“O que acontece no Brasil atual não é muito distinto de muitas economias e sociedades maduras ou em crescimento no mundo. As decisões e opções devem levar em conta o retorno nas próximas eleições ou as próximas gerações?”
O imediatismo que contamina a vida digital tem imposto também um raciocínio equivalente nas decisões que envolvem, principalmente, os temas ligados aos Estados e às Nações. E em muitos casos impondo uma visão míope ao privilegiar o resultado que será colhido na próxima eleição em detrimento do legado para as próximas gerações.
Desenvolvimento econômico não é o diferencial nessa lógica em que o futuro tem sido comprometido pelo foco concentrado no resultado de curto prazo, usualmente medido pela próxima eleição.
Economias maduras como as dos Estados Unidos, Itália, França e Inglaterra têm sofrido o mesmo drama que também ocorre em economias emergentes como as latino-americanas.
Diferenciam-se desse quadro algumas poucas economias asiáticas e orientais pela força de elementos culturais.
Essa revisão da perspectiva e das prioridades temporais tem raízes mais profundas e é resultado de um processo mais amplo, intenso e veloz de transformação que envolve o comportamento humano, a sociedade e as nações e foi sintetizado inicialmente no VUCA (Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade), mas que mereceu outras interpretações posteriores.
E como se estivéssemos vivendo uma “Síndrome Coletiva da Aceleração do Tempo”, que baliza comportamentos para privilegiar o imediato, o agora, em detrimento do futuro, tema já tratado por muitos autores.
No Brasil recente, também não temos fugido desse comportamento, não importando a preferência ou referência político-partidária.
E isso é o que mais preocupa.
É menos uma questão ideológica e mais uma atitude e visão limitadas.
No ambiente privado, o longo prazo é elemento fundamental do repensar estratégico e ajustado e adaptado às contingências do curto prazo, até porque resultados devem ser apresentados de forma constante e quase obsessiva.
No setor público, o curto prazo, medido pelos índices de aprovação ou rejeição e pelos resultados das próximas eleições, são os fatores determinantes das opções na expectativa de que o longo prazo ajuste o que for possível ajustar.
É a antítese do pensamento e da visão do legado para as próximas gerações.
O que mais preocupa na realidade presente do Brasil é que as lideranças empresariais, mais do que nunca representadas por executivos profissionais e com menos empresários-raiz, têm se comportado na expectativa de que o melhor possa acontecer e buscam se adaptar às circunstâncias, até como elemento de sobrevivência pessoal, profissional e empresarial.
Todos os setores, incluindo o varejo e o consumo, de alguma forma estão sofrendo as consequências dessa situação e o que tem acontecido com as discussões das reformas tributárias e administrativas e outras iniciativas com apelo popular, como a não taxação das plataformas globais, torna clara essa realidade.
Devemos fazer opções pelas quais seremos julgados pelas próximas gerações. Ou talvez isso, por si só, já seja um anacronismo.
Mas um balanço realista até o momento é que o legado que estamos deixando poderia e deveria ser significativamente melhor considerando todos os recursos naturais, físicos e humanos de que dispomos no País.
E esses são temas que merecem reflexão, opção e, acima de tudo, ação. Aqui, sim, muito mais imediata.
Lições do cotidiano
Em recente comentário, destaquei o nível de atendimento, serviços e atenção do Ritz Hotel de Lisboa, operado pela Four Seasons, pelo marcante diferencial que representa.
O varejo pode se inspirar muito nas experiências e serviços do setor de hospitalidade que têm um caráter mais imersivo, considerando as múltiplas interações que ocorrem nos apartamentos, áreas comuns, alimentação, cuidados pessoais e muito mais, e envolvendo muitos mais funcionários, processos, controles, tecnologia e interação no contato direto com o cliente.
O mundo da hospitalidade tem particularidades que geram complexidades que podem ser excelentes benchmarkings para o varejo.
Em nova oportunidade, por conta do encontro anual das principais agências de viagem do mundo que integram o Grupo Virtuoso, pudemos conhecer o Hotel Santo Domenico Palace, também operado pela Four Seasons em Taormina na Sicília, Itália.
As positivas experiências parecem confirmar o diferencial de serviços proposto pela rede.
O hotel está situado num antigo convento do século XIV e foi reconfigurado para seu uso atual, preservando sua história e modernizando sua arquitetura, incorporando arte e elementos que fazem com que no plano físico e visual a experiência já seja marcante.
Mas é no atendimento e nos serviços que seus principais diferenciais são mais valorizados.
Esse hotel era operado pelo grupo Orient-Express, hoje Belmont, e o Four Seasons o incorporou em 2021 e imprimou seu padrão de serviços com essa forte ênfase no atendimento por meio de pessoas integrado com sistemas e outras experiências físicas, sensoriais e visuais.
Para sustentar essa proposta, a rede Four Seasons tem políticas de recrutamento, seleção, desenvolvimento, reconhecimento, remuneração e premiação que valorizam de forma única a atenção e o foco no cliente e na sua experiência.
Como complemento, o grupo Four Seasons desde 2007 é controlado pela Cascade de Bill Gates e a Kingdom Holding Co do príncipe Al-Walled bin Talal, que juntas detêm 75% do controle e forte predominância da Cascade. O que também sinaliza o avanço dos fundos e empresas financeiras para negócios ligados à hospitalidade, turismo e varejo.
Valem o conhecimento, a reflexão e a inspiração.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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