Festival de Cannes: Inteligência Artificial, criatividade, economia comportamental e o impacto nas marcas

Festival de Cannes: Inteligência Artificial, criatividade, economia comportamental e o impacto nas marcas

O Festival de Cannes celebra seu 70º aniversário neste ano. A edição atual terá início no dia 17 de junho e continuará até o dia 21. Para quem não conhece, o evento ocorre imediatamente após o Festival de Cinema de Cannes, proporcionando à cidade uma segunda onda de dinamismo e novo fluxo de investimentos, com a chegada de publicitários de várias partes do mundo.

Sempre representado com grande número de campanhas, para não dizer absurdo, o Brasil está entre as top 3 delegações em número de profissionais. O mercado publicitário espera pelas campanhas brasileiras porque elas estão sempre entre as melhores do mundo há anos.

O Brasil sempre apresenta campanhas icônicas, que todos temos orgulho. Mas também, de forma pouco ética, mostra um mar de outras, que chamamos de “fantasmas”, feitas somente para competir, impressionar o júri para tentar levar troféus. E o mundo nos conhece por isso, uma vergonha.

Legítimos ou não, os Leões do Festival premiam as melhores ideias criativas que ditam tendências para o ano que segue e o seguinte. A grande virtude do encontro é a disseminação de novas técnicas e de insights criativos que agregam valor ao negócio e trazem resultados concretos para a linha de receita do balanço das empresas.

De acordo com Simon Cook, presidente-executivo Cannes Lions, neste ano o festival vai dar visibilidade a todas as ferramentas disponíveis capazes de conectar criatividade e negócios. E aponta obviamente para a gestão da Inteligência Artificial como a mais evidente delas.

Para que serve a Inteligência Artificial para a publicidade? São pelo menos três os motivos: o primeiro é tornar os trabalhos mais reais, numa tentativa de aproximar as marcas dos usuários. Cada vez mais, ao menos nos últimos 10 anos, o real life é um estilo de entretenimento muito consumido e apreciado no mundo inteiro, ainda mais no Brasil.

Um segundo uso para IA na propaganda é dar aos projetos de baixo orçamento certa escala, magnitude e importância que não conseguiam ter, exatamente porque os orçamentos de filmes de primeira linha eram impraticáveis para pequenas e médias marcas antes da aparição dessa ferramenta. Por fim, a IA dá às marcas agilidade para reagir às questões atuais.

Toda nova tecnologia ou metodologia que surge no mercado publicitário inicialmente torna-se objeto de moda e, frequentemente, é rapidamente descartada, como observamos com a moda de uns três anos que foi a aparição do metaverso, hoje muito pouco explorado.

Porém, a Inteligência Artificial parece desafiar essa tendência. Apesar de ser uma ferramenta que ainda necessita ser dominada, Simon Cook enfatiza que “ainda serão necessárias muitas horas de trabalho para seu domínio e profundo uso criativo na publicidade”. Isso indica que, diferentemente de outras novidades que rapidamente caem em desuso, a Inteligência Artificial pode ter um impacto duradouro e transformador no setor.

A publicidade é mais um dos segmentos que vai se ajoelhar à essa tecnologia e, com absoluta certeza, mudar o curso dos próprios negócios e o dos clientes.

Criatividade para os negócios

Ouvindo os relatos do presidente de Cannes e lendo algumas reportagens sobre o evento que se aproxima, parece que há uma necessidade de fazer com que todo o mercado publicitário retorne à posição de criatividade original, aquela que gera impacto direto nos negócios, mexendo ponteiros.

A mudança de rumo da publicidade (e do marketing) nos últimos 5 anos para gestão de dados nas planilhas de Excel, dashboards e tecnologia fez, de alguma forma, a criatividade arrefecer.

Você que me lê deve ter notado que sua vida com a publicidade tornou-se mais planilheira do que criativa propriamente dita. Nada de errado com as planilhas, algoritmos e dados, mas isso não pode interferir no punch de persuasão da atividade como mexeu.

