Meu interesse pela síndrome do impostor, especialmente no contexto das relações de trabalho, nasce da frequência com que essa experiência emocional surge no meu consultório, em especial entre profissionais que estão em posições de liderança ou em processo de ascensão.
Trata-se de algo comum, profundamente humano. Mas isso não significa que seja apenas uma impressão subjetiva, porque as consequências do fenômeno são palpáveis no dia a dia de curto, médio e longo prazos do profissional.
Na maioria das vezes, os casos chegam a partir de pedidos de sessão de mentoria profissional, um indicativo de que o problema está de fato relacionado à competência objetiva no trabalho, e não efetivamente ao comportamento subjetivo do indivíduo.
Se você está vivo, respira o mesmo ar que todo mundo e carrega a responsabilidade de sustentar a própria vida por meio do trabalho, não venha me dizer que nunca sentiu medo de ser “descoberto”, de que, em algum momento, percebam que você talvez não seja tão competente quanto aparenta ou tão brilhante quanto esperam. Esse receio, ainda que silencioso, é mais comum do que se admite.
É o que chamo de autoengano psíquico. E o mais curioso é que as pessoas identificam “suas síndromes” a partir de origens distintas. E, não por acaso, a maioria dos casos encontra eco na avaliação equivocada da autoimagem, ou seja, estão enraizadas em questões ligadas aos aspectos da psique e não efetivamente em contornos profissionais deficitários.
Possíveis origens da síndrome
Deixo claro aqui que o conteúdo abaixo é fruto apenas do empirismo do meu consultório e não tem base científica, nem comprovações metodológicas sobre o assunto. As origens mais comuns que encontro na clínica:
- Deslocamento identitário – não pertencimento ao grupo de trabalho (mais comum entre mulheres em posição de liderança, sendo inclusive objeto do estudo original sobre o tema, feito em 1978);
- Déficit cognitivo – a percepção de que “você sabe menos que os colegas de trabalho”, numa inferência de cognição ‘abaixo da média’ em relação aos colegas;
- Déficit de capital simbólico – inadequação profissional estrutural, ou seja, não possuir o conjunto de atributos históricos reconhecidos para o cumprimento da carreira em questão;
- Escassez de afeto na infância – a condição de baixa autoestima gerada a partir de uma criação abusiva ou altamente demandante na infância pode impactar no aparecimento da síndrome.
A síndrome do impostor foi cunhada originalmente pelas psicólogas americanas Pauline Clance e Suzanne Immes, em 1978, que identificaram que os colegas que cercam um profissional tendem a superestimar sua competência.
O estudo intitulado: “The Impostor Phenomenon in High Achieving Women: Dynamics and Therapeutic Intervention”, publicado no Psychotherapy: Theory, Research & Practice, elas investigaram um padrão recorrente observado em mulheres com alto desempenho acadêmico e profissional que, mesmo diante de evidências objetivas de competência, sentiam-se como fraudes. Ou seja, elas acreditavam que seus sucessos eram resultado de sorte, carisma ou engano — e que, em algum momento, seriam “descobertas”.
Vejam que o estudo tinha foco no segmento mais vulnerável da força de trabalho na época, que eram as mulheres. E, infelizmente, parece que de lá para cá pouca coisa mudou no contexto do trabalho. Mas, num corte de quase 50 anos para frente, hoje enfrentamos muitos segmentos de profissionais, sejam homens ou mulheres, com a síndrome do impostor fazendo parte de suas vidas e atrapalhando seus desenvolvimentos profissionais.
Nova pesquisa e descobertas sobre o assunto
Um estudo recente do MIT Sloan, publicado no início deste ano, realizado pelo professor Basima Tewfik, juntamente com Jeremy A.Yip, da Universidade de Georgetown, e Sean R. Martin, da Universidade da Virgínia, ampliou o estudo original e trouxeram um recorte mais contemporâneo para o assunto.
De acordo com o artigo da jornalista Kara Baskin, do MIT Sloan Management Review, a nova pesquisa desmascara quatro grandes mitos sobre a síndrome do impostor. São elas:
- “Não há mal que dure para sempre”: esse ditado não poderia cair melhor para desbancar o mito de que o profissional conviverá “para sempre” com essa sensação. Os autores deixam claro que a síndrome, do jeito que está definida, pressupõe perenidade. E, na verdade, deveria ser substituída pelo conceito de pensamentos impostores, numa espécie de referência de que não é uma condição psíquica total do indivíduo no trabalho, mas um pensamento dado em determinado período de tempo e com foco em determinadas tarefas, portanto, um fenômeno passageiro;
- Não está lastreado em gênero: o estudo original ancorado nas mulheres em posição de liderança trouxe um viés que dura até hoje, o de que o fenômeno é um evento mais comum entre as mulheres. O novo estudo aponta que a síndrome afeta homens e mulheres em proporções semelhantes. E mais, que a síndrome não é apenas uma questão de diversidade, equidade e inclusão;
- A síndrome é uniformemente prejudicial: cada indivíduo reage de um jeito diferente ao problema. Na verdade, os pesquisadores descobriram que as pessoas que vivenciam a síndrome podem até ter um desempenho melhor no trabalho, pelo menos, nas tarefas interpessoais, porque tentam compensar sua autopercepção de incompetência;
- Inabilidade ou incompetência podem ser apenas uma percepção: o enorme consumo de energia pessoal para compensar a pretensa “falta” de profissionalismo e competência pode gerar, como consequência laboral, uma performance muito acima da média, mesmo que o indivíduo não consiga enxergar essa realidade.
Um aprendizado importante
O axioma central do ofício psicanalítico está ancorado na individuação do tratamento. Embora a teoria original da psicanálise, fundamentada nos conceitos freudianos e, mais adiante, na estrutura lacaniana, indique que partilhamos os mesmos recursos psíquicos fundamentais, cada sujeito se confronta com suas questões de maneira singular, atravessado por uma história, uma linguagem e uma economia psíquica próprias.
Nesse sentido, a síndrome do impostor não pode ser tratada como um fenômeno universal, com efeitos previsíveis. O que, para alguns, gera retração, bloqueio e sabotagem; para outros, se transforma em sobrecompensação, perfeccionismo ou ambição desenfreada.
O rescaldo dessa experiência varia amplamente: há quem paralise, há quem brilhe. Por isso, tratar essa síndrome exige uma escuta individualizada, e não fórmula pronta e genérica.
Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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