A dependência do transporte rodoviário no Brasil, combinada com uma extensão de mais de 1,7 milhão de quilômetros de estradas e o alto teor poluente do modal, tornam a descarbonização uma equação complexa no setor. Para ajudar a fechar essa conta, especialistas apontam que não basta focar em soluções mais verdes para as frotas. É preciso também buscar alternativas estruturais nas próprias rodovias, o que já começa a ser feito a partir de inovações como o pedágio “free flow” e o uso de asfalto reciclado no Brasil.
“Não vai ter uma solução única para todas as unidades, até por causa da regionalidade do País”, afirma a diretora de sustentabilidade na EcoRodovias, Monica Jaén. “Não basta falar só sobre descarbonização, é necessário readaptar sua infraestrutura às mudanças climáticas e tratar destes temas com uma agenda com diretrizes claras”, complementa.
De olho nisso, o “free flow” – cobrança automática de pedágios que já é uma realidade em algumas rodovias – é considerada promissor. O modelo, atualmente em ambiente de testes, elimina a necessidade da construção e manutenção das praças, diminuindo a geração de resíduos e consumo elétrico pelas concessionárias. Além disso, permite que os automóveis passem sem precisar frear ou aguardar em filas, o que reduz o consumo de combustíveis e, consequentemente, as emissões.
“Se projetarmos um futuro em que todas as praças sejam transformadas em pórticos de ‘free flow’, estamos falando na eliminação de dois bilhões de frenagens e acelerações desnecessárias, contribuindo para a descarbonização”, afirma o diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Marco Aurélio Barcelos. No entanto, o executivo destaca que ainda não é possível mensurar em quanto o instrumento pode reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEEs).
O vice-presidente de Sustentabilidade, Risco e Conformidade da CCR, Pedro Sutter, explica que o “free flow” passa ainda pelas etapas iniciais de implementação no Brasil, mas a expectativa é que o uso cresça de forma acelerada e que a solução ganhe mais espaço nas rodovias do País. “O cenário de cobrança de pedágio vai se transformar radicalmente nos próximos cinco anos. Vai ser muito mais rápido do que a gente imagina”, projeta.
A pesagem dinâmica de caminhões é outra alternativa que já vem sendo adotada, ainda que de forma inicial. A lógica é a mesma do “free flow”, já que evita que os motoristas precisem parar, acelerar ou desacelerar no processo de fiscalização. A EcoRodovias implementou o modelo, de forma pioneira no Brasil, em trecho da BR-365, também em caráter experimental, em ambiente de testes que está sendo acompanhado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Energia
Apesar da eletrificação de suas frotas auxiliares também estar no radar, as concessionárias encontram dificuldades. Sutter, da CCR, destaca que boa parte da frota que faz fiscalização ainda depende de combustíveis fósseis. “A indústria automobilística brasileira, especialmente a de veículos pesados, ainda não se desenvolveu suficientemente para oferecer alternativas de veículos elétricos ou híbridos que a gente possa utilizar”, afirma.
Por outro lado, a frota leve da CCR, composta por aproximadamente 1.250 veículos, é totalmente flex, com o etanol representando 91% do combustível utilizado. A companhia opera com alguns ônibus elétricos em aeroportos e metrôs e tem estudando, em parceria com montadoras europeias e chinesas, a incorporação de equipamentos pesados elétricos. “Mas isso ainda vai demorar um pouco, porque toda a infraestrutura precisa ser eletrificada, considerando que esses veículos operam 24 horas por dia, sete dias por semana”, explica o executivo.
Na frente energética, a companhia vem instalando usinas solares para suprir o consumo de energia de suas concessionárias. Até o final de 2023, foram instaladas 30 usinas solares para a autogeração de energia limpa. Até 2030, a EcoRodovias planeja ter 74% de seu consumo de energia elétrica suprido pela autogeração. Os 26% restantes também serão renováveis, garantidos com a compra de energia limpa certificada (I-RECs).
Pavimento recuperado
As três maiores concessionárias do Brasil têm apostado ainda no uso de Pavimento Asfáltico Recuperado (RAP, na sigla em inglês), conhecido popularmente como fresado. O RAP é gerado pelas atividades de manutenção a partir da fresagem de pavimento antigo, que é posteriormente transportado para usinas onde é incorporado na fabricação de novas misturas asfálticas.
Estudos feitos entre as concessionárias em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) demonstram que o uso do RAP pode representar redução de até 50% das emissões de CO². Essas misturas também têm potencial de incorporarem maior resistência, incentivando concessionárias como a CCR a manterem laboratórios próprios de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de asfalto.
A CCR mira alcançar, neste ano, a substituição de 30% do Concreto Betuminoso Usinado a Quente (CBUQ) por RAP. “Nossa meta é utilizar 100% do RAP em nossas obras, embora nunca possamos substituir completamente o CBUQ. Mesmo em países que utilizam muito RAP, como Japão e Estados Unidos, ainda há uma pequena quantidade na mistura”, diz Sutter.
A Arteris está usando, na ViaPaulista, parte de material asfáltico reciclado em microrrevestimento – técnica utilizada para corrigir pequenas fissuras e irregularidades na superfície do pavimento. Na Ecosul, administrada pela EcoRodovias, foi desenvolvido um projeto piloto para reutilizar materiais na usinagem de massa asfáltica nova, reduzindo a necessidade de extração de brita e outros tipos de resíduos. Outras unidades do grupo também começaram a utilizar RAP, seja na composição do pavimento ou na microfresagem.
Com informações de Estadão Conteúdo (Elisa Calmon e Luiz Araújo).
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