O varejo passa por um momento de aperto em 2022 e 2023, realidade contraditória com os ótimos índices econômicos que norteiam o consumo – estamos com o menor índice de desemprego dos últimos 10 anos, a maior massa salarial da nossa história e a maior confiança do consumidor dos últimos oito anos. Então, por que o varejo não decola?
Boa parte dessa resposta passa pela inflação galopante de alimentos dentro do lar, que consumiu o poder de consumo das famílias brasileiras se tornando um dos principais fatores de desaceleração do consumo em 2022 e 2023. A boa notícia é que esse cenário mudou drasticamente para melhor nos últimos meses, demonstrado aqui nesse artigo.
A vilã do consumo
Analisando a inflação acumulada desde o início da pandemia até agora (jan/20 a jul/23), o aumento de preços de alimentos foi de 43,96% – todos nós sentimos no bolso como a conta de supermercados ficou mais pesada -, enquanto a inflação total deste mesmo período foi de 25,33% e o crescimento dos rendimentos dos trabalhadores brasileiros subiu 24,72%.
Esse surpreendente alto crescimento dos salários acompanhando a inflação acontece pelos mecanismos de correção automática de remuneração intrínsecos na nossa economia, realidade que não acontece na maior parte dos mercados desenvolvidos como a América do Norte, Europa e países desenvolvidos da Ásia, locais onde os salários têm sido corroídos pela relativamente alta inflação nessas regiões.
Em um cenário como esse em que os salários acompanham a inflação, porém uma linha de despesa importante como a de alimentos cresce muito acima da média, o que acontece é que as famílias precisam reorganizar seus orçamentos familiares. Afinal, não dá para deixar de comprar ou postergar a compra de alimentos, comportamento esse evidenciado pela evolução na distribuição dos gastos das famílias por categoria de despesa (gráfico abaixo). A parcela do orçamento familiar dedicada para alimentação no domicílio saltou de 13% no pré-pandemia (jan/20) para 16% no pós-pandemia (jul/23), resultando em um menor dispêndio em diversas categorias de consumo.
Evidentemente que a desaceleração do consumo é resultado de um conjunto de fatores, entre eles o maior endividamento das famílias e alta taxa de juros. Mas os dados indicam que isoladamente a inflação de alimentos tem maior peso nesse contexto.
Novos comportamentos de consumo
A pressão em custos de alimentos fomentou também uma mudança de comportamento de consumo dentro do próprio segmento, as famílias passaram a buscar formatos mais orientados a valor, como o Atacarejo, trocaram de bandeira de loja em busca de preços mais competitivos, experimentaram novas marcas mais baratas e substituíram produtos. Essa conjuntura também gerou impactos adicionais como o forte crescimento da participação das marcas próprias no varejo, produtos que tem como proposta de valor uma melhor relação de custo x benefício que os “produtos de marca”. Por exemplo, no Carrefour, maior grupo varejista do Brasil, a participação das marcas próprias saltou de 13,6% no 1º trimentre de 2020 para impressionantes 21,2% do faturamento no 2º trimestre de 2023 – e com representatividade ainda maior no volume.
Outra mudança no comportamento do consumidor nesse cenário é a postergação de compras em categorias não essenciais – os chamados semiduráveis, duráveis e serviços, como vestuário, calçados, material de construção, eletro, móveis, etc.
Visão do futuro
Se a inflação de alimentos foi o elemento que freou a retomada do consumo, agora ela pode ser o elemento que permitirá a sua retomada. Depois da fortíssima alta no período mostrada acima, o segmento apresenta uma forte queda da inflação desde janeiro de 2023 e que agora está contribuindo para a redução do índice geral. É importante deixar claro que não temos uma deflação (redução nos preços), mas sim uma forte redução no ritmo de crescimento dos preços.
Nesse novo cenário com a continuidade da melhoria dos indicadores de desemprego, massa salarial, renda, confiança e taxa de juros, é esperada uma retomada no consumo direcionada para as categorias que mais tiveram suas compras postergadas (demanda reprimida), entrando em um ciclo de recuperação desses mercados – o que seria muito bem-vindo para o consumo e varejo de forma geral.
Eduardo Yamashita é COO da Gouvêa Ecosystem.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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