Qual o papel dos shoppings no varejo do futuro?

Qual o papel dos shoppings no varejo do futuro?

Outro dia, depois de ler uma matéria publicada na imprensa, que batia na tecla de que os shopping centers não são apenas centros de compra, mas também locais para viver experiências, um amigo me perguntou: “Marinho, há 10 anos você conduziu um projeto de Arquitetura de Experiências com a gente. Hoje, podemos considerar que o conceito da ‘experiência’ está estabelecido como diretriz para os shoppings. Qual tema ou direcionador de hoje você acredita que será conceito daqui 5 a 10 anos?”.

Adorei a provocação. Pensar no futuro e traçar rotas para chegar até lá é uma das minhas atividades favoritas. Em especial nesta semana, quando estou inspirado pelas conferências do SXSW (South by Southwest), grande festival de inovação que acontece em Austin, Texas.

Lá no SXSW, a futurista Amy Webb avisou de cara: “O futuro vai chegar, independente do quão desconfortável você se sinta a respeito disso”. Em outras palavras, torcer o nariz, bater o pé e negar-se a enfrentar as mudanças não vai adiantar.

Dito isto, vamos ao ponto central para entender o futuro papel dos shoppings: como você imagina que as pessoas farão compras daqui a 10 anos?

Repetir que o digital responderá por uma parcela importante desses gastos é chover no molhado. Novas demandas e comportamentos, turbinados pela tecnologia, vão acelerar um processo que já está em curso. O resultado é fácil de entender: o consumidor é o canal. Ele comprará onde quiser, quando quiser, como preferir.

Necessidades vs Desejos

Nossa aposta é que haverá, basicamente, locais destinados a atender necessidades e os vocacionados para satisfazer os desejos dos consumidores. Antes de prosseguir, vale um alerta: quando falamos de necessidades, nos referimos a compras para abastecimento, reposição ou para solucionar alguma questão objetiva. O consumo do desejo é movido pelo sentimento, por uma precisão emocional.

Shoppings serão o paraíso do consumo movido por desejos. Esse movimento já começou, o que pode ser comprovado pelo aumento significativo no mix de lojas de segmentos como entretenimento, gastronomia e serviços relacionados a cuidados pessoais e bem-estar.

Algumas das principais redes de shopping centers já perceberam a importância de monitorar os novos desejos dos clientes para adequar não só a mescla de lojas, como também a arquitetura e as estratégias de marketing.

A crise de identidade das lojas físicas

Em paralelo ao surgimento de novos desejos, aspirações e necessidades emocionais na sociedade, outro fenômeno obriga o shopping center a se reinventar: a transformação que afeta as lojas físicas.

Recente matéria publicada pelo Wall Street Journal listou mazelas que afligem as lojas mundo afora. Apesar de ainda serem o canal de compra preferido de 75% dos consumidores globais, segundo pesquisa feita ano passado pela IBM com 20 mil pessoas, em 26 países, as queixas são muitas. A começar pela dificuldade de encontrar os produtos que os clientes procuram.

Estudo conduzido pela AlixPartners, empresa norte-americana de consultoria, analisou o estoque de 30 lojas de moda feminina e concluiu que, na média, apenas 9% dos itens disponibilizados pelas marcas no e-commerce são oferecidos nas lojas físicas. Quem puxa a média para baixo são as lojas de departamento e as de desconto. No varejo especializado (marcas mais comuns nos shoppings), o percentual sobe para 33%, ainda assim, um índice baixo.

É comum essas marcas trabalharem com a prateleira infinita, ou seja, os vendedores sugerem aos clientes que recebam em casa mercadorias não encontradas na loja. Apesar de ser um paliativo, a solução causa insatisfação. Afinal, se os consumidores se deslocaram até a loja, é porque preferem ver, provar, interagir com os produtos.

Contar com um sortimento tão diverso quanto o do e-commerce é praticamente impossível, tanto para varejistas norte-americanos quanto brasileiros. A comparação entre os estoques das lojas digitais e físicas, entretanto, é inevitável, à medida que mais pessoas se acostumam a pesquisar produtos e preços antes de sair às compras. Resolver essa equação é tarefa complicada.

Equipes de loja: problema ou oportunidade?

Há outro ponto sensível afetando a experiência dos clientes em lojas físicas: a qualidade do atendimento.

Lee Peterson, em sua apresentação na NRF 2025, compartilhou dados que mostram o declínio na qualidade do serviço no varejo dos Estados Unidos. Esse é mais um pepino. As pessoas, em geral, com destaque para as novas gerações, mostram desinteresse pelo emprego em lojas, seja pela dinâmica do trabalho, carga horária, remuneração ou por buscarem desafios diferentes. O cenário nacional não é muito diferente.

