O Brasil viveu um processo de têmpera configurado pela exposição consecutiva a períodos de forte crescimento econômico e de consumo e que, imediatamente, foi seguido da maior e mais profunda crise política, econômica e social.
O período que se seguirá deve ser caracterizado como um Novo Ciclo em nossa História e será marcado pelas transformações estruturais e conjunturais que são resultado dessas mudanças recentes, mescladas com a evolução natural de elementos.
Diversos aspectos irão marcar esse Novo Ciclo e precisam ser destacados e valorizados no campo do mercado e do consumo, por seu impacto nos modelos de negócios, crescimento e desaparecimento de marcas, novos canais, produtos e serviços.
O primeiro e mais importante é o crescente empoderamento do consumidor-cidadão, tema discutido e valorizado a cada momento. É a mais relevante transformação a ser vivenciada no mercado global e, especialmente no Brasil, por seu impacto direto no comportamento coletivo e seus reflexos para a política, os negócios, o consumo, além de marcas, produtos e serviços.
Um dos seus aspectos mais importantes é a ascendência da opinião dos próprios consumidores através da redes sociais sobre o comportamento coletivo. A opinião do consumidor-cidadão sobrepõem-se àquela divulgada pela manifestações oficiais através da propaganda e das diversas formas de comunicação. E o tornam de fato o epicentro de tudo.
Pela idade média da população brasileira e sua intimidade e propensão ao uso das redes sociais esse fenômeno torna-se particularmente mais relevante.
Nenhuma propaganda será mais eficaz do que a que se tornar voz corrente nas redes sociais. Para o bem ou para o mal.
Em absolutamente tudo que será precipitado em termos de transformação existe a presença dominante da evolução da tecnologia e do ambiente digital que, se de um lado empodera consumidores-cidadãos, de outro coloca novos elementos no cenários geral de negócios, determinando crescimento ou explosão de novos conceitos ou a extinção de outros. E que traga, como já tragou, marcas, produtos, lojas e serviços. O que muda, de fato, em relação ao recente passado, é a velocidade como tudo isso acontece e acontecerá.
Um dos resultados diretos desse fenômeno é a exacerbação da competitividade em quase todos os setores de negócios que tenham como resultado a pressão constante e crescente sobre a rentabilidade das empresas. Nos próximos anos será ainda mais dramática a pressão sobre a rentabilidade, obrigando as empresas a repensarem absolutamente tudo para se manterem competitivas. E não tem como parar o tempo, pois a dinâmica se torna auto alimentada. A dinâmica gera a nova dinâmica.
A troca constante de informações entre os consumidores-cidadãos direciona o mercado para a busca permanente da melhor solução da equação de valor do custo-benefício, porém numa escala nunca antes imaginada. E gera outro vetor importante, que é polarização que estaremos vivendo, especialmente no varejo.
O Novo Ciclo será marcado pelo aumento dessa polarização, com a migração de comportamentos para os extremos.
De um lado e, em número crescente, por necessidade ou racionalização, os que querem mais por menos e valorizam tudo que signifique preços mais baixos e condições mais acessíveis. Do outro lado, com participação decrescente, os que se dispõem a pagar mais pelo luxo, a conveniência, o conforto e o glamour.
Isso explica o crescimento, no Brasil, dos atacarejos e dos formatos de descontos. Do comércio popular de forma geral e e dos outlets. Ao mesmo tempo que se criam bolsões onde domina o que de melhor a vida pode oferecer para quem pode pagar.
A questão é que para os que ficam no meio do caminho e não têm uma proposta de valor clara e percebida e tendem a cair no buraco negro da insignificância.
Esse movimento precipita outra aceleração significativa que envolve a desintermediação de negócios. Do lado do varejo, o crescimento mais acelerado das marcas próprias, como forma de melhoria de margens e resultados. Como já acontece no setor de vestuário, onde as mais relevantes empresas do setor – Renner, Riachuelo, C&A e Marisa -, atuam parcela dominante de marcas próprias. Mas que estará sendo ampliado para outros formatos e categorias de varejo loja e não-loja.
Do lado da indústria, a desintermediação gera a criação de canais próprios e exclusivos, também usando alternativas de varejo loja e não-loja, especialmente o digital, onde chega no consumidor final para melhor e mais rapidamente poder entendê-lo e atendê-lo. De preferência com melhoria significativa de margens e participação de mercado. Nenhum outro setor se beneficia tanto desse processo como o de franquias, eleito, no Brasil, como a melhor alternativa de modelo de negócio para implantação dessa estratégia.
Outro elemento característico do Novo Ciclo é o crescimento dos serviços nos dispêndios das famílias. Nada exatamente novo, mas sim o acelerar de uma tendência que já havia se manifestado.
Por conta desse vetor, comprar alimentos para preparo e consumo em casa é cada vez mais substituído pelo comprar alimentos preparados fora do lar para serem consumidos onde quer que se queira. Da mesma forma, como parcela crescente dos dispêndios são direcionados para a educação como forma de se manter “empregável” numa economia mais competitiva e onde novas competências são requeridas.
Períodos como o que passamos, alternando euforia e retração, contribuem para o amadurecimento mais rápido do consumidor e um repensar de seu comportamento, o que obriga a reconfiguração mais rápida da oferta para atender essas novas demandas, no varejo e nos shopping centers, ampliando a parcela de serviços e soluções para capturar parte maior desses dispêndios e reduzir a dependência da venda apenas de produtos.
Esse Novo Ciclo que estaremos vivendo será também um período marcado por um profundo repensar dos consumidores sobre Valores. Talvez uma das mais importantes mudanças, especialmente para os consumidores mais jovens, os Millenials e a Geração Z.
Mais do que produtos, lojas e serviços, eles se tornarão mais demandantes de demonstração de Propósito por parte das empresas e das marcas.
Sua percepção é que são disputados por muito mais alternativas de produtos, lojas, canais, marcas e ofertas. E querem mais do que o básico de produtos, preços e marcas. Estarão mais alinhados com quem ofereça Causa e Propósito, para além do básico. A diferença entre o passado e o futuro próximo é que, passada a crise, que amortece comportamentos mais extremos, tenderá a voltar com força muito maior essa demanda.
Os muitos elementos que reconfiguram o novo Ciclo podem só em parte serem antecipados, mas é inegável que seu impacto no mercado precisa ser repensado, obrigando uma ampla e necessária revisão de estratégias.