Nenhum destaque de varejo no festival internacional de Cannes

Em contrapartida, retail media foi "pauta quente"

Festival de Cannes: Inteligência Artificial, criatividade, economia comportamental e o impacto nas marcas

Acaba de acontecer o famoso Festival Mundial de Criatividade em Cannes, que completou neste ano sua 70ª edição. O universo das agências de publicidade, produtoras, influenciadores, plataformas de mídia, streaming, enfim, todas entidades de comunicação em apoio ao marketing, estavam lá. E, claro, assim como os mais importantes gestores de marketing de marcas do mundo.

O Brasil sempre está no top 3 em premiações do mundo em Cannes. E neste ano não foi diferente, trazendo para casa mais de 90 Leões e alguns Grand Prixs, o chamado prêmio dos prêmios.

Até uns 10 anos atrás, Cannes era um festival de comunicação publicitária que celebrava o universo das execuções criativas, fossem elas comprovadamente efetivas ou puramente geniais.

Sempre foi a grande oportunidade de vermos as melhores ideias de comunicação do mundo para marcas e categorias executadas com alto valor de produção, seja do ponto de vista técnico ou da potência criativa propriamente dita.

Longa história curta, ao longo dos anos, Cannes teve que se transformar radicalmente, especialmente por causa da concorrência de outros festivais ditos “mais contemporâneos”, como o Web Summit, em Lisboa, ou o SXSW, em Austin, no Texas (que vocês bem devem ter ouvido falar). E como a Fênix, Cannes renasce das cinzas e volta a se tornar uma referência no quesito inovação (criativa) e contemporaneidade.

Está se consolidando como um festival de insights baseados em tecnologia. Melhor dizendo, um festival onde a tecnologia é a grande plataforma de trabalho dos publicitários para o desenvolvimento de ações que alavancam negócios de todos tamanhos e origens, marcas locais e mundiais, ONGs etc.

Como não poderia deixar de ser, a queda em relevância da mídia tradicional vis a vis e o aumento de relevância da tecnologia como meio de comunicação, relacionamento e vínculo entre as pessoas e entre as pessoas e as marcas fizeram com que o mercado publicitário se mexesse numa espécie de redescoberta de si mesmo, transferindo insights de comunicação para insights dos negócios.

Hoje em dia, falou em marketing, falou em negócios

Para quem dizia que a propaganda é a alma do negócio, tenho um recado inequívoco. Hoje a estratégia de marketing é a estratégia do negócio e Cannes 2023 está aí para provar isso.

O festival deste ano mostrou que os negócios estão atuando sobre um tripé que notadamente inicia uma escalada sem volta. É um tripé formado pelo mundo físico e o mundo digital, que se somam ao mundo social.

Essa é a teoria do Marketing do Futuro, que foi recentemente lançada pelo querido amigo Silvio Meira, cofundador da Cesar de Recife, que traz uma nova nomenclatura para os negócios: são os negócios “Figital” – físico, digital e social.

Quando falamos do território social, temos que mencionar que o júri do festival, composto por indivíduos das gerações Y e Z, é bem mais generoso com projetos que abraçam as causas sociais (minorias e gênero) e meio ambiente, mas isso também indica um comportamento geracional importante nas decisões de compra. A lista de peças e projetos vencedores de Cannes neste ano não me deixam mentir.

Não podemos deixar de mencionar que os milhares de projetos inscritos no Festival e seus grandes vencedores – os chamados Grand Prix – tinham as pessoas como os grandes focos das ações de marketing e comunicação, muito mais do que os próprios produtos e serviços das marcas ou de suas companhias/entidades. E com essa máxima do customer centric, me ocorre que na seara do varejo, eu vi muito pouca coisa (ou nenhuma) sendo premiada por lá.

