Sorridente na medida certa, consciente de seu feito e plena em sua contida alegria, do alto do pódio ela enviava um olhar solidário à torcida, suas companheiras e companheiros de jornada e sua equipe, enquanto ouvia o Hino Nacional. Rebeca era a face da realização, da conquista, da vitória que agora são incensadas e inspiram o país como um todo.
Mas muitas outras faces devem e precisam ser conhecidas e valorizadas para não ficarmos com a imagem de que a vitória conquistada em até noventa segundos de uma apresentação individual numa Olimpíada seja apenas resultado de muito trabalho, esforço e dedicação. É muito mais do que isso e essas outras muitas faces trazidas pelo esporte precisam ser conhecidas e valorizadas, pois são uma fonte inesgotável de inspiração para a vida e os negócios.
O feito de Rebeca Andrade ao conquistar as duas medalhas na Olimpíada no Japão, uma de ouro e outra de prata, e sua história de superação, os dramas vividos pelas contusões e cirurgias, o trabalho com sua equipe, o diálogo valorizado por ela como parte de sua preparação, o apoio e suporte maternal e de seus irmãos, as dificuldades enfrentadas ao longo de sua carreira, as frustrações e os recomeços, sua forma madura e equilibrada ao ser reverenciada, sua postura em relação às conquistas, todos esses aspectos, e muitos mais, essas inúmeras outras faces, serão decantados em prosa e verso por muito tempo ainda. E de fato merecem.
Assim como os feitos de outros atletas individuais ou em equipe, nacionais ou internacionais, que numa Olimpíada conquistam a audiência trazendo lições de vida que precisam ser entendidas e assimiladas. O esporte tem esse poder mágico que espelhar e inspirar a vida em muitos aspectos.
Rebeca representa tudo aquilo que tinha contra si tudo para dar errado, mas dá certo por conta de todas essas outras faces, até então só conhecidas e apenas valorizadas por poucos.
Diferente do Brasil, que tem tudo para dar certo e insiste e conspira, por suas próprias opções, em adiar, ad aeternum, o sonho.
Rebeca, na sua origem social, na estrutura familiar, nas limitações econômicas e sociais, na sua cor, nas dificuldades e problemas enfrentados, em tudo desenhava a perspectiva de mais uma mulher parte de um cenário de desigualdades e de um contingente de esquecidos pelo país.
Mas foram essas outras faces que transformaram o que estaria fadado à periferia da vida, num exemplo a ser agora conhecido, divulgado, imitado e fonte de inspiração. Em termos pessoais, na vida, mas também nas analogias empresariais, na sociedade, na política e no mundo dos negócios.
Quantos e tão relevantes ensinamentos a serem buscados na história dessa moça da periferia de Guarulhos, criada apenas pela mãe, que com dois empregos como empregada doméstica sustentava a casa, ela e mais seis irmãos. E que teve a visão de liberar e estimular a filha com apenas nove anos a se mudar para treinar e se desenvolver. E que agora, aos 22 anos, se tornou uma heroína no País, tão carente de exemplos positivos.
E quantas analogias podem ser feitas a partir da sua história de como jamais se deve abandonar o sonho, de como perseverar para conquistar aquilo em que se acredita, da importância de levantar e prosseguir mesmo quando tudo parece conspirar contra e de trabalhar de forma unida e integrada com sua equipe para que o melhor possa acontecer.
No caso da ginástica artística, com apenas noventa segundos para mostrar o trabalho de uma vida e no qual o menor deslize pode jogar por terra todo o sonho. Bem mais complexo que as realidades do mundo empresarial e dos negócios.
A face vencedora, segura e orgulhosa é a que vai para a posteridade e fica registrada nas fotos, nas redes sociais e na mídia. As outras faces todas, do trabalho intenso, da dedicação, do comprometimento, das perdas, da doação pessoal, do cansaço, do esforço, das frustrações, das derrotas, dos recomeços e da obstinação em ir buscar o sonho, são menos lembradas e consideradas. Mas, sem tudo isso, nada seria conquistado. Sem falar dos desígnios do acaso, que sempre insistem em se fazerem presentes.
Talvez fosse importante, como propomos aqui, que nos dedicássemos a valorizar mais a jornada do que a chegada para termos melhor visão do que é a realidade e, em especial, ajudássemos líderes e liderados, em todos os setores da vida, da atividade empresarial, da política e dos negócios, a evoluírem de forma mais positiva.
Em especial para as novas gerações que muitas vezes podem se sensibilizar demais com os resultados das “tacadas” financeiras, dos crescimentos exponenciais de negócios digitais, dos unicórnios de surpreendentes e rápidas valorizações, das jogadas que dão certo e criam milionários em curto espaço de tempo e cujo resultado, na maioria das vezes, é incensado, minimizando os dramas nos caminhos percorridos.
As muitas faces de Rebeca Andrade que contribuíram para torná-la uma vencedora devem servir para valorizar o que é real e precisa ser valorizado e nos estimular a um pensamento mais amplo sobre escolhas, visão, foco e determinação. Na vida, na atividade profissional, empresarial e nos negócios.
Como essa reflexão é importante neste momento em que emergimos da fase mais aguda dos dramas que tantas e tantos sofrem e sofreram por conta da crise gerada pela pandemia, com empregos, negócios, atividades, carreiras e trabalhos comprometidos pelas circunstâncias.
Reflexões que ficam para vida e para todas as idades. Obrigado, Rebeca.
Nota: Durante o Latam Retail Show virtual, de 14 a 16 de setembro, ocorrerá ampla discussão sobre as transformações que a realidade global e local vivenciam pós-pandemia e seus impactos nos negócios, no mercado, no consumo e no varejo potencializado pelas mudanças que ocorrem no cenário mais amplo que envolve a emergente Sociedade 5.0, macro tema do evento deste ano.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil