Nostalgia do varejo: grandes empresas que alcançaram o sucesso, mas não sobreviveram

Redes como Jumbo Eletro, Daslu e Saraiva não resistiram às adversidades e chegaram ao fim

São vários os motivos que fazem uma marca se tornar um sucesso em seu setor, como boa administração, fidelização dos clientes ou oferta de experiências memoráveis aos frequentadores. No entanto, nem sempre essas empresas conseguem se manter relevantes ao longo do tempo, diante de mudanças econômicas e comportamentais dos consumidores. No Brasil, gigantes de mercado chegaram à extinção, como a rede de hipermercados Jumbo Eletro, que foi um sucesso nos anos 1980, a Daslu, considerada o templo do luxo, e a Livraria Saraiva, que fechou suas unidades físicas pelo País.

Os fatores que influenciam o fim de uma marca são diversos, indo desde o momento econômico até a falta de inovação por parte da própria companhia. De acordo com Eduardo Yamashita, COO da Gouvêa Ecosystem, talvez os mais relevantes deles sejam as mudanças estruturais no ambiente de negócios ou no comportamento do consumidor em um determinado segmento.

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Jumbo Eletro – Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Yamashita destaca as lojas de departamento como um dos segmentos que sofreram com os impactos dessas mudanças. A americana Sears é um exemplo: a empresa chegou ao Brasil em 1949 e anunciou sua saída nos anos 1990.

Fundada em 1888, a Sears já foi considerada a maior do mundo, mas entrou em crise em 1991, após ser superada pelo Walmart como a maior rede de varejo. Em 2004, foi vendida para a Kmart e, 2018, anunciou falência, quando ainda operava com 700 lojas.

Relembrando outros casos

Conhecida como Lobras, as Lojas Brasileiras tiveram o mesmo destino da Sears. A rede de lojas de departamentos, criada para concorrer com a Americanas, encerrou suas atividades em 1999 devido à alta concorrência e a problemas financeiros.

A varejista chegou a empregar cerca de 6 mil trabalhadores, e suas 63 lojas estavam espalhadas por 20 Estados brasileiros. O controle da rede foi passado em 1982 para a família Goldfarb, proprietária das Lojas Marisa – que atualmente também enfrenta uma crise financeira e entrou com pedido de recuperação judicial em 2023.

Lojas Brasileiras (Lobras) – Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Outro sucesso do varejo que não conseguiu se manter foi a Mesbla, que anunciou falência em 1999. Em seu auge, na década de 1980, a rede de lojas de departamentos empregava mais de 28 mil pessoas em suas 180 lojas pelo País.

No estudo “Análise de empresas brasileiras extintas ou que sofreram mudanças societárias profundas”, o Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar) aponta que o fim da Mesbla se deu devido à expansão mal planejada e ao endividamento, que chegou à marca de R$ 1 bilhão. O estudo sobre a vitalidade do varejo foi realizado com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Utilizando recursos de Inteligência Artificial, o instituto monitorou empresas abertas e fechadas por segmentos a cada ano.

Mesbla – Imagem: Reprodução/Redes Sociais

O Ibevar também aponta que, de um modo geral, a falta de adaptação às mudanças foi a maior causa de fechamento ou transformação das empresas brasileiras, representando 17,74% dos casos.  Problemas financeiros aparecem logo em seguida, com 16,13%, além da concorrência, com 12,90%.

“Se tomarmos como referência 1994, data da edição do Plano Real, até o presente momento, identificamos o fechamento de 38 grandes e prestigiadas empresas. Desse total, 15 estão no segmento de varejo, ou seja, quase 40% das empresas que fecharam ou passaram por mudanças societárias amplas. Dez dessas empresas passaram por esse processo em razão de problemas financeiros e 11 foram vendidas ou absorvidas”, explica Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Ibevar.

Nos anos 1980, o Mappin, fundado em 1913, alcançou grande sucesso no varejo brasileiro. Com sede em São Paulo, a rede foi pioneira ao trazer vitrines de vidro, transformando a maneira como os consumidores se relacionavam com o espaço da loja.

No entanto, já na década de 1990, dificuldades começaram a surgir como resultado de problemas de gestão, aumento das dívidas e uma concorrência cada vez mais acirrada, conforme aponta o estudo do Ibevar. O processo de falência foi iniciado em 1999 e, em 2010, a varejista foi arrematada pela Marabraz em um leilão. Atualmente, o Mappin atua apenas como e-commerce.

