A Multiplan sempre foi conhecida por realizar grandes eventos em seus shoppings. Na década de 1980, chegou a hospedar uma partida da Copa Davis de tênis e trouxe os Golfinhos de Miami ao Brasil. Nos anos 1990, levou os shows da Disney e os desfiles de moda para o BarraShopping (eu era o gerente de marketing do Barra nessa época). O MorumbiFashion foi o precursor do SPFW e ingressos para o Cirque du Soleil já foram prêmio da promoção de Natal.
Poderia mencionar pelo menos mais uma dúzia de realizações marcantes dos shoppings do trevo verde. A lista é interminável. A diferença para os dias atuais está na quantidade. Em 2023, ocorreram precisamente 1.071 eventos na Multiplan. Para efeito de comparação, no ano anterior eles não passaram de 700.
A Multiplan não está surfando essa onda sozinha. Muitas redes e shoppings independentes já se deram conta de que precisam multiplicar o número de eventos diferenciados para chamar de volta os antigos frequentadores.
Queda no fluxo de frequentadores
A verdade é que o fluxo nos shoppings ainda não voltou aos patamares de antes da pandemia. Dados do Censo 2023/2024, compilados pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), revelam que, em 2023 houve, na média, 462 milhões de visitas mensais aos centros comerciais brasileiros. Em 2019, esse índice era de 502 milhões. Isso sinaliza uma queda de 8% no tráfego de clientes.
O que houve? As pessoas deixaram de gostar dos shoppings?
Pouco provável. Pesquisas recentes sugerem que os shoppings não perderam os clientes. Essas pessoas apenas deixaram de ir com a mesma frequência.
Vamos aos dados: ano passado, 44% dos entrevistados pela pesquisa “O comportamento dos frequentadores de shopping centers”, patrocinada pela Abrasce, declararam visitar um shopping pelo menos uma vez por semana. Em 2016, os clientes que batiam ponto semanalmente representavam 63% do total.
Trazendo os clientes de volta
Independente dos motivos que levaram as pessoas a ir menos aos shoppings, atrair fluxo qualificado passou a ser um dos principais desafios do setor. Cumprir essa missão, porém, não é tarefa exclusiva da turma do marketing, responsável por montar o calendário de eventos. Passa também – e cada vez mais – pelo time comercial.
Em seu Investor Day, realizado no final de janeiro, a Allos mostrou alguns números bem interessantes. Os 47 shoppings que compõem seu portfolio contam, hoje, com 39 unidades de educação, 114 clínicas médicas, 429 serviços de beleza e nada menos do que 540 restaurantes. São operações que motivam visitas incrementais de clientes com capacidade de compra.
Outra vertente importante são os espaços de eventos, que ocupam grandes áreas em muitos shoppings. O Grupo Iguatemi é um dos que têm investido nessa estratégia, recebendo desde encontros corporativos a lançamentos de automóveis, passando por casamentos e festas de formatura. Tudo isso, claro, engrossa o volume de gente no mall.
Também está na lista de prioridades dos shopping centers acelerar projetos multiuso, com torres comerciais e residenciais. A intenção é adensar ao máximo o entorno e aumentar a propensão de visitas dos vizinhos.
Apesar do foco na mudança de mix e nos projetos multiuso integrados, a maior aposta dos shoppings é mesmo em eventos impactantes para consumidores, daqueles capazes de produzir resultados quase imediatos.
Eventos geram fluxo e elevam vendas
Um bom exemplo do potencial dos eventos para gerar tráfego e elevar vendas aconteceu, ano passado, no Patio Cianê, em Sorocaba. Depois de um primeiro semestre morno, a Alqia (antiga Saphyr), administradora do shopping, decidiu investir pesado em eventos: aportou verba para contratar atrações relevantes, de olho nas famílias com crianças.
Resultado? O fluxo de veículos, que havia apresentado crescimento negativo nos primeiros meses do ano, em relação a 2022, deu um salto. Aumentou 14% em agosto e 18% em dezembro.
Mas a Alqia não se limitou a elevar receitas de estacionamento. O Patio Cianê se esforçou para fazer com que os lojistas aproveitassem melhor os eventos. Os que se envolveram, venderam mais. Envolver-se significa vestir a vitrine, destacar produtos, quando possível, e criar promoções e ofertas para os participantes do evento.
Durante a ação da Patrulha Canina no Cianê, as vendas das lojas engajadas (foram 30% do total) cresceram 22%. As que não participaram também aumentaram vendas, porém, em bases menores: 14%. A Alqia chama esse tipo de ação, desenhada para proporcionar oportunidades de vendas para os lojistas, de Evento 360º. Esse ano haverá cerca de 110 Eventos 360º nos seus 11 shoppings, sendo pelo menos 30 deles com personagens licenciados. Aos poucos, apostam os executivos da companhia, os lojistas vão aderir. E os clientes voltarão.
Objetivo é aumentar ‘share of life’
Pesquisas mostram claramente que os shoppings já não cumprem as mesmas funções do passado. Como consequência, é natural que o perfil dos frequentadores e as jornadas que realizam nos shoppings sejam diferentes. E que as estratégias para atrair público e estimular conversão nas lojas sejam outras.
Ao invés de buscar crescimento de share of market (participação de mercado), ou share of pocket (participação no orçamento do consumidor), os shoppings vão mirar cada vez mais no share of life.
Isso significa oferecer motivos para que as pessoas passem mais tempo em seus espaços. A chance de fazer ali uma compra qualquer será maior.
Quem viver, verá.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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