“Em vez de o Brasil se integrar à Nova Rota da Seda da China, os dois países criaram uma rota própria, que deverá aumentar significativamente o intercâmbio comercial, com potenciais impactos relevantes no consumo, no mercado e no varejo do Brasil.
A Nova Rota da Seda (New Silk Road Initiative) é um programa lançado em 2013 pela China, com a visão estratégica de criar um arco de alianças para fortalecer sua importância na economia global. O projeto envolve países da Ásia, Europa e África, e, depois, avançou para chegar até a América Latina.
Em 2023, foi revisto e estava em discussão a possível inclusão do Brasil, com seus prós e contras, especialmente considerando o novo cenário mundial reconfigurado pela eleição de Trump nos EUA, que tende a intensificar a polarização política, econômica e tecnológica no mundo.
Na semana passada, a visita do presidente Xi Jinping ao Brasil resultou na assinatura de 37 acordos bilaterais nas áreas de Agricultura, Tecnologia, Comunicações, Comércio, Investimentos, Infraestrutura, Energia, Saúde e Cultura. Esses acordos deverão ampliar de forma significativa a integração de negócios na economia real e merecem uma análise aprofundada que considera seus impactos de curto, médio e longo prazo.”
É importante lembrar que a China já é o principal parceiro comercial do Brasil e que a complementariedade estratégica entre demanda e oferta, de ambos os lados, é um fator crítico para determinar a necessária revisão de cenários.
No ano 2000, o saldo da balança comercial entre Brasil e China era positivo, em US$ 5,1 bilhões (exportávamos mais do que importávamos), enquanto entre os EUA e o Brasil era negativo, com importações maiores que as exportações, em US$ 7,7 bilhões. Isso mudou muito ao longo do tempo e, no ano passado, o saldo com os EUA continuava negativo em US$ 1 bilhão, enquanto com a China foi positivo, atingindo US$ 51,1 bilhões.
Até outubro deste ano, as exportações brasileiras para a China somaram US$ 83,4 bilhões. As importações foram de US$ 52,9 bilhões, o que gerou um saldo positivo de US$ 30,5 bilhões. Com os EUA, o saldo da balança comercial foi negativo em US$ 1,4 bilhão no mesmo período.
Seguramente, essa visão mais pragmática foi uma das razões pelas quais o Ecossistema Magalu recentemente anunciou um acordo direto com o AliExpress, do Ecossistema Alibaba, em um movimento que caracterizamos como Metafusão, envolvendo complementariedade de interesses estratégicos.
Mas outros pontos terão impacto direto no consumo e no varejo:
1. Aumento da presença de produtos, marcas e negócios no setor de consumo da China no Brasil.
A disputa no mercado local terá impactos na concorrência, nos preços, nos canais e poderá refletir na inflação. Isso já tem acontecido no setor de veículos, com o redesenho de todo o cenário de participações de marcas é um dos sintomas claros da evolução desse processo. Mas o aumento da participação de produtos e marcas chinesas, bem como das plataformas de e-commerce, é marcante em diversas outras categorias, como eletrônicos, confecções, material de construção, utilidades e muito mais.
2. Aumento do potencial de exportações de produtos do Brasil para a China de forma direta ou através de alianças de negócios com os Ecossistemas chineses
Existe um potencial significativo de aumento das exportações brasileiras de produtos para China, para além das commodities agrícolas. Neste caso, seria fundamental uma evolução estratégica para agregar valor por meio de marcas, visando aumento das receitas financeiras e maior controle das cadeias de distribuição;
3. Aumento da presença dos Ecossistemas de Negócios na China nas mais diversas áreas de atuação no Brasil
Para além de Alibaba, Shein, BYD, GWM, Huawei, Tencent, Xiaomi, Didi e muitos outros, é inegável que haverá um aumento significativo nos investimentos desses ecossistemas, de forma própria e independente, como costumam preferir, mas também em composições estratégicas com grupos locais.
Novos ecossistemas estarão disputando espaço no mercado brasileiro, aportando diferentes e inovadores modelos de negócios. Como exemplo, vale citar a Temu, parte da Pinduoduo, um dos líderes do e-commerce na China, que começou a operar no País em meados deste ano e já conta com mais de 25 milhões de clientes em sua base.
4.Decisivo e crescente envolvimento nas atividades de Infraestrutura e tecnologia de corporações da China
As áreas de infraestrutura, energia e tecnologia são setores nos quais a visão de longo prazo, elemento marcante no pensar estratégico da China, recomenda concentrar investimentos. As prioridades deverão ser aquelas que necessitam de maior foco e aumento da presença dos grupos chineses no País.
5. Agricultura e o agronegócio com prioridade estratégica na matriz de abastecimento de alimentos para a China
Esses setores estarão entre os que deverão gerar maior investimento e potenciais composições entre grupos nacionais e chineses,devido à importância estratégica que já possuem e ao seu potencial e às necessidades futuras.
6. Um novo ponto de equilíbrio futuro nos setores de tecnologia e digital
De forma estratégica e decisiva, a China prioriza educação, tecnologia e sustentabilidade como elementos fundamentais em sua visão de liderança política e econômica futura em âmbito global. Isso resultará em uma concentração de investimentos e atenção nesses aspectos também aqui no Brasil. Por conta disso, as participações de marcas, plataformas e tecnologias de origem norte-americana, coreana ou europeias deverão passar por mudanças significativas.
7. Mais do que na hora em pensar o mundo para produtos, marcas e canais do Brasil
A China é o segundo país mais populoso do mundo, a primeira economia em termos de tamanho do PIB no critério PPP (Paridade de Poder de Compra) e, no histórico recente, uma das economias com maiores índices de crescimento, ainda que tenha precisado recalibrar seu processo de expansão por conta de questões que envolvem seu mercado interno.
O Brasil é um dos países com maior potencial de crescimento nos setores de abastecimento de alimentos, graças a uma combinação virtuosa de condições naturais, competência e visão dos líderes dos setores do agronegócio. Além disso, existe uma clara oportunidade de se transformar de país exportador de commodities em exportador de valor, por meio de marcas e canais de distribuição. E a China é um campo fértil para isso.
Hoje, somos o maior fornecedor de café da maior rede de cafeterias da China, a Luckin Coffee, que tem mais de 22 mil lojas no país (para comparação, a Starbucks tem 7 mil lojas na região). A informação da origem do café e a ausência de marcas são apenas detalhes pouco valorizados. É preciso pensar de forma ambiciosa, e o café é apenas mais um exemplo para revisões estratégicas que podem gerar aumento de receitas e resultados.
8. Aumento significativo do fluxo turístico e de negócios entre China e Brasil
Ainda que a economia digital vá concentrar parte importante da expansão de atividades econômicas entre os dois países, será inevitável um aumento considerável no fluxo turístico e de negócios. O mínimo de estratégia e planejamento pode ser um gerador importante de receitas no setor de turismo, pois os chineses são reconhecidos por sua paixão e obsessão por produtos e marcas que envolvem luxo, diferenciação e sustentabilidade.
É evidente que esses pontos estão muito longe de esgotar o potencial transformador e gerador de oportunidades e ameaças, decorrentes do que está sinalizado por essa nova frente de relacionamento estratégico entre Brasil e China. É fundamental um repensar mais amplo, aberto e visionário para considerar ajustes para rever ameaças e, principalmente, capitalizar oportunidades.
Nota: Em março de 2025, estaremos em nossa 10ª Missão de Negócios na China, incluindo a realização do 1º Asia Latam Retail Summit, em Shangai. Um pouco do que poderá ser visto, aprendido e discutido pode ser acessado neste link. Uma oportunidade de avaliar por lá e refletir sobre tudo isso na realidade de suas atividades.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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