Aumenta a polarização no varejo brasileiro

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Os grandes ficaram maiores e os pequenos se multiplicaram. E as médias empresas foram as que mais foram afetadas. Talvez seja essa a síntese do processo que ocorreu como resultado do impacto da pandemia nos negócios do varejo brasileiro nesse período e que tenderá a se manter nos próximos anos.

Pelo acesso ao crédito, por sua estrutura e capacidade de investir, pela situação de essencialidade que as permitiu permanecerem abertas quando outras fechavam, pela condição de reação às mudanças de forma ágil e focada e pela velocidade com que promoveram a transformação digital em seus negócios, os maiores grupos varejistas brasileiros ficaram maiores no período da pandemia.

Foi isso que ficou demonstrado pelo aumento da concentração no varejo brasileiro no artigo aqui publicado há poucas semanas.

Isso ficará ainda mais claro nas próximas semanas com os fechamentos dos dados dos principais conglomerados e os dados gerais de desempenho dos setores de comércio e varejo do País. Mas já é possível antecipar essa direção a partir dos dados de desempenho individual e setorial divulgados.

De outro lado, as contingências e oportunidades precipitadas pela pandemia expandiram de forma marcante o outro polo. O dos pequenos negócios, ou dos indivíduos que se converteram em Microempreendedores Individuais (MEIs), buscando alternativa diante da redução estrutural do emprego por meio do lançamento de modelos de negócios integrando esses indivíduos às grandes organizações.

Ainda em recente encontro com alguns líderes do varejo de Pernambucanas, Via Varejo, Magalu e O Boticário, eles destacavam a estratégia implantada de conversão desses independentes em parceiros vinculados, operando diretamente na venda de produtos por meio de canais diretos apoiados em recursos digitais.

Seria uma reinvenção do canal de venda direta apoiado em tecnologia e digitalização, superando os problemas gerados pelo fechamento de lojas e se adaptando à nova realidade.

Esse processo de transferência de empregos tradicionais para novas alternativas tem características estruturais, precipitado pelas transformações tecnológica e digital que estimulam a evolução do microempreendedorismo individual.

Em 2019, 644 mil empregos formais foram gerados no País; em 2020, por conta da pandemia, foram gerados apenas 142,7 mil – esse número representa 22% do total do ano anterior.

Enquanto isso, o número de MEIs em 2019 foi de 1.577 mil e em 2020, acelerado pela consequências da pandemia no emprego e nos novos modelos de negócios, esse número cresceu para 1.886 mil, uma evolução de 19,5%.

Ou seja, em 2020, ano marcado pela pandemia, enquanto houve baixo aumento de emprego formal, houve significativo aumento do autoemprego, os MEIs.

Essa polarização, que tem características também estruturais, acelerou no período da pandemia, como mostram os números, e tenderá a se manter, e possivelmente aumentar, como resultado do alongamento do período previsto inicialmente para a duração e os efeitos da pandemia.

O lado positivo no processo é o desenvolvimento de alternativas integrando pequenos empreendedores individuais a organizações estruturadas, criando condições de equilibrar a tendência à redução do emprego formal tradicional com novas formas de relações de trabalho demandadas pela economia digital em rápida evolução.

Nesse cenário, são as empresas médias, de fato, as que mais têm sofrido, especialmente pela dificuldade de acesso ao crédito e de novos investimentos para que se estruturem no processo de transformação do mercado, o que acaba reduzindo sua participação e acelerando o processo de concentração e polarização.

Vamos assistir, nos próximos anos, a um aumento das alternativas e à participação de modelos integrados de indivíduos e pequenas empresas com maiores organizações na forma do modelo de venda direta reconfigurado, franquias, centrais de negócios, grupos voluntários e outras opções similares.

O lado saudável desse processo é o próprio mercado encontrando alternativas e soluções para enfrentar a transformação estrutural do emprego e isso precisa ser reconhecido como evolução positiva da realidade sem interferência direta do governo.

O lado negativo é que muito mais poderia ser feito, reduzindo o problema do desemprego gerado pela pandemia, se o acesso e a disponibilidade ao crédito fossem mais democráticos.

Mas é uma evolução positiva, sem dúvida, no meio de um cenário de desorganização setorial de mercado.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem
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