Ao mesmo tempo, existe uma gigantesca oportunidade a ser explorada, que é estimular relacionamentos e conexões entre clientes e equipes de loja. Consumidores estão sinalizando fortemente que valorizam uma boa interação humana no varejo, em oposição ao atendimento automatizado e digital.

Para que isso se viabilize, porém, é necessária uma mudança de mentalidade, treinamento e até um novo sistema de remuneração. Afinal, hoje, os empregados de uma loja são comissionados basicamente por vendas realizadas, e sua avaliação raramente considera a satisfação dos clientes ou a cooperação com os colegas.

Loja física: de protagonista a coadjuvante

Lojas físicas hoje possuem novas e ampliadas funções, e vender produtos ou serviços é apenas uma delas. Em algum momento, isso provavelmente provocará uma revisão na relação entre varejistas e suas equipes. E com os shoppings.

Há séculos, as lojas são protagonistas no negócio varejista. O conceito de shopping center foi construído ao redor dessa ideia. A visão de futuro, porém, aponta para uma outra realidade. Lojas seguirão desempenhando papel importante no composto do varejo. Entretanto, os consumidores terão à disposição uma enorme gama de canais para atender suas necessidades.

Os principais varejistas começaram a acumular uma quantidade imensa de dados sobre os hábitos de seus clientes, o que permitirá não apenas atender melhor essas pessoas, de maneira personalizada, como antecipar suas necessidades, com recursos avançados de Inteligência Artificial (IA). Isso pode acontecer de múltiplas maneiras, em qualquer hora e lugar.

Ao mesmo tempo, pequenos varejistas enfrentam dificuldades imensas para competir com os mais estruturados. A distância entre eles, infelizmente, tende a ampliar-se. Provavelmente, se nada for feito, o percentual de grandes marcas no mix de lojas de um shopping brasileiro será bem maior nos próximos anos.

Um novo modelo de negócio para os shopping centers

Diante desse cenário, faz sentido que os shopping centers abracem o conceito de destino de entretenimento, socialização, conveniência, descobertas e até compras. Essas são as tais “experiências” que desenvolvemos há mais de 10 anos para aquele amigo meu.

O modelo de negócio, no entanto, também precisa evoluir. Hoje, as receitas dos shoppings estão concentradas no imobiliário. Em 2024, 74% dos ingressos vieram de aluguel de lojas e cessão de direitos, de acordo com relatório da associação que representa o setor. Se é verdade que as pessoas estão comprando coisas diferentes, de maneiras distintas, e que a tecnologia vai ampliar ainda mais o leque de opções dos consumidores, esse cenário não se sustentará no longo prazo.

A transformação do varejo levará os shopping centers a repensarem seus negócios. A solução, no entanto, pode ser bem simples: basta entender que o principal ativo dos shoppings está deixando de ser o espaço que alugam e tornando-se a base de clientes que possuem.

Reinvenção baseada em dados

Na semana passada, a revista digital Strategy+Business publicou uma interessante entrevista com Stephan Gans, Chief of Consumer Insights da PepsiCo. Olha só o que ele disse (em tradução livre): “A vantagem competitiva [das marcas] não reside na escala física, como no passado. Hoje, ela pertence a quem possuir mais dados e souber usá-los para compreender melhor o consumidor e tomar melhores decisões.”

Concordo inteiramente. E digo mais: o conhecimento gerado pelos dados pode ser a base da evolução do modelo de negócio de diferentes empresas, incluindo os shoppings.

Durante sua palestra, na última terça-feira, 11, no SXSW, o consultor americano Ian Beacraft alertou que, em tempos de IA, o conhecimento geral perde valor, já que o acesso a ele fica mais fácil. Em compensação, o conhecimento proprietário passa a valer muito mais.

Pense em todo o conhecimento sobre seus frequentadores que um shopping é capaz de acumular, e como ele pode ser trabalhado para produzir melhores experiências para os clientes e mais resultados para lojistas e anunciantes. Pois é, essa será a base da reinvenção dos shoppings.

Qual tema atual será consenso no futuro?

Lembra da pergunta do meu amigo? Qual tema ou direcionador de hoje será conceito daqui 5 a 10 anos?

Acredito que esse tema, sem sombra de dúvida, é a construção e monetização de uma base de clientes identificada. Muitos shoppings incluíram na agenda deste ano programas de fidelidade e CRM, mas ainda são poucas as empresas que têm investido forte e pavimentado a utilização deste conhecimento para gerar negócios a partir de uma plataforma de soluções para frequentadores, lojistas e anunciantes.

Em 10 anos, olharemos para trás e veremos que essa evolução virou padrão. Quem viver, verá.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock

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