Ausência do varejo em Cannes: uma oportunidade perdida

Já parou para pensar que nenhum outro negócio consegue estar tão “frente a frente” com seus usuários como o varejo? Especialmente, aquele varejo que nasceu e se mantém também no mundo offline. Exatamente por isso, ele tem potencial para ser um dos campeões em prêmios no Festival de Cannes. Customer centricity é o nome do jogo. No entanto, a realidade é uma só: a ausência completa de premiados na categoria de varejo no Festival.

Ficam as perguntas: como será que o varejo brasileiro está encantando seus usuários através das novas tecnologias? Qual o papel de uma agência de uma marca de varejo no encantamento dos clientes da marca (para além da promoção)? O funil de conversão nas estratégias de CRM, especialmente as estratégias anti-churn, são apenas para uma retenção funcional?

Não é novidade para os profissionais de comunicação que o marketing de serviços é sobre encantamento e inspiração. Casos “pré-históricos”, como os da Selfridges (loja de varejo londrina, fundada no início do século 20, que, inclusive, tem série na Netflix) e da própria Disney, que vem encantando gerações ao longo dos 75 anos de existência, estão aí, em nossas caras, para mostrar isso.

Todos os anos, a Ikea manda ações e campanhas para o Festival memoráveis. Neste ano, a Ikea de Milão ficou em “short list“, diríamos que com uma campanha bem fraca. Mas, mesmo em seu dia a dia, ela consegue impactar usuários com campanhas irreparáveis, atuais e alinhadas com os novos tempos. Veja essa campanha (de produto e preço – não é nem institucional) recente da marca!

 

Além do impacto da IA, retail media desponta como um assunto quente em Cannes

Apesar da ausência na premiação, o varejo foi, sim, assunto do Festival com a nova estrela da propaganda mundial, a retail media.

Quem não quer receita incremental? Essa é a oportunidade de ouro dos varejistas em plataformas que apareceu quase que como num alinhamento dos astros. O assunto é tão importante que virou uma espécie de buzzword (palavra da moda) no Festival. E Cannes reservou uma masterclass, a qual eles chamaram de Retail Media Accelerator, para colocar os publicitários no aprendizado desta modalidade de mídia.

Com a questão da privacidade de dados e da nova gestão dos cookies, comprar mídia numa plataforma fechada, totalmente “curada” pelo dono da plataforma, parece ser uma solução para um grande problema para alguns anunciantes.

O Grupo M, maior comprador de mídia do mundo, estima que só em 2022 já foram gastos mais de USD 100 bilhões em retail media, sendo esperado um aumento de 60% deste valor até 2027.

O grande “pitch” de venda do retail media é que o anúncio da marca alcança o usuário na chamada hora da “meia-compra”, quando ele está mais disposto a ouvir, ver e decidir sobre a categoria que está comprando. E, de acordo com a pesquisa da Skai, uma das empresas líderes no mundo em omni-channel marketing campaigns, 3 em cada 4 usuários da Amazon, por exemplo, não se incomodam em serem alvos de publicidade na hora da compra. Ao contrário, é o momento certo de isso acontecer.

Em Cannes, os maiores especialistas em retail media estiveram reunidos em um bate-papo sobre o setor e seus avanços. Dentre eles, Amir Malik, managing director at Accenture Song; Nich Weinheimer, EVP strategy at Skai; e Adam Skinner, global managing director, retail media networks at Epsilon/CitrusAd, para falar apenas de alguns.

Com as dificuldades atuais do varejo brasileiro, que não é novidade para ninguém, imagino que as empresas fornecedoras do setor devam estar mais preocupadas em alavancar o curto prazo do que colocar projetos em Cannes, mas vale lembrar que quanto mais encantamento, mais margem e mais lealdade.

A ideia não é abandonar o dia a dia e criar projetos para ganhar um prêmio em Cannes. Mas, sim, realizar um projeto tão relevante para o usuário que ele, peer se, ganhe  Cannes, e assim, combinar ambas as necessidades.

Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
Imagem: Shutterstock

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