Para repensar os impactos que vêm da China na economia, no consumo e varejo – Parte 2

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O que acontece na China, definitivamente, não fica na China. Só que agora a questão é a velocidade com que tudo se espalha e influencia outros mercados. Este é o segundo artigo desta série, depois de uma imersão recente no mercado chinês e de uma série de encontros, discussões e visitas com ecossistemas de negócios, empresas de investimento, Real Estate, varejo, consumo, tecnologia e inteligência artificial aplicada e marketing digital em programa realizado com o BTG.

 Um dos aprendizados mais importantes que vem dos contatos com a realidade da China atual são sua determinação e as ações para impulsionar seu desenvolvimento pela educação. Tema que deveria gerar reflexões profundas por todos aqueles que podem e devem contribuir para transformar a realidade brasileira.

Os números de estudantes nas áreas técnicas, em especial engenharia e computação, comparativamente com outras realidades, mesmo a norte-americana, impressionam em termos absolutos e também relativos.

E não são só os superiores. No fundamental, a mesma obsessão por levantar o nível da educação. Os processos seletivos que envolvem as principais instituições de ensino superior, como a Tinghua, em Beijing, são dos mais disputados do mundo, assim como de várias outras.

O número de horas dedicadas para se preparar para os processos seletivos