É notória a queda de qualidade nas peças publicitárias mundo afora e, sem querer olhar de lado para o segmento por aqui, faço a pergunta: há quanto tempo você não vê uma campanha daquelas que a gente comenta no restaurante com os amigos – especialmente das megamarcas que têm dinheiro suficiente para produção e veiculação?

Talvez, pior do que a queda de qualidade das campanhas no segmento, a intensidade e o volume de planilhas no marketing deixaram transparecer para alguns executivos que a jornada de compra dos indivíduos está diretamente relacionada a sua racionalidade lógica, acima de sua emoção.

Essa falsa premissa contraria a teoria dos economistas Prêmios Nobel, Daniel Kahneman e Richard Thaler, que provaram que a persuasão não segue um padrão racional ou linear nas tomadas de decisões, mas está sujeita aos vieses cognitivos emocionais.

O estudo de como as decisões são tomadas e o quanto elas não seguem um padrão lógico, nomeado de economia comportamental, está em evolução há pelo menos 40 anos. Mas parece que os algoritmos têm prestado um desserviço em apagar a memória que a persuasão (e conversão) só é conseguida com emoção.

Marca forte tem proteção maior ao cancelamento

Como já dito, a publicidade brasileira vem sendo utilizada como ferramenta de linearidade, numa relação direta entre causa e efeito – um reflexo das demandas e das exigências cada vez mais fortes de se chegar ao bottom line esperado e planejado.

Por isso, a construção de marca ao longo do tempo é um elemento do marketing que tem praticamente sumido dos KPIs de performance do repertório dos executivos de marketing.

Se o recorte atual no marketing é de quase que completa comoditização de ofertas, seja do produto propriamente dito ou do serviço, a comunicação é um elemento vital para sua diferenciação. E, melhor, a comunicação é uma oferta de valor agregado que, muitas vezes, justifica um premium price, ou como queira, uma margem maior.

Não só, a comunicação, por meio de campanhas sequenciais e alinhadas ao longo do tempo, estabelece vínculos emocionais importantíssimos entre marca e usuário, colaborando diretamente na repetição da escolha da marca numa próxima compra.

Como executivo de publicidade há mais de 40 anos, e ainda bastante atuante no mercado, eu posso afirmar que nunca foi tão raro ouvir sobre os esforços de “construção de marca” nos departamentos de marketing. Salvo raras exceções, ouço muito mais sobre objetivos e demandas da publicidade de curto e curtíssimo prazos do que a tarefa de agregar valor ao equity da marca.

Posso falar com muita propriedade sobre o trabalho que fizemos para a marca de analgésicos Neosaldina. Foram 12 anos consecutivos de construção de imagem de marca que, de tão consistente, é até hoje considerada a única marca da indústria farmacêutica como love brand, ou seja, uma marca que os usuários conseguem amar como se fosse uma pessoa.

Mas você pode estar se perguntando: por que ser uma love brand? E a resposta é simples. Além da extrema boa vontade com a marca por parte dos usuários (nada melhor ter esse sentimento dos usuários nesta fase de cancelamentos que estamos passando), a margem de uma marca love brand é sempre consideravelmente maior do que a da categoria.

Transformação é a constante do marketing 

Inteligência Artificial, economia comportamental e criatividade estarão presentes no Festival deste ano. Mas, perceba que são três pilares de negócios que estão nas mãos de qualquer empresário ou executivo de empresas (e marcas) de qualquer tamanho.

Talvez esse seja um momento da história dos negócios em que  todos nós voltamos a ser adolescentes porque temos que voltar aos bancos de escola, já que são tantas as novidades da tecnologia e das metodologias para alavancagem dos negócios que estamos sofrendo com a síndrome de Benjamin Button: temos que rejuvenescer para sobreviver nos negócios de hoje.

Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

Imagem: Shutterstock

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