O Brasil tem um dos mais modernos, controlados e avançados sistema financeiro no Mundo e que se transformou também numa referência internacional permitindo que passássemos por sucessivas crises e recessões, globais e locais, sem nenhum risco sistêmico. Mas é também um dos mais concentrados, onde as taxas de juros para consumidores estão entre as três maiores do Mundo e o crédito para pessoa física é dos menos representativos em relação ao PIB do país.
Por méritos próprios o setor financeiro brasileiro é dos mais rentáveis e seu padrão de desempenho, comparativamente com o restante da economia, especialmente o setor industrial e de comércio, é incomparavelmente superior, com taxas de rentabilidade, crescimento e desempenho que o colocam em outro patamar, mesmo quando se compara com o mercado internacional.
Será esse o preço dessa modernidade? Como conciliar esse sistema moderno e controlado, de alto desempenho, com o necessário aumento do crédito ao consumo que torne acessível, produtos e serviços para a população estimulando o crescimento da indústria e do comércio, gerando empregos e renda no país e ampliando a arrecadação tributária?
O crescimento vivido pelo país no período 2004-2013, alimentado pelo consumo, com aumento do emprego, da renda, da massa salarial, da confiança do consumidor e do crédito, promoveu uma verdadeira revolução econômica e social no país, elevando o padrão de vida de mais de 40 milhões de brasileiros. Mas a insistência com o mesmo modelo, na sua fase final, colocou em cheque o crescimento pelo consumo, criando um falso dilema, segundo o qual essa forma de crescimento teria se exaurido e seria necessário buscar alternativas.
Parece estar nesse enigma, ou sinuca de bico na versão popular, o “x” da questão neste momento no repensar estratégico do país.
Sem dúvida é necessário pensar outras formas alternativas para o crescimento econômico, entre elas a expansão industrial, da infra estrutura ou das exportações mas, é falsa a ideia que se esgotaram as possibilidades de expansão através do consumo.
O que acontece é que essa alternativa está asfixiada pelo crédito às pessoas físicas limitado, controlado e altamente discricionário, quase que exclusivamente para quem não precisa complementado com taxas de juros proibitivas geradas por juros básicos altos e spreads bancários maiores ainda, em especial no setor financeiro privado.
No passado recente, na esteira da crise financeira global, com o mesmo cenário interno, os bancos públicos foram usados como elemento de equilíbrio competitivo e é preciso cautela e isenção para avaliar as consequências efetivas dessa estratégia no desempenho, resultados e inadimplência resultantes dessa atuação.
O que não se pode negar é que neste momento temos taxas gerais de inadimplência nas pessoas físicas muito próximas de seu padrão histórico, sem nenhum sobressalto, e um cenário de endividamento das famílias que vem declinando há três anos, especialmente quando analisado excluindo o endividamento imobiliário.
Vale lembrar que o crédito às pessoas físicas no Brasil representa perto de 15% do PIB e em outras economias, mais maduras, esse mesmo indicador varia de 50 a 95%. Tem muito espaço para crescer sem risco sistêmico.
Esse conjunto de fatores significa elevado potencial de crescimento de consumo através do crédito às pessoas físicas o que poderia ser viabilizado com mais racionalidade na análise e concessão acumulada com redução dos spreads bancários na taxa de juros final ao consumidor.
Com a redução confirmada da inflação está viabilizada essa alternativa e teríamos imediata resposta na melhoria das vendas e no consumo, com gradual ativação da atividade industrial e do comércio, melhoria na confiança do consumidor, aumento do emprego e da renda das famílias e o início de um novo ciclo de retomada econômica, fundamental para a necessária estabilidade política e social de curto e médio prazo. Sem falar na melhoria da arrecadação tributária, importante para contribuir, ao lado da revisão dos custos da previdência e da máquina pública, para o problema do déficit do Estado.
Está na hora de repensar cenários de forma mais aberta e plural. O tempo está passando.