A era dos varejos de impacto social

A era dos varejos de impacto social

Quando criamos a revista Sorria, em 2008, éramos vistos como malucos. A ideia de vender revista em grandes volumes em farmácia, a preços muito abaixo dos de mercado, e ainda revertendo parte do valor para uma instituição, o GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer) parecia, aos olhos de muitos especialistas, algo fadado ao fracasso. Não só a história foi diferente disso, com mais de R$ 28 milhões doados desde o lançamento e dezenas de projetos sociais apoiados, como um novo olhar foi lançado para o varejo: aquele espaço era, de fato, um grande promotor de impacto social e fomento de doações.

Mais do que ter moldado nosso modelo de negócios (responsável por doar, em parceria com dezenas de redes em diversos segmentos, mais de R$ 45 milhões até hoje), a Sorria passou a ser um grande exemplo de como o varejo pode ser um agente de transformação trabalhando em parceria com todos os seus públicos e com o terceiro setor. Essa união de forças em torno de um modelo explícito de “ganha-ganha” mostrou que o termo negócios de impacto social (uma evolução do tal setor 2.5, surgido nos anos 2000, da intersecção do segundo e terceiro setor) não precisaria se limitar apenas a startups ou pequenos negócios de empreendedores malucos: qualquer negócio pode (e deve) ser um negócio de impacto social. Até mesmo (e especialmente!) os varejos. A agenda ESG chega para deixar isso ainda mais claro – e muitas redes não só estão entendendo isso, como estão, cada vez mais, moldando seus negócios em torno de suas estratégias sociais.

Muitos são os exemplos do que temos gostado de chamar de varejos de impacto social – redes que cada vez mais colocam a geração de impacto no centro de suas estratégias. Esse é um movimento puxado especialmente pelas lideranças à frente destes negócios, que carregam essas propostas de maneira genuína e transversal, influenciando toda a operação, seus públicos e suas ações. Um movimento que faz parte de uma nova visão do capitalismo: o capitalismo de stakeholders, e não mais somente de geração de valor para o acionista, em que empresas compreendem suas responsabilidades e não trabalham mais para minimizar riscos ou compensar prejuízos, mas sim para contribuir com um planeta e uma sociedade mais saudáveis (já ouviu falar do sistema B? essa organização, criada nos EUA, é uma das principais articuladoras do tema, certificando empresas de todo mundo para que se tornem mais responsáveis – no Brasil, já são mais de 200 empresas B, incluindo a MOL!).

No último mês, com o lançamento da nossa plataforma Varejo com Causa (não conhece? Acesse aqui), tivemos o privilégio de conversar com lideranças de grandes redes de varejo que vêm trabalhando muito, e de forma muito coerente, para se enquadrarem como varejos de impacto social. Em comum, essas lideranças mostraram compromisso genuíno e conhecimento crescente para olhar o que seus negócios têm de mais valioso para contribuir com o mundo.

Muitos são os bons exemplos que podem reforçar nossa visão. A Dengo, criada pelo empreendedor Estevan Sartorelli em sociedade com Guilherme Leal (um dos fundadores da Natura), produz e vende em suas cerca de 30 lojas chocolates e outras delícias que têm por premissa a valorização da cadeia de produção: todo o cacau utilizado é proveniente de produtores do Sul da Bahia que recebem, em média, mais do que o dobro do valor tradicionalmente pago pela matéria-prima. Além disso, há um cuidado enorme com os ingredientes, garantindo produtos muito mais saudáveis. Não à toa, a Dengo é uma empresa B certificada.

A Reserva, rede de varejo de moda com mais de 70 lojas (também empresa B), gera um impacto enorme às comunidades B: a cada produto vendido, 5 pratos de comida são doados, o que já permitiu mais de 57 milhões de refeições entregues a pessoas em situação de insegurança alimentar. A rede também vem aprimorando sua cadeia de produção e desenvolve há tempos outras ações de diversidade de inclusão muito relevantes.

E engana-se quem pensa que varejos de impacto são só os de médio porte: são muitos os exemplos de grandes redes que vêm ganhando força nesse tema. Petz e RD (com as bandeiras Droga Raia e Drogasil) são duas das grandes promotoras de doações do País com a venda de produtos sociais e arredondamento de troco, com mais de R$ 2 milhões (no caso de Petz) e R$ 10 milhões (no caso de RD) doados apenas em 2021. A Renner, outro grande exemplo, acaba de ser reconhecida pelo Dow Jones Sustainability Index (DJSI) com a maior pontuação do varejo global, tendo assumido compromissos de sustentabilidade muito relevantes até o próximo ano.

Se o varejo que você lidera – ou do qual é consumidor fiel – ainda não demonstra preocupação em benefício da sociedade, e não só do lucro da empresa, é hora de repensar a estratégia. Novas gerações de consumidores, de colaboradores e de investidores estão de olho no que é feito e esperam coerência, com ações de impacto de dentro para fora. O futuro não terá espaço para marcas que não contribuem com seu contexto. Como dizemos no sistema B: não é mais sobre ser melhor do mundo; é sobre ser uma empresa melhor para o mundo. Essa é a nova causa do sucesso.

Roberta Faria e Rodrigo Pipponzi são co-CEOs do Grupo MOL, Ecossistema de Negócios sociais que promovem a cultura de doação.
Imagem: Shutterstock

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