Máquinas escolhem pessoas: como a Inteligência Artificial pode quebrar paradigmas no setor de RH

Algoritmos já estão sendo usados na gestão de pessoas, mas a dúvida é: quem faz as melhores escolhas?

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O processo seletivo começa. São quatro vagas: dois coordenadores e dois analistas para a área de tecnologia de uma empresa familiar que atua no setor de varejo. O departamento de RH precisa encontrar dois profissionais que tenham experiência nesse tipo de vaga. Mais de 70 candidatos confirmam a inscrição. A tarefa agora é fazer os processos necessários para encontrar os melhores. Quem pode dar essa informação com mais qualidade: um profissional experiente da área de RH, que já faz esse tipo de seleção há cerca de 20 anos; ou uma Inteligência Artificial (IA) que, por meio de algoritmos, consegue identificar as habilidades e competências com mais precisão? O debate está posto.

Uma pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.Br) trouxe alguns dados importantes para iniciarmos uma reflexão sobre o tema. Segundo o estudo, 22% das empresas pequenas e 37% das grandes já adotaram a IA no seu dia a dia, com a implementação de softwares de RH e gestão. As ferramentas passam pela triagem de candidatos e se estendem até os chamados “consultores de carreira”, que orientam o candidato durante o processo de seleção.

É fato que a tecnologia se tornou uma realidade cada vez mais presente e eficiente em todos os setores da sociedade. No entanto, quando ela chega em um setor tão “humano”, os obstáculos são mais altos. Pelo menos por enquanto, recrutar, selecionar, analisar, treinar e gerir pessoas não é uma tarefa essencialmente lógica, que um algoritmo pode decifrar por meio da conexão de dados. Repito: por enquanto.

Afinal, alguns fatores precisam ser levados em conta no debate. O primeiro deles é que o trabalho do setor de RH não se resume à contratação, mas, em maior escala, à gestão das pessoas. A IA pode executar funções consideradas repetitivas e, assim, permitir que os profissionais de RH se dediquem às ações estratégicas, mais próximas do colaborador. Esse cenário tende a gerar maior produtividade e melhoria nas performances.

O desenvolvimento e a aprendizagem dos funcionários é outro ponto que pode ser dividido com a tecnologia. Afinal, o treinamento dos profissionais é sempre um grande desafio. A IA pode auxiliar no mapeamento dos funcionários e determinar em quais áreas eles têm lacunas e, consequentemente, maior necessidade de aprendizado. Com esta análise, é possível identificar quedas bruscas de desempenho com mais facilidade e precisão. Isso, além de ser bom para a empresa, que minimiza prejuízos, é fundamental para o colaborador.

O controle de jornadas, cálculo de horas extras e bônus são mais alguns processos que precisam de tempo para serem feitos e, ainda, podem ter erros humanos, em especial com a adoção em larga escala no trabalho remoto, consequência da pandemia da covid-19. Com a Inteligência Artificial, em um processo totalmente automatizado, os erros chegam perto de zero e os colaboradores, mais uma vez, ficam com tempo para funções mais estratégicas.

Mas se o uso de Inteligência Artificial no RH possui tantos benefícios, quais são os motivos que impedem a adoção em massa dessa tecnologia? Em uma primeira análise, é possível dizer que a questão financeira é um ponto importante. Há um custo considerável para implementar esse tipo de tecnologia.

A partir disso, principalmente, o impacto da Inteligência Artificial passa a ser mensurado. De acordo com um estudo realizado pela Forbes, mais de 65% dos executivos cujas empresas adotaram a IA relatam que esse recurso aumentou a receita nas áreas de negócios em que eram aplicadas, e aproximadamente 44% dizem que reduziram os custos da companhia.

Ainda há outro fator importante: a percepção humana. A Inteligência Artificial pode compensar a imprecisão da tomada de decisão dos humanos? A IA não vai se deixar levar por questões emocionais? Por outro lado, podem ser essas questões emocionais que fazem uma decisão ser mais acertada? Esse lado quase que intuitivo do ser humano deve ser preservado?

Ainda não trago respostas para essas indagações.

Muitas empresas já utilizam ferramentas para filtrar currículos que combinam melhor com a vaga e a companhia. Outras armazenam o histórico dos participantes nas diversas fases do processo e deixam as máquinas decidirem. Também existem ferramentas tecnológicas que, sem a intervenção humana, testam a personalidade e o comportamento do candidato. Então, o que devemos fazer?

Para refletir e seguir estudando o tema, volto à escolha de dois coordenadores e dois analistas para a área de tecnologia de uma empresa familiar que atua no setor de varejo. Penso nos 70 candidatos.

Lembro do algoritmo da “Regra dos 37%”, descoberto pelo matemático Merrill Flood, em 1958. A regra provém do famoso quebra-cabeça de parada ótima, que veio a ser conhecido como o “problema da secretária”. O objetivo era maximizar a probabilidade de contratar a melhor candidata de um grupo.

Porém, ainda penso mais em cada ser humano, em cada oportunidade de mudança de vida que uma empresa pode proporcionar a um aprovado no processo. Penso em falhas que se tornam aprendizados; erros que se tornam acertos; tempestades que, ao terminar, desenham um novo horizonte. Por esses motivos, uso o direito de me questionar e, por enquanto, seguir acreditando na capacidade humana de tomar uma decisão, certa ou errada.

Carlos Carvalho é CEO da Truppe!
Imagem: Shutterstock

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