Em meio a crises seguidas, precisamos mais que nunca de um oásis

Em meio à crises seguidas, precisamos mais que nunca de um oásis

O ano é 2044 e a Terra não é mais a mesma. Fome, guerras e desemprego empurraram a humanidade para o caos. Para escapar da realidade, as pessoas passam horas conectadas ao OASIS, um mundo virtual onde podem ser o que quiserem, encontrar outras pessoas e viver momentos felizes. Este é o cenário do livro “Jogador Número 1”, de Ernest Cline, publicado em 2011. Sete anos depois, a história virou filme, com direção de Steven Spielberg.

Inevitável lembrar dessa história em meio a tantas notícias ruins. A tragédia do Rio Grande do Sul, provocada pela crise climática, não é um episódio isolado. No Quênia, pelo menos 188 pessoas morreram desde março em função das enchentes. Na Tanzânia, inundações e deslizamentos mataram mais de 150 pessoas nos últimos dias. Na semana passada, parte da população do Texas foi obrigada a deixar suas casas por causa das fortes chuvas.

Não são poucos os que acreditam que esse será o novo normal. Como consequência dos estragos que produzimos no meio ambiente, precisaremos conviver frequentemente com desastres naturais mais devastadores.

Os problemas não se restringem ao clima. Guerras, violência, insegurança alimentar, intolerância, dívidas, desemprego, receio pela chegada de novas epidemias. A lista é interminável. E as crises parecem se suceder, sem trégua. Não é à toa que o neologismo “permacrise” foi eleito como a palavra do ano pelos britânicos do Dicionário Collins, em 2022. O verbete fala em “um período prolongado de instabilidade e insegurança”.

Assim como os personagens do “Jogador Número 1”, necessitamos mais do que nunca de lugares onde seja possível deixar preocupações e incertezas do lado de fora. Queremos frequentar oásis seguros para nos conectarmos com outras pessoas, despertar nossos sentidos, buscar inspiração e encontrarmos um pouco de alegria.

Aliás, falando sobre alegria, outro dia assisti a um TED Talk inspirador sobre o tema. Nele, a designer Ingrid Fetell Lee relatava a experiência que teve ao apresentar, para uma banca de professores, seu trabalho de conclusão do primeiro ano do curso de design.

Um dos avaliadores comentou que o trabalho dela transmitia uma sensação de alegria, o que levou Ingrid a se perguntar como as coisas poderiam produzir esse sentimento. Responder essa questão passou a ser o propósito de sua vida.

A conexão entre o trabalho de Ingrid e os novos desafios dos shoppings é total. Da mesma maneira, devemos refletir como ambientes, eventos e ações podem aumentar o nível de alegria das pessoas que frequentam shopping centers. O que é especialmente importante nesses tempos em que estamos sufocados de angústia pelas tragédias que envolvem tantas pessoas ao redor do mundo.

Ingrid estabelece, em sua apresentação, uma diferença importante entre alegria e felicidade. Para ela, quando os psicólogos usam a palavra alegria, querem traduzir uma experiência intensa e momentânea de emoção positiva, que nos leva a sorrir e rir e sentir vontade de pular. É diferente de felicidade, que mede o quão bem nos sentimos ao longo do tempo.

Pensando dessa forma, uma contribuição relevante que os shoppings podem oferecer é gerar situações em que adultos, jovens e crianças sintam vontade de rir, sorrir ou pular de alegria.

Quer um exemplo? Se alegria é se sentir bem em um momento específico, isso pode acontecer em um quiosque de milkshakes, uma loja de sapatos, no cinema, em uma piscina de bolinhas ou até mesmo no meio do mall.

Ingrid pesquisou, ainda, a relação entre cores, formas e sentimentos de alegria. Ela descobriu que há fatores que são, universalmente, promotores de alegria. “Se você pensar bem”, disse ela, “todos nós paramos e viramos a cabeça para o céu quando um arco-íris multicolorido aparece. E tem os fogos de artifício. Nem precisamos saber qual o motivo, e logo sentimos que também estamos comemorando. Essas coisas não são alegres apenas para algumas pessoas, elas trazem alegria para quase todos”.

Para Ingrid, promover alegria pode ser um propósito bem relevante: “O mundo, fortemente dividido e politicamente polarizado em que vivemos, tem, por vezes, o efeito de fazer com que as nossas diferenças pareçam tão vastas, que se tornam intransponíveis. E, no entanto, por trás de tudo, há uma parte de cada um de nós que encontra alegria nas mesmas coisas”.

Durante suas investigações, Ingrid Fetell descobriu padrões que geravam alegria: coisas redondas, objetos com cores vivas, formas simétricas, a sensação de abundância e multiplicidade. Confesso que ao ouvir isso só pensei no êxito surpreendente das piscinas de bolinhas gigantes, com suas abundantes bolas coloridas e redondas. Esse pode ser um bom caminho de inspiração para pensar em eventos ou sugestões de vitrines de lojas.

A sensação de alegria não seria completa sem a ideia do conforto, do clima controlado, da bolha intencional de bem-estar que os shoppings oferecem.

O escapismo não é necessariamente alienante. Muitas vezes ele pode ser terapêutico. Shoppings devem ser um oásis de segurança e alegria.

Resumindo: para seguir atraindo frequentadores e consumidores, os shoppings devem aprofundar estudos que vão orientar a construção da ideia de um oásis urbano, provocador de ocasiões alegres, capazes de nos fazer esquecer, mesmo que por alguns instantes, das crises que nos assombram no mundo lá fora.

Mãos à obra.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da MERCADO&CONSUMO.
Imagem: Shutterstock

 

Sair da versão mobile