Quem viveu o fim da década de 1980 e o início dos anos 1990 sabe muito bem o que assustava as famílias brasileiras. O dragão da inflação queimava a renda das pessoas – a ponto de obrigar a comprar tudo no mesmo dia em que se recebia o salário, porque no dia seguinte o valor já não seria suficiente para adquirir os mesmos itens com aquele dinheiro.
Felizmente, hoje não vivemos uma época tão extrema como há 30 anos. Entretanto, o aumento contínuo dos preços há meses incomoda grande parte da população brasileira e ameaça o crescimento de uma modalidade de negócio do varejo que não existia naquele período: o e-commerce.
O problema é que, dessa vez, a inflação está ameaçando um setor que conseguia crescer mesmo diante de um cenário macroeconômico adverso, que incluiu pandemia, guerra na Rússia e Ucrânia e instabilidades econômicas internas dos mais variados tipos ao longo da última década. Em 2022, as vendas do e-commerce, em média, foram estáveis em relação aos patamares de 2021. E 2023, até o momento, vem tendo desempenho similar.
Mas, fica o questionamento: como seria o desempenho se a variação dos preços estivesse controlada? Afinal, esse aumento repentino nos valores de produtos e serviços impacta no varejo como um todo – ecossistema do qual o e-commerce também faz parte.
Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), desde o ano passado quase 80% das famílias brasileiras apresentam algum grau de inadimplência, ou seja, deixaram de pagar dívidas que possuíam. Esses patamares são recordes históricos, e, com a taxa-base de juros da economia ao redor dos 13%, fazem com que a renda média disponível para consumo seja muito baixa.
Não é preciso ser um expert em economia para perceber que a conta não fecha. A inflação impactou no consumo das classes B, C e D, justamente os grupos que puxaram o acelerado crescimento do e-commerce nos últimos anos.
Essa alta dos preços afeta o varejo como um todo e consequentemente traz novos desafios para as empresas que atuam digitalmente. A necessidade de personalização da experiência e o aumento da perspectiva de valor em seus produtos e serviços são itens mais do que obrigatórios a partir de agora. Afinal, quando tudo está caro, é preciso mostrar ao consumidor que os preços compensam porque há qualidade – principalmente de serviço.
Mas a conta para chegar a isso não vai ser fácil. A inflação não aumenta os preços apenas para o consumidor, mas para o próprio varejista. Os insumos também estão mais caros e outros fatores também impactam no desempenho, como o preço dos combustíveis, que naturalmente eleva o frete, e as questões tributárias – tão necessárias de solução, mas ainda em discussão no âmbito das negociações da reforma tributária no Congresso Federal.
Não é possível ao varejista repassar todos esses gastos para seus clientes, mas também não dá para comprimir a margem de lucro para não correr riscos na operação. Quem for mais criativo e inovador certamente vai conseguir se destacar.
A alta da inflação é um problema grave para o desenvolvimento econômico de qualquer setor. No caso do varejo, sua influência é ainda mais gritante por lidar justamente com o poder de compra dos consumidores. O comércio eletrônico precisa aproveitar o cenário de transformação digital para minimizar os impactos nas lojas virtuais e garantir a competitividade dessas operações como um todo.
O período de festas, que se inicia com força agora a partir de outubro, bem como a perspectiva de melhora (mesmo que leve) nos indicadores macroeconômicos do país, poderá trazer novidades positivas neste final de ano para o setor. Mas ainda é tempo de equilíbrio e muito foco em excelência operacional, para que as vendas ocorram de forma saudável e sustentável, pensando em uma perspectiva de longo prazo.
De minha parte, entendo que essa crise servirá mais uma vez para fortalecer as empresas com fundamentos mais sólidos, e deixará resultados muito positivos para quem estiver aproveitando a oportunidade para implementar melhores práticas de gestão financeira e inovações voltadas à excelência na gestão do relacionamento com o cliente.
Fernando Moulin é partner da Sponsorb.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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