Num mundo que sentiu a necessidade de se isolar como forma de prevenção e segurança sanitária durante a pandemia da covid-19, a tecnologia intermediou de forma eficiente – no final das contas – as necessidades dos consumidores.
As empresas menos antenadas à digitalização de vendas e dos serviços ou se adaptaram para sobreviver ou fecharam; outras surgiram nativas digitais. O fato é que, se a pandemia trouxe uma nova forma de consumir, o período pós-pandêmico marca uma nova transformação, desta vez movida pela necessidade humana de conexão. Afinal, somos sujeitos sociais que, por natureza, sentimos a necessidade de pertencer a uma coletividade – uma verdade registrada por Aristóteles mais de 300 anos antes de Cristo.
Isso significa que as aplicações práticas do e-commerce, como melhorar a navegabilidade do site, por exemplo, já não são mais suficientes para os consumidores em 2023. Eles desejam, sim, a conveniência e a agilidade da tecnologia, mas acompanhadas de experiências personalizadas, exclusivas e únicas. Em meio à automação promovida das IAs (inteligências artificiais), os consumidores querem exercer o seu direito ao consumo com liberdade e autonomia.
Para lidar com essa nova demanda, as grandes varejistas investem sistematicamente em Inteligência Artificial, na oferta multicanal e no omnichannel. Apesar de o contato ter ficado a um clique de distância, o processo de compra e venda é melhor avaliado e o cliente é fidelizado quando a transação é humanizada, isto é, quando pessoas participam do processo.
Estas questões foram debatidas no painel “Digitalização humanizada: o protagonismo das pessoas no mundo dos robôs”, no Digitail, evento promovido nesta semana pela Gouvêa Experience. O painel contou com a mediação de Carolina Pavan, executiva de Contas da Infracommerce, e a presença dos painelistas Regina Pellegrino, Chief Human Resources Officer (CHRO) da Kopenhagen e Chocolates Brasil Cacau (Grupo CRM), Lucas Neves, diretor-executivo da Usaflex, e André Venâncio, CTO/CIO das Lojas Eskala.
A chave do processo é compreender “a jornada do consumidor”, na visão de Lucas Neves. Para ele, os novos mecanismos de medição, com mais informações sobre o comportamento, só fazem sentido se chegarem como insumo para o vendedor que entra em contato com o cliente na ponta da transação. “O vendedor precisa ter cada vez mais informação para que possa atender cada vez melhor”, afirmou.
Neves salienta que por mais que existam muitos dados disponíveis sobre hábitos de consumo, ainda faltam muitas informações sobre o ciclo completo da jornada do consumidor. De acordo com ele, essas medições são facilmente “traduzíveis” na navegação online, porém, ainda faltam informações para a entender esse comportamento nas lojas físicas e melhorar essa experiência de compra.
Para Regina Pellegrino, “a humanização nunca vai deixar de ser importante”. “Quanto mais dados, mais necessária é a conexão humana”, disse. Citando o lema da Kopenhagen, disse que “transformar momentos comuns em extraordinários só pode ser feito por meio de dados na experiência humana”.
A CHRO do Grupo CRM disse que o digital expandiu as vendas, que a empresa se ajustou à conveniência e à agilidade, mas se manteve ancorada no atendimento personalizado dentro da loja. “Para muitas pessoas, é um momento de descompressão”, relatou.
Por outro lado, nutrir a crença de que o digital é uma ameaça ao setor é condenar-se à morte. Ela destaca a ferramenta como importante aliada na análise dos dados e na escalabilidade. Mas enfatizou que não é preciso abrir mão do físico e, sim, associar da forma mais equilibrada possível a tecnologia e as trocas humanas.
André Venâncio acredita na humanização digital porque a tecnologia é inexorável e o varejo é para pessoas. Para ele, vai se destacar a empresa que conseguir trazer o dado humanizado e reverter em resultado.
Ele pesa a importância de os dois processos caminharem juntos. Em sua opinião, há partes da jornada do consumidor que são mais ágeis e eficazes com uso da automação e trechos em que os robôs não podem substituir a capacidade criativa do ser humano.
Venâncio sugere aos varejistas que quiserem ser digitais transformarem toda a cultura da empresa. “O digital permeia todos os vieses da companhia, não é só o e-commerce. O que a gente está vivendo é uma grande experiência omnichannel“, opinou.
Chatbot
O público quis saber o que pensam os painelistas sobre os chatbots num contexto de investimento em IA e o descontentamento dos clientes.
Regina afirmou que a intenção determina o resultado. Para ela, o serviço de atendimento ao cliente sempre pode ser melhorado, mas a decisão de automatizar o sistema não pode estar ancorada no custo. “O chatbot tem de ser criado para gerar conveniência e agilidade para o consumidor, mas se a intenção for trocar o custo de um colaborador CLT por um robô, não vai funcionar, porque a intenção não está correta”, pontuou.
Venâncio acredita que 80% das experiências com chatbots são ruins porque este processo tem alto custo para as empresas. Aquelas que executam esse serviço com excelência, na opinião dele, estão no setor financeiro, que conseguem investir em serviços em melhores.
Para o futuro, ele acredita que existirá o profissional 4.0. O atendimento ao cliente será feito por uma pessoa e supervisionado por um robô, que orienta as decisões e potencializa o profissional. No final, é ele quem decide sobre a melhor forma de conduzir o diálogo. Ao mesmo tempo, esse robô será alimentado pela interação com o profissional.
Os três painelistas foram unânimes sobre a necessidade de qualificação de seus vendedores, que precisam estar a par dos processos digitais e munidos de informações qualitativas sobre os clientes. Assim, é possível ser eficaz no atendimento na ponta, pois são eles os que irão atender ou não o consumidor no momento da venda ou da oferta do serviço.
Isis Brum, em colaboração para Mercado&Consumo.
Imagens: André Ribeiro