Gripe aviária: um alerta real para a inteligência do varejo

Muito além de um episódio isolado, a recente confirmação de um foco de gripe aviária de alta patogenicidade em uma granja comercial no Rio Grande do Sul expõe um verdadeiro teste prático para o planejamento de demanda e a resiliência do supply chain brasileiro. A forma como os diferentes elos da cadeia, do campo ao ponto de venda, reagem a choques como esse evidencia, com clareza, o nível de maturidade operacional, a capacidade de adaptação e, sobretudo, a importância de uma gestão integrada e baseada em dados.

Essa prova impôs ao setor de alimentos um teste que revelou rachaduras na estrutura da cadeia de consumo diante de eventos inesperados. Nesse contexto, toda a cadeia deveria demonstrar o mesmo nível de prontidão observado em países importadores, como China, Japão, União Europeia e Arábia Saudita, que reagiram rapidamente à notícia ao, supendendo temporariamente as compras de frango e ovos brasileiros, reforçando o peso de estimativas que já apontam uma redução de até 20% nas exportações mensais, de acordo com a consultoria Safras&Mercado.

Mas esse impacto vai muito além das exportações. Imagine que o que antes seria direcionado ao mercado externo agora precisa ser redistribuído internamente, pressionando estoques, logística e estratégias comerciais. O consumidor, por sua vez, pode diminuir o consumo da proteína afetada pela crise. Resultado? Excesso de oferta que desafia a operação do varejo e desequilibra o mercado de forma estrutural.

Esse desequilíbrio se intensifica quando olhamos para as proteínas substitutas. Diante da queda no consumo de frango, itens como ovos, carne suína e bovina tendem a ganhar espaço no carrinho do consumidor. Mas essas categorias também acabam sendo impactadas, principalmente os ovos, por conta da sua origem. No Paraná, por exemplo, mais de 10 milhões de ovos foram destruídos como medida preventiva contra a gripe aviária, segundo a Secretaria da Agricultura do Estado. A decisão é sanitariamente compreensível, mas, do ponto de vista da cadeia, agrava um cenário de ruptura que já era preocupante.

A crise, portanto, não se concentra apenas no frango represado. Está também na iminência de faltar ovos nas gôndolas – trata-se de uma categoria que já operava sob pressão no contexto da gripe em outros países. Dados da Neogrid mostram que a ruptura de ovos nas prateleiras brasileiras era de 24,1% em abril. Essa combinação entre excesso de um lado e escassez do outro compromete margens, confiança e, acima de tudo, a previsibilidade das operações.

Para o varejo, isso significa uma nova pressão operacional. Estoques maiores exigem mais espaço, refrigeração e controle. Promoções emergenciais tornam-se necessárias para evitar perdas, porém nem sempre funcionam diante de uma demanda instável. E sem planejamento ágil, integração sistêmica e dados atualizados, o risco de decisões equivocadas aumenta, impactando a rentabilidade e a experiência do consumidor.

Ainda assim, há caminhos para agir com estratégia. A pesquisa “Dados sobre Consumo e Fidelização no Brasil”, realizada pela Neogrid em parceria com o Opinion Box, revela que 84% dos brasileiros aprovam receber ofertas personalizadas com base em seu histórico de compras.  O momento atual é, mais uma vez, um chamado à maturidade das operações. Empresas que já operam com visibilidade de ponta a ponta, simulação de cenários e orquestração inteligente da demanda têm mais capacidade de adaptação e resposta. Por outro lado, organizações que ainda funcionam de forma fragmentada sentem os efeitos da crise de maneira mais profunda.

A gripe aviária – assim como outras crises recentes – não deve ser tratada como um evento isolado. Ela escancara como o imprevisto encontra espaço em cadeias pouco preparadas e, ao mesmo tempo, revela uma oportunidade real de evolução. É hora de repensar processos, elevar o nível de governança e entender que resiliência não se improvisa — se constrói com dados, integração e visão sistêmica.

Dionaldo Passos é diretor da BU de Supply Chain da Neogrid.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato

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