Este é outro período do ano em que muitos fazem suas listas de desejos de Ano Novo, como se a mudança do calendário pudesse ter o dom mágico de converter desejos em realidade.
Por uma questão de tradição e reais desejos de mudança, também vão por aqui uma pequena lista de desejos, mescla de visões pessoais e algumas percepções do que poderia ser melhor para o Brasil, o mercado, o consumo e o varejo.
Como já pregava Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra e quem pensa com a unanimidade não precisa pensar. Não temos a menor pretensão de atingir um consenso nessa pequena lista de desejos, que fica apenas como registro pessoal de um momento particular num País ainda profundamente dividido.
1. Uma reforma tributária equilibrada, sem aumento da carga de impostos e que simplifique tudo o que existe nessa área
Esse desejo vai para a rúbrica de wishful thinking, pois avançar com uma reforma tributária antes que se faça a reforma administrativa num País sob a perspectiva de um Estado maior e mais interventor, como é conhecida a visão estatizante do governo que se inicia, é sonhar alto demais e quase inconsequente;
2. Uma melhor organização do setor privado para se tornar mais influente nos grandes temas nacionais
Ao longo do tempo e por concepção política, toda a estrutura de organização do setor empresarial, de forma premeditada ou não, foi desenvolvida para dividir e fragmentar. Separa quem produz, de quem distribui e de quem revende. E pouco se pensa na cadeia de valor dos diversos segmentos, em especial nos setores de consumo.
Os desafios atuais do Brasil, potencializados pelos problemas globais, deveriam impor uma revisão desse modelo, como ocorre no Japão com o Keidanren, fórum suprassetorial e regional que integra todo o pensamento do setor empresarial, com elevado poder de influência nas decisões políticas e econômicas.
Os problemas, as oportunidades, a condução dos grandes temas nacionais e, igualmente, as ameaças são sérios demais para se delegar ao Executivo, ao Judiciário e ao Legislativo, nas diversas esferas. E torna-se ainda mais necessária essa organização, considerando que dos 37 ministérios anunciados, nenhum terá um empresário como ministro;
3. Uma real, consciente e decisiva ênfase na redução da desigualdade social
Sem dúvida, uma das maiores dívidas da sociedade com os menos favorecidos é assunto que deve nos obrigar a reflexões e ações decisivas para minimizar esse quadro.
Mas não se reduz desigualdade sem gerar riqueza econômica. Não se equaciona esse dramático problema aumentando o tamanho do Estado e da máquina pública. E nem mantendo bolsas e auxílios pontuais que podem eternizar a dependência e a manutenção de um quadro de acomodação com a situação vivenciada.
É preciso visão, articulação e integração em todos os níveis da sociedade e dos governos, para a criação de programas de educação e estímulo ao desenvolvimento, que promovam mudanças estruturais e de longo prazo;
4. A educação como caminho da transformação
Uma sociedade e uma nação só evoluem, amadurecem e se desenvolvem de forma sustentável pela educação. Tão simples de enunciar e tão complexo de realizar.
Apesar de repetido por 10 entre 10 líderes empresariais e políticos, o tema tem merecido mais discursos do que mudanças, exceto pelas iniciativas do setor privado, que, através de diversas ações, tem avançado de forma consistente para minimizar o problema.
Toda simplificação é perigosa e nesse campo, mais ainda. As discussões que envolvem o tema têm avançado, mas, na prática, toda modernização e transformação relevante estrutural têm acontecido por decisivo apoio do setor privado. Seria o momento de repensar tudo isso e criar mecanismos que integrem essas visões para um salto quântico nessa frente. E os exemplos globais, como da Coréia do Sul, estão aí para estimular o repensar;
5. Reduzir a informalidade para ser um País mais justo
É sabido que a informalidade, em especial a tributária, corrompe e é profundamente injusta num País com a carga tributária do Brasil, pois permite que os que não pagam impostos concorram com aqueles que suportam o Estado.
Sem falar que pagar imposto no Brasil é um ônus dobrado, pois a burocracia envolvida, por si só, é um outro imposto, pelos custos operacionais envolvidos. E o quadro recente, com muitos produtos vindos do exterior sem pagar tributos, por incompetência da fiscalização e do controle, só agrava o problema. Temos a oportunidade nessa reforma tributária de promover um melhor nível de igualdade e justiça, mas talvez seja demais esperar que isso possa acontecer no curto prazo;
6. Ampliação da modernização trabalhista
Ao contrário do que já se insinuou, deveríamos avançar na modernização da legislação do trabalho, contemplando o cenário global e local que mudaram profundamente nos últimos anos, em especial, no período recente da pandemia.
A Gig Economy é uma realidade irreversível, pois retrata as transformações estrututurais nas relações de trabalho e deveria ser um dos pontos de partida de qualquer movimento envolvendo esse tema;
7. Valorizar a diversidade com consciência e bom senso
É inegável que a diversidade se torna cada vez mais relevante em todos os aspectos. A consciência sobre sua importância e a valorização devem ser celebradas e disseminadas.
Mas, como quase tudo na vida, bom senso e equilíbrio na sua promoção passam por respeito aos pensamentos diversos e pela busca de convívio saudável, respeitoso, que considere que a diversidade é indutora da criatividade, exatamente por poder somar, e não dividir, pensamentos e visões distintas;
8. Um projeto de Brasil com visão de longo prazo
É preciso resgatar a prática do pensamento estratégico e de longo prazo, por mais que a mudança e a volatilidade sejam as únicas constantes no cenário atual. Para isso, é preciso visão de longo prazo e entender o País como maior, em relação a todos os outros aspectos, muito além de qualquer visão política partidária.
É preciso somar, integrar, convergir e compartilhar reunindo a sociedade, os setores políticos, o setor público e, principalmente, o setor privado, que é aquele que suporta toda a estrutura do Estado através da geração de emprego, renda e o pagamento dos impostos.
Seguramente, existiriam muitos outros pontos a serem inseridos nesta lista pessoal de desejos, mas, além de torná-la mais extensa, ela se tornaria cada vez mais difícil de obter algum nível de concordância.
Fica o desejo maior de que tudo o que tem acontecido possa significar um processo evolutivo positivo para que possamos continuar nos desenvolvendo usando o potencial existente no País e no povo brasileiro.
Vale sempre acreditar e atuar para realizar.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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