Mappin – Imagem: Reprodução

Criada em 1927 pelo alemão Otto Meyer, a Viação Aérea Rio-Grandense (Varig) foi referência mundial no setor de aviação. Contudo, nos anos 1990, a empresa começou a enfrentar desafios financeiros devido ao endividamento gerado pela compra de novas aeronaves. Em 2005, a companhia pediu recuperação judicial, somando uma dívida de R$ 5,7 bilhões.

Em 2006, iniciou-se o processo de demissões, afetando mais de 5 mil funcionários. No mesmo ano, a Varig foi dividida em duas empresas e parte dela foi comprada pela Volo Brasil, sendo adquirida em seguida pela Gol. Em março deste ano, a União e a Varig chegaram a um acordo que viabiliza o pagamento de dívidas trabalhistas, beneficiando cerca de 15 mil ex-funcionários.

Varig – Imagem: Reprodução

Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls, pontua que Mappin e Varig foram empresas que entraram na cultura popular e fizeram parte da vida do consumidor brasileiro. Ele relembra que as campanhas publicitárias eram “cantadas e repetidas pelas pessoas”.

“Ambas as empresas foram vítimas de problemas de gestão, falta de atualização e falta de visão de futuro”, completa o executivo.

A Arapuã, nascida na cidade de Lins, interior paulista, conquistou sucesso em todo o Brasil entre as décadas de 1980 e 1990, chegando a ter 265 lojas pelo País, e concorria com o Magazine Luiza. A empresa investiu em estratégias como o crediário, que facilitava o parcelamento das compras, e expandiu seu portfólio para atrair mais clientes.

Segundo o Ibevar, o crescimento acelerado e o endividamento foram os principais fatores da crise que atingiu a Arapuã. A varejista declarou falência duas vezes, uma em 2002 e outra em 2020, encerrando sua história no mercado.

Avanço do digital

A internet está presente em quase todos os lugares e, acompanhando essa evolução, as empresas buscam se digitalizar. Aquelas que não se adequam a essas mudanças podem acabar ficando para trás. Um exemplo disso são as videolocadoras, que hoje causam nostalgia e eram um grande sucesso até a chegada do streaming, popularizado principalmente pela Netflix, que, com seu grande sucesso, influenciou a criação de diversas outras plataformas.

O maior exemplar desse segmento talvez seja a gigante Blockbuster, que dominou o negócio de locação de filmes. A marca chegou a ter mais de 4.800 lojas nos Estados Unidos e, no Brasil, alcançou a marca de 127 unidades.

Outro exemplo é o das livrarias, afetadas pela popularização dos livros digitais, acessíveis por smartphones e dispositivos como o Kindle. Dentro desse segmento, temos a já mencionada Saraiva, que, em 2023, fechou todas as suas unidades e anunciou autofalência. A empresa, inclusive, adquiriu a rede de livrarias Siciliano em 2008 e tornou-se a maior do segmento.

“O varejo digital mudou e continuará transformando a forma como que o consumidor se informa, interage, busca, se relacionar compra. O crescimento desse canal foi a principal transformação de diversos segmentos de consumo na última década”, acrescenta Yamashita.

Setores mais impactados

O estudo do Ibevar analisou empresas a partir de 1994 e, de acordo com ele, o setor de varejo apresentou o maior número de empresas que foram fechadas ou passaram por transformações, com um total de 15 (39,47%). Os setores bancário e de alimentos e bebidas aparecem, ambos, em segunda posição, com 6 (15,79%) empresas cada.

Imagem: Reprodução

Na análise dos períodos com a maior taxa, o estudo apontou que 1990-1999 lidera, com 16 empresas. O período entre 2011 e 2023 aparece logo em seguida, com 12. Já nos anos 2002-2010, 9 empresas que foram fechadas ou passaram por transformações. “O Plano Real redefiniu o papel da competição e muitas empresas não conseguiram se adaptar”, conta o presidente do Ibevar. 

Aumento nos pedidos de recuperação judicial

De acordo com dados do Indicador de Falências e Recuperação Judicial da Serasa Experian, apenas em janeiro deste ano foram realizados 149 pedidos de recuperação judicial no País, o que representa uma alta de 62% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Em relação a dezembro de 2023, o aumento foi de 46,1%.

As micro e pequenas empresas representam a maior parte dos requerimentos do período, com 99 pedidos de recuperação judicial, seguidas pelas médias (32) e grandes companhias (18).

Já os pedidos de falências registram uma queda de 4,2%, passando de 72 pedidos em janeiro de 2023 para 69 em janeiro de 2024. Em relação a dezembro de 2023 (48 requisições), o aumento foi de 43,8%.

Imagens: Reprodução/Youtube

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