Jaguar conseguiu prejudicar dois importantes alicerces no branding para reposicionamento

A recente campanha de rebranding da Jaguar provocou reações intensas, raivosas até, especialmente entre consumidores britânicos, gerando um debate acalorado sobre os rumos da marca. Enquanto as críticas abundam, e não devem parar, qualquer profissional de marketing consegue enxergar equívocos chocantes.

Ansiedade e indignação: um ícone ameaçado

Apesar da marca não estar mais nas mãos de nenhum grupo inglês, porque foi comprada em 2008 pela indiana Tata Motors, consumidores de marcas de luxo, especialmente no mercado inglês, expressam uma sensação de possível perda de mais um símbolo tradicional da cultura britânica.

O medo de ver a Jaguar abandonar seu legado para adotar uma identidade mais “avant-garde” gerou certa revolta no tradicional mercado inglês e nos usuários da marca no mundo. É só dar um Google ou entrar no YouTube e enumerar menções, memes e vídeos sobre o assunto.

Esse é um sintoma claríssimo de que o fator emocional envolvendo o trabalho de branding é central de qualquer projeto de reposicionamento e que deve levar em conta que afeta diretamente as decisões de consideração, compra e engajamento com marcas.

A nova campanha “teaser”, que adotou um tom disruptivo e transgressor, viralizou não por engajamento positivo, mas por críticas e piadas. Com 22 milhões de visualizações no X (antigo Twitter) e mais de 2,5 milhões no YouTube, a peça foi amplamente debatida. Comentários como “a marca esqueceu que vende carros” e “campanha desastrosa” dominaram as redes.

Os equívocos aparentes no rebranding da Jaguar

Entre as várias críticas, dois equívocos saltam aos olhos quando falamos de branding:

1. Mudança radical de comportamento da marca

Imagine seu vizinho, que raramente te cumprimenta no elevador logo cedo no caminho do trabalho, começar a te abraçar e perguntar sobre sua família. É mais ou menos assim que uma marca radicalmente modificada em sua essência de comportamento chega na sociedade.

Construir valor de marca é um processo que leva anos e a Jaguar consolidou sua identidade comportamental lastreada pelo arquétipo do “soberano” e do “sedutor”. Associada à aristocracia britânica, a marca reflete autoridade, confiança e sofisticação, enquanto incorpora uma leve sensualidade por meio de figuras icônicas como James Bond.

Nada confina a marca em adotar nossos comportamentos, mas o que vimos foi um “shift” de 180º, surpreendendo toda sociedade de consumo.

A nova campanha abandona o território consolidado de comportamento para adotar elementos do arquétipo do “fora da lei”, um salto deveras arriscado no curto e até médio prazo.

O filme apresenta mensagens como “Delete Ordinary” e “Break the Mold”, simbolizando ruptura e transgressão. A escolha de signos associados à cultura “woke” amplia a polarização, alienando consumidores tradicionais e, pior, politizando a marca.

Essa mudança drástica levanta questões: por que a marca, com um legado tão forte, optou por uma ruptura em vez de usar seu passado como alavanca para o futuro?

2. Se não for genuíno, não é branding

Rebranding eficaz deve respeitar a genética da marca, especialmente em casos com um legado tão robusto como o da Jaguar.

A busca por inclusão e diversidade, embora legítima, parece desconectada de duas pontas importantes que sustentam qualquer marca: a própria marca e seu usuário recorrente. Símbolos e mensagens “woke” têm pouca ressonância com o consumidor psico-demográfico típico da Jaguar, tornando difícil justificar essa abordagem como uma estratégia de negócios coerente.

O discurso de Santino Pietrosanti, diretor de marketing da Jaguar, reflete essa desconexão. Durante o evento Attitude, Pietrosanti afirmou: “Estamos comprometidos em promover uma cultura diversa, inclusiva e unificada, que represente não apenas as pessoas que usam nossos produtos, mas a sociedade em que vivemos. Estamos em nossa própria jornada de transformação”.

Embora bem-intencionada, a mensagem parece alinhada mais ao lifestyle do próprio executivo do que ao DNA da marca, evidenciado também no novo slogan da Jaguar: “A seismic change is coming” (“Um abalo sísmico está chegando”).

Estratégia ou erro? A intenção por trás do rebranding

Para avaliar uma estratégia, é essencial compreender os objetivos do negócio. A Jaguar busca reposicionar-se como uma marca de ultra luxo, alicerçada na tecnologia de carros elétricos e com um público-alvo mais jovem, diverso e urbano. De acordo com informações colhidas pelo site e em entrevistas do CEO da Holding LandHoverJaguar, os objetivos atuais da marca incluem:

Com planos de lançar três novos veículos elétricos em 2026, a Jaguar pretende dobrar o preço médio de seus modelos atuais, posicionando-se como concorrente direta das marcas de alto-luxo. Iniciativas como a instalação “Copy Nothing” na Miami Art Week, que deverá abrir as portas em 2 de dezembro, reforçam essa narrativa de ruptura.

Risco calculado? Aposta de nicho?

Ao traçar um caminho estratégico tão ambicioso, a Jaguar arrisca alienar consumidores tradicionais enquanto tenta atrair novos públicos. É como se a marca não existisse e fosse simplesmente se lançar no mercado sem lastro, sem memória, sem passado.

A desconexão entre o DNA da marca e o discurso da campanha evidencia os desafios de uma transformação tão abrupta. E da clara intenção de negligenciar o que sustentou o negócio da marca até agora: seus compradores usuais e recorrentes. O que implica, imediatamente, que o faturamento de curto prazo (e as ações) da empresa podem despencar ao nível mais baixo, já que a ruptura institucional e o vínculo construído com usuários e a sociedade de consumo não existem mais. É uma nova construção que não reverte vendas no curto prazo.

Ainda assim, se a intenção da marca for realmente reposicionar-se como uma referência de modernidade e tecnologia no segmento de ultra luxo, é possível que o tempo valide sua estratégia. Até lá, o debate sobre os riscos e méritos do rebranding continua.

Seja feliz.

Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

Imagens: Shutterstock e reprodução

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