O macrorredesenho do varejo num futuro mais imediato

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Estamos vivenciando um relevante processo de transformação estrutural do varejo, que vai muito além do reposicionamento de canais, marcas, formatos e conceitos e que envolve uma ampla mudança nas participações dos principais agentes no negócio de varejo.

O varejo significa o último elo da cadeia que faz chegar produtos, serviços e soluções ao consumidor final. E como tal, ele está mais vivo, dinâmico e competitivo do que nunca pela multipilicação de alternativas e possibilidades e pelo crescente nível de expectativas do omniconsumidor.

Porém, o papel e as participações dos agentes, incluindo fornecedores de produtos e serviços e os diferentes canais, formatos e negócios, e sua participação nesse processo, estão mudando de forma marcante.

Vale lembrar que no começo eram os fabricantes que produziam e vendiam seus produtos. Posteriormente, desenvolveram-se alternativas que distribuíam o que era produzido sob as mais diversas possibilidades de formatos, canais e modelos de negócios.

E à medida que o mercado se tornava mais competitivo e se ampliavam as possibilidades, processo que empoderava o próprio consumidor pelo efeito da tecnologia e do digital, mais alternativas se desenvolviam multiplicando essas possibilidades.

Esse processo trouxe também um inevitável aumento da competitividade, pela multiplicação de jogadores e modelos de negócio, e o varejo passou a desenvolver e operar marcas próprias, processo em que, em alguns mercados e segmentos, como o de moda, tornou-se dominante. Vide os exemplos de Zara, H&M, Uniqlo, Primark, entre outros.

Nos negócios envolvendo o setor de alimentação, a participação das marcas próprias tornou-se massiva nos mercados mais desenvolvido, em especial nos segmentos ligados a valor, como em Aldi, Lidl, Netto e Costco, porém, avançando também em outros segmentos tradicionais, como os de artigos esportivos, medicamentos, material para construção, calçados e muito mais. Algumas áreas ficaram um pouco mais preservadas, como a de produtos ligados a eletrônicos, informática e tecnologia.

Ao mesmo tempo, a crescente participação dos serviços no PIB dos países e nos dispêndios das famílias gerou oportunidades, quase necessidade, de integrar produtos com serviços, criando soluções para consumidores demandantes de maior conveniência e facilidade em tudo.

Talvez o exemplo mais representativo seja o do foodservice – conceito genérico que representa a alimentação preparada fora do lar – e sua participação nas despesas com alimentos. No mercado norte- americano representa perto de 50% do total. No Brasil evoluiu de 24% há 20 anos para os atuais 34%, com irreversível tendência de crescimento pela combinação virtuosa do aumento da demanda e do crescimento e diversificação da oferta.

E o varejo também começou a se organizar para isso, tanto na combinação com outras frentes, como a instalação e o treinamento de produtos, atividades financeiras ou mesmo a mudança do modelo de atuação, como é marcante no caso dos alimentos em redes como Whole Foods e Wegmans, nos Estados Unidos; a Coop, na Itália; Tesco, na Inglaterra; Rewe, na Alemanha, e muitos mais pelo mundo.

No Brasil, na área de alimentos, esse processo ainda está incipiente, mas tenderá, de forma inevitável, a aumentar.

Mas a principal transformação estrutural que se desenha é o avanço dos fornecedores de produtos, serviços e marcas para ampliar sua conexão direta com os consumidores finais, desintermediando a distribuição e criando ecossistemas de negócios mais amplos em sua atuação.

Os modelos inspiradores são oriundos do universo da tecnologia, como a Amazon no mundo ocidental e Tencent, Alibaba, JD e Didi, na China, só para mostrar os mais importantes exemplos.

No âmbito global das marcas, temos os exemplos como Apple, Nike, Adidas, Samsung, Xiaomi, Ralph Lauren, Nestlé/Nespresso, P&G, Unilever e muitas mais.

E no caso brasileiro, os exemplos passam por Swift, da JBS, com mais de 400 lojas, e a Ambev e sua atuação em pontos de consumo e conceitos que foram estruturados com canais próprios e diretos de distribuição, em particular no mundo das franquias, transformando o Brasil num benchmarking global, com Boticário, Cacau Show e outras mais.

E surgem novos jogadores nesse campo, com grupos como Vivo e Porto Seguro, que se redefinem como ecossistemas de negócios e avançam para incorporar mais produtos, serviços, soluções e conexões com o consumidor final, gerando uma nova frente na disputa do mercado com o varejo. Sem falar na iminente perspectiva de que conglomerados do setor financeiro também possam avançar por esse caminho.

No processo natural de incorporação do digital e crescimento de sua participação como canal de venda, relacionamento, comunicação e promoção abrem-se novas oportunidades pelos marketplaces, operados pelo varejo tradicional, ou novos jogadores, pure players, reconfigurando todo o cenário e precipitando um repensar estratégico de todo esse processo transformacional.

E não pode ser esquecido o forte impacto que o cross border – venda de produtos diretamente ao consumidor final a partir de um outro país – traz para o redesenho de cada mercado. A realidade de uma Shein, Alibaba e outras no mercado brasileiro é uma prova evidente dessa perspectiva.

Essa realidade em transformação está sendo acelerada exatamente pelo aumento das alternativas digitais e pelo crescimento do consumo não loja – formato mais tradicional do varejo – e isso explica todas as mudanças que temos vivido na geografia do potencial de consumo, redesenhando cidades, regiões, bairros e vizinhanças e a reconfiguração do próprio cenário do varejo de forma mais ampla no mundo e no Brasil.

Vale a pena considerar.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
Imagens: Shutterstock

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