Entenda como a marca Victorinox consegue se manter jovem no varejo sem traquitanas tecnológicas

Entenda como a marca Victorinox consegue se manter jovem no varejo sem traquitanas tecnológicas

Foi inaugurada, no final de novembro, a nova loja física da famosa marca de canivetes Victorinox, em Londres. Passei por lá para entender basicamente duas coisas: por que é considerada uma flagship store e como uma marca praticamente monoproduto se mantém atual e ainda desejada.

Cheguei logo após abertura da loja e a encontrei vazia, apenas com os colaboradores iniciando o dia. A expectativa de encontrar uma loja forrada de tecnologia por ser uma flagship store, com signos e símbolos mais contemporâneos, foi frustrada logo na entrada, quando percebi que estava numa loja tradicional, muito embora um painel de alta definição, meramente decorativo, passava um vídeo bastante gráfico e colorido.

Essa loja, localizada na Oxford Street, bem ao lado da Loja de Departamento Selfridges, foi inaugurada para celebrar os 125 anos da marca na cidade. A flagship não tem mais do que 130 metros quadrados, pequena para os padrões internacionais de “flagships“, mas suficientes para o que se propõe.

O térreo foi dedicado às viagens, com malas, cadeados, bolsas, porta documentos etc, além de relógios e perfumes. E todo andar de cima é reservado aos tradicionais canivetes e cutelaria.

Até então, nada de mais. Prateleiras de malas e acessórios quase padronizadas, displays de perfumaria bem acabados, mas sem nenhum rebuscamento ou tecnologia. No primeiro andar, onde fica o portfólio completo de canivetes e cutelaria, alinhado com o jeitão padrão do térreo.

No entanto, as surpresas começam.

Uma hospitality brand

A abordagem de atendimento – perceba, atendimento e não vendas – em ambos os andares foi surpreendente. No térreo, a colaboradora fez uma abordagem de hospitalidade muito inteligente: “shopping or browsing” (“compras ou só vendo mesmo?”), o que deixa o consumidor livre para não ser importunado ou pressionado a comprar.

Como queria profundidade na interação, a resposta foi “shopping“. E comecei a compreender os diferenciais da loja. Da profundidade do conhecimento de produtos ao entendimento do lifestyle do cliente, a conversa foi quase “entre amigos”. O subtexto do diálogo de vendas foi o de desejo de longevidade na relação. “Na sua próxima compa” foi a frase mais compartilhada entre nós durante a visita.

O convite para visitar o primeiro andar, com os produtos carro-chefe da companhia, deixou uma pista inequívoca do treinamento de colaboradores de loja. “Vá lá em cima ver as novidades que preparamos para você”.

Como falei, o andar de cima é de cutelaria e personalização. A bancada de personalização é completa. Todas as cores de canivetes, todos os tamanhos, encomenda de séries especiais, gravação do nome do “proprietário” do canivete na lâmina (repito “owner“), e as facas de cozinha. Enfim, um universo aberto de possibilidades.

Vale destacar que a companhia começa a investir pesado no segmento de cozinha, uma vertical que floresceu nos anos de pandemia e que está no core da marca.

Serviço é o nome do jogo

Treinados na Suíça, os colaboradores de canivetes e facas são sofisticados a ponto de parecer que estamos comprando joias. E é assim que o serviço é tratado. Basicamente, o andar de cima é a “joalheria” da marca, com seus carros-chefes e personalização feita em, no máximo, 2 minutos.

Se tiver oportunidade, peça para os colaboradores mostrarem as utilidades dos canivetes e a tecnologia de produção das facas. Em encantamento vindo de storytelling na ponta da língua.

Achei que a compra de baixo valor iria encerrar o serviço, diminuir a atenção e a reverência comigo. No entanto, apesar de ter mais gente na loja para ser atendida, isso não ocorreu.

O checkout – absolutamente tradicional – foi eclipsado pelo convite feito pelo atendente para o recebimento da newsletter e, claro, ro egistro de e-mail e endereço para CRM. Um par de brindes (amostra de perfume e minipeça de cozinha) encerrou a visita.

Não há nenhuma dúvida de que o relacionamento e a pessoalidade da venda (tendendo a personalização para próxima compra) são os pontos fortes da marca. Ou seja, o estreitamento no engajamento entre marca e usuário. Os esforços comuns em “empurrar produto” inexistiram. Apesar do mês de lançamento, não vi nenhum objeto promocionado na loja, o que deixa claro que o papel daquele site é puramente institucional.

A loja se propõe a ter um serviço pessoal – esqueça o autosserviço – e um pós-venda que garanta na relação (foco na retenção). O exemplo desta flagship em Londres, guardada as devidas proporções, traz o conforto de que, mesmo se um lojista ainda fizer a boa e velha caderneta de pagamentos para o final do mês e se abster de algumas traquitanas tecnológicas cosméticas, ele ainda está no jogo do varejo como marca forte.

Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
Imagem: Reprodução

 

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