O tamanho do problema

Em hipótese alguma, é possível minimizar o tamanho do problema econômico financeiro que o país vive e viverá nos próximos anos. Mas este é o menor dos nossos problemas.

Já passamos por inúmeras crises econômicas nos últimos cinquenta anos e o país continuou avançando, apoiado em características estruturais positivas que incluem solo, insolação, costa e recursos naturais tratados e aproveitados por um povo que sempre soube tirar o melhor do possível.

Mas, visão e planejamento de longo prazo nunca foram nosso ponto forte na forma de pensar e nos modelos de gestão aplicados ao país. Em raros momentos de nossa história, o país se concentrou em pensar o longo prazo de forma estruturada e sistêmica, combinando a visão do futuro com a realidade do presente e criando as pontes para ligar esses dois pontos.

A visão do curto e médio prazo sempre predominou e pode ser uma herança maldita, entre tantas benditas, das características combinadas do período colonial mesclado com o fluxo migratório que marcou a formação de nossa cultura e forma de pensar. Sempre houve entre nós esse pacto controverso com o presente e o curto prazo dentro da máxima conveniente de que o futuro a Deus pertence”.”

Desenvolvemos no Brasil uma capacidade virtuosa de combinar flexibilidade com agilidade, para enfrentar os problemas e desafios, testada e aprovada à exaustão durante o período hiperinflacionário e sempre nos saímos razoavelmente bem. Essas competências, usadas de forma intensa no setor privado, têm contribuído para o crescimento e expansão dos negócios, particularmente no varejo, a despeito dos cenários adversos.

E agora não será diferente. Ao menos no campo econômico.

O setor privado vai apertar o cinto, conviver com juros mais alto, pagar mais impostos, enfrentar mais  burocracia, regulamentações e normas que atravancam os negócios e geram perda de tempo e recursos, vai se adaptar ao novo cenário e, em alguns anos, poderá voltar a crescer.

Enquanto isso, no setor público novos empregos serão criados, correções “inadiáveis” de salários serão feitas, a qualidade e eficiência dos serviços públicos continuará a cair, a segurança será ainda mais frágil, saúde e educação continuarão o descalabro que são e as empresas públicas ou controladas pelo governo permanecerão sangrando o país pela falta de coragem e competência para enfrentar os problemas que teimam em crescer.

E a população, incluindo suas lideranças civis, cordata, obediente e comprometida com sua própria sobrevivência, continuará fazendo sua parte para levar a vida adiante. Mesmo que seja essa vida.

Esse torpor que nos faz assistir inertes e pasmos o que tem acontecido no Brasil em termos de valores, ética e respeito à cidadania é o verdadeiro problema. Não o econômico de curto ou médio prazo. Este tiramos de letra.

O que não conseguimos reverter é essa escalada de insanidade que temos assistido no país no que se refere à gestão da coisa pública. Este é o verdadeiro problema para o qual não temos uma proposta, nem no curto e muito menos, no longo prazo.

Historicamente estamos vivendo o período, talvez o mais importante, de nossa história como Nação. Somos beneficiados pelo bônus demográfico e por uma combinação de fatores locais e globais que poderiam contribuir para um salto econômico, social e político, uma mudança estrutural de patamar, com viveram outros países, houvesse um mínimo de visão e planejamento de longo prazo que pudessem estruturar esses ativos capitalizando-os para essa transformação.

Mas o que temos assistido, muito pelo contrário, é uma involução em quase todos os aspectos, profundamente preocupante pois, mais e mais, nos damos conta de como parcelas importantes e relevantes do setor privado estão também contaminadas pela mentalidade dominante em boa parte do setor público em esgotar todas as formas possíveis de aumentar a captação de recursos, via impostos, contribuições e taxas, e devolver o mínimo possível, no limite do que possa conter uma explosão ou revolta social, contando sempre com inércia e torpor da população.

A deterioração dos conceitos de cidadania, ética e valores é o verdadeiro problema e neste momento estamos apenas aprofundando ainda mais suas consequências. E, infelizmente, não é de momento. É histórico, estrutural e cultural. E, como Nação, não vemos nenhuma proposta ou visão de como sairemos de forma ordenada dessa situação.

Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza.

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