Requer uma certa dose de realismo, salpicado de otimismo, a atitude de que o pior já passou. Foram tantas e tão dramáticas surpresas nos últimos tempos que assumir que o pior já passou, e escrever sobre isso, demanda um pouco de ousadia, quase inconsequência.
Mas quando observamos no plano da saúde a curva descendente na média móvel semanal de mortes, associada com os dados que mostram a recuperação no número de infectados, a constatação faz sentido. O número de novos infectados tende a continuar alto, mas o mais importante é que a recuperação seja ainda mais alta e as mortes decorrentes, menores.
No plano econômico o estrago foi brutal, mas constata-se de que as previsões mais dramáticas não se confirmaram e que, comparativamente com outras economias mais desenvolvidas, a redução de nosso PIB é um pouco menor e o emprego parece retomar, tomando por base a redução de índice de geral desemprego com leve queda entre última semana de Julho e a primeira de Agosto, de 13,7% para 13,3%, que pode sinalizar a inflexão da curva.
Do lado da renda, o efeito do auxílio emergencial foi e é fundamental para minorar o problema e acaba por reconfigurar, momentânea ou definitivamente, a geografia do consumo no país que redistribui os indicadores de potencial de consumo no plano macro, entre as regiões e cidades brasileiras, e no plano micro, nas regiões econômicas entre cidades e bairros.
No plano político, uma providencial e desejada distensão, mesmo às vésperas de uma eleição, tem contribuído para um clima mais favorável para as discussões mais equilibradas e ponderadas, menos apaixonadas e radicais, sobre a causa maior, que é o próprio País.
No consumo e no varejo um evidente e enorme desequilíbrio setorial ou, numa visão mais realista, um novo equilíbrio, com segmentos, negócios e canais reposicionados em termos de participação de mercado.
Ganharam muito os atacarejos, supermercados, e-commerce, marketplaces, conveniência, farmácias, material de construção e artigos para o lar, além do delivery. Com certo equilíbrio os eletrônicos e artigos para escritório. Com perdas leves, vestuário e calçados. Com significativas e dramáticas perdas os setores de foodservice, alimentação fora do lar de forma geral, e o turismo, de lazer, eventos e corporativo.
O que fica como nova realidade é ainda prematuro especular.
Mas para além dos segmentos e categorias, o desempenho das empresas e negócios teve sua situação reconfigurada de forma diretamente proporcional à sua maturidade digital e capacidade de reagir de maneira propositiva e ágil.
De fato, como em muitos outros países, emerge um outro Brasil dessa pandemia.
No nosso caso emerge um país ainda mais desigual, mais desequilibrado em termos fiscais, mais endividado, mais concentrado em riqueza, menos organizado, menos integrado, mais polarizado politicamente e com muito mais por estruturar, planejar e fazer.
Se no plano econômico os danos foram menores do que as piores previsões, no plano da saúde, no político e social, e na imagem internacional, os danos foram bem maiores.
É tempo de confirmar que o pior tenha passado, de trabalhar rápido no rescaldo e de pensar, de forma objetiva e pragmática, quais são os caminhos da integração para reconstrução do que a pandemia piorou.
E da sociedade, pelas lideranças do setor privado, entender que a tarefa da reconstrução é complexa demais para ser delegadas somente aos poderes institucionais do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Ou se mobiliza para atuar ou vai ter que se conformar. Não passamos nesse teste de stress.
Esse repensar e agir para mudar não é tarefa de ninguém em particular, mas de todos de bom senso, no coletivo.
Essa é a missão de agora. Repensar o futuro e reconstruir pontes.
NOTA: O repensar do consumo e do varejo impactado pela pandemia também será tema que estará na pauta do Global Retail Show, de 13 a 19 de setembro, em 15 países e apresentado por perto de 280 líderes desses setores em todo o mundo. E com duas pesquisas exclusivas, uma sobre o comportamento e atitudes pós-Covid-19, realização da Mosaiclab e apoio da Toluna, e outra como os empresários brasileiros do setor avaliam a evolução do varejo, essa com apoio da FGV.
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