As novas relações entre marcas e seus colaboradores e consumidores estão entre as tendências que moldarão o futuro do consumo e do varejo. Para Karen Cavalcanti, sócia-fundadora da Mosaiclab, o paradoxo entre tecnologia, que foi acelerada na pandemia de covid-19, e o olhar humano foi um dos temas principais vistos na NRF Retail’s Big Show de 2023, um dos mais importantes eventos de varejo e consumo do planeta, realizado em janeiro em Nova York, nos Estados Unidos.
Os principais insights do evento foram debatidos no Interactive Retail Trends – Pós- NRF 2023, realizado em São Paulo nesta terça-feira, 31, pela Gouvêa Experience.
“A tecnologia foi a tábua de salvação na pandemia. Fez a gente conversar com amigos, família e com o trabalho. Mas, na pandemia, também vimos como somos frágeis e as marcas aceleraram o olhar para o humano”, diz.
Com isso, o poder de decisão e de escolha passa para as mãos do consumidor. Essa mudança fez surgir uma nova tendência: a do crowd empowerment, ou empoderamento de multidões, em que qualquer pessoa com um smartphone pode ser recompensada por suas contribuições e impulsionar iniciativas de pesquisa.
Como exemplo, Karen citou a plataforma da Lego, que permite que os consumidores façam sugestões de peças – algumas dessas sugestões acabam, até, virando produtos.
Retomada da loja física
Outra forte tendência é a retomada das lojas físicas ao centro das atenções com novas e ampliadas funções. De acordo com Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls, o desafio atual do varejo é estabelecer conexões com a Geração Z (nascidos entre 1990 e 2010), que cresceu com o digital, mas valoriza profundamente o físico. Além disso, o executivo aponta que o setor deve observar a Geração A (nascidos a partir de 2010), que usará o digital como ferramenta para descobertas e engajamento com o mundo físico.
Na esteira dos novos hábitos de consumo, as marcas estão se aproveitando da integração do físico com o digital para desenvolver espaços baseados no conceito de ”economia da dopamina”, visando capturar a atenção do cliente através de experiências em vez dos próprios produtos.
Marinho também cita o ”share of life” como tendência da NRF 2023. O conceito se baseia na importância que os estabelecimentos têm na vida dos consumidores. ”Ocupando os espaços com áreas de entretenimento, o cliente aproveita mais tempo do seu dia no local. Se ele está vivendo ali dentro, é provável que consuma mais serviços’’, explica, citando espaços como a Starbucks Reserve do Empire State Building, em Nova York, e o complexo de varejo e entretenimento American Dream, em Nova Jersey – ambos locais visitados pela delegação da Gouvêa Ecosystem para a NRF neste ano, na qual a Mercado&Consumo também embarcou.
‘OmniPDX’, a evolução do PDV
Em uma de duas duas palestras do dia, Eduardo Yamashita, COO da Gouvêa Ecosystem, reforçou o conceito de OmniPDX. “O PDV (ponto de venda) deixou de ser um lugar onde a oferta encontra a demanda. Tudo é ponto de contato com o consumidor agora. Então temos o OmniPDX, em que o ‘X’ representa tudo. Ele é um ponto de tudo”, revelou Yamashita.
O consumidor está no centro do OmniPDX e conta em sua volta com solução, operação e relacionamento. “Visitamos a Reddy by Petco, em Nova York. Uma loja do segmento de pets que criou um amplo ecossistema coloca o consumidor e o seu pet no centro de tudo. É uma tendência muito clara no OmniPDX”, lembrou Yamashita.
Outro ponto presente neste novo conceito é o propósito, com as marcas de varejo indo muito além do que apenas a venda. “Passamos pela Patagonia também, que hoje se posiciona como muito mais do que uma loja de roupas e casacos. Eles têm um ideal de não incentivar a compra de novos produtos. Por isso trabalham muito com o conceito de reparo dos seus próprios produtos. Antes de pensar em comprar outro, ou você arruma, ou você vende. E todas as ações da empresa buscam alcançar seu propósito”, afirmou Yamashita.
Como não poderia deixar de ser, o digital acaba englobando tudo quando se fala em OmniPDX. “As empresas que estão ganhando a competição são aquelas que entenderam o equilíbrio necessário entre físico e digital, com o digital invadindo o físico e o físico se misturando com o digital. A experiência permeando tudo isso”, revelou o COO da Gouvêa Ecosystem.
Fechando o conceito de OmniPDX, Eduardo Yamashita comentou sobre quatro pilares por trás de tudo: Data & Analytics, Conexão e Descoberta, Unified Commerce e Omni Fulfillment. “São pontos fundamentais neste novo modelo. É o uso da totalidade das forças visando a experiência do consumidor no centro de tudo.”
Scale as a Service
Yamashita também levou ao palco do Interactive Retail Trends o conceito do “Scale as a Service”, que consiste no ato de ganhar escala, no varejo, oferecendo serviços. “Há uma mudança estrutural em andamento, como vimos nas palestras e na área expositiva da NRF.”
Ele explicou que escala e capacidade de investimento eram antes uma barreira intransponível, em especial para pequeno e médio varejo. Mas isso começou a mudar à medida que os chamados ecossistemas de negócios começaram a entrar no jogo, como Alibaba, Amazon e, mais recentemente, o Walmart.
“Ecossistemas são uma forma de pensar e estruturar o negócio atraindo empresas complementares, e eventualmente até competidores, para esse esse novo modelo de negócio”, definiu.
Yamashita citou o exemplo do Walmart que, na NRF 2023, montou um imenso estande para divulgar o “Walmart Go Local”, um serviço de entrega white label disponibilizado para outros varejistas. Com ele, a gigante americana cria fluxos de receita alternativos.
A Amazon também percorre esse caminho, vendendo o modelo de loja 100% autônoma desenvolvido inicialmente para a Amazon Go. Hoje, a tecnologia é usada, entre outros varejistas, pela rede de conveniência Hudson nos Estados Unidos.
“Os grandes varejistas não serão mais varejistas. As operações vão continuar relevantes e servirão como um grande laboratório de desenvolvimento de soluções”, sentenciou. “Essa transformação está começando com a logística, mas deve haver uma expansão para vários serviços. Até agora ser bom no varejo significava ter escala ou estrutura. Se essa barreira cai, o que define o diferencial competitivo de uma empresa vai mudar.”
Reinvenção das lideranças
Já Cristina Souza, CEO da Gouvêa Foodservice, abordou no Interactive Retail Trends – Pós- NRF 2023 a reinvenção e os desafios das lideranças. Uma das características notadas foi a volta do “human centricity”, que consiste em colocar os funcionários e clientes no centro de tudo.
A flexibilidade foi outro tópico apontado como fundamental para manter os trabalhadores motivados e engajados. “É preciso ouvir o colaborador genuinamente e entregar a ele uma jornada melhor de trabalho”, destacou Cristina.
A executiva comentou que a realidade agora é marcada por três grandes preocupações, os chamados “3 C’s”, que dizem respeito ao clima, aos conflitos e à covid. Além deles, outro fator que se mantém como desafio é a alta inflação, que chegou a ser denominada, na feira, como “recessão contínua” por seu caráter sazonal.
Diante desse cenário de incertezas, inflação e conflitos, Cristina questionou o público presente se é necessário esperar o momento perfeito para aplicar a mudança. “O cenário e o momento perfeito nunca existirão. Mas sim a sua decisão perfeita como líder”, finalizou.
Aiana Freitas, Gabrielly Mendes, Gustavo Grohmann, Larissa Feria e Marcelo Audinino.
Imagens: Mercado&Consumo