O Brasil que tínhamos, o que temos e o queremos

O Brasil que queremos só será alcançado pelo engajamento do setor privado no trato dos grandes temas nacionais. O setor público não é competente o suficiente, ou não quer, ou está comprometido demais com o passado e o atraso para cuidar do Brasil como precisa ser cuidado.

O Brasil que tínhamos até a semana passada era um país mais dividido, mais desigual, mais afastado da liderança global, mas um país que tinha se tornado menos corrupto e permissivo nesse tema por conta de uma profunda e ampla investigação que gerou delações, devoluções, prisões e autodenúncias e tinha dado um passo importante para reduzir a corrupção crônica que corrompia as relações entre empresas privadas e órgãos públicos.

O Brasil que temos agora é um país em que, por minúcias processuais, a apuração, a investigação e a punição da corrupção endêmica ficam postergadas. Sabe-se lá até quando – e se, algum dia – os responsáveis serão punidos e condenados. Mesmo que em muitos casos esses responsáveis tenham confessado e até se comprometido a devolver tudo de que se apropriaram indevida e criminosamente.

É uma circunstância no mínimo estranha, para não dizer esdrúxula. E voltamos a viver a realidade de um país onde o crime compensa com aval do Supremo Tribunal Federal.

É claro que não vamos nos aventurar no debate das minúcias processuais que permaneceram anos engavetadas para serem posterior e convenientemente julgadas. Está determinado que tudo que havia sido feito não vale, por questões que vão do foro aos processos adequados. Mesmo com as confissões todas feitas e assumidas.

A última linha é clara: vale tudo de novo no país da impunidade. E, pior: um ícone no processo de apuração e desbaratamento dessa inaceitável situação é desautorizado publicamente.

É isto que este momento marca. Uma volta ao passado, tornando o Brasil e os brasileiros, aos olhos do mundo, generalizadamente, corruptos, subdesenvolvidos, incompetentes para cuidar do país, de seus recursos e de sua população. É muito triste, para dizer o mínimo.

É dramático assistir ao retrocesso no campo político, jurídico e das coisas públicas quando nos últimos anos parte da sociedade civil, representada pelo setor empresarial, despertou para sua responsabilidade. A pandemia fez crescer esse sentimento, com movimentos relevantes como RenovaBR, Todos pela Saúde, Gerando Falcões, Educação para Todos, Unidos pela Vacina e muitos mais, ao lado de mobilizações importantes de doações diretas para minorar os problemas da desigualdade social agravada na pandemia.

Em determinadas áreas do setor público, todos os elogios devem ser feitos pelo trabalho incansável, em especial no setor da saúde, a despeito da falta ou escassez de recursos, compensada com a dedicação pessoal.

É na cúpula que reside o maior problema.

E no fato de que a atribuição de responsabilidades pela falta de planejamento, visão e senso de urgência se transforme em CPI para apuração de culpa, com alguns nomes que não passam num escrutínio sério sobre corrupção, com claro objetivo de colocar ainda mais pimenta num cenário intragável.

Por tudo isso, não há como adiar mais uma maior e mais decidida opção do setor empresarial em se envolver diretamente nos grandes temas nacionais, aportando sua visão estratégica e ao mesmo tempo pragmática para transformar a realidade brasileira. Como não existe empresa saudável num país doente, essa opção pelo engajamento para salvar o país debilitado tem de ser feita agora e de forma irreversível. Não temos mais tempo para esperar que esse quadro se corrija por si.

Nota: Líderes que inspiram líderes dos setores de consumo e varejo têm se reunido para discutir o Brasil que queremos dentro da série “Quando os presidentes se encontram” que recebeu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no dia 25 de março e, nesta terça-feira (27), se reunirá com o ex-presidente Michel Temer com o mesmo propósito.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvea Ecosystem e Publisher da Plataforma Mercado & Consumo.
Imagem: Envato/Arte/Mercado&Consumo

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