubes de Compras, como Costco, BJ’s e outros, ou também a forte expansão do canal internet para os bens duráveis e brinquedos, algo que contribuiu para o desaparecimento de marcas e formatos de varejo mais tradicionais.
O que é também irreversível é a mudança estrutural de comportamento dos consumidores brasileiros, especialmente os da classe média que, depois de terem sentido o gostinho do “andar de cima”, vão buscar encontrar opções que possam conciliar esse desejo e prazer aprendidos com o acesso possível. Quem colocar o ovo de pé, leva o prêmio.
*Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) é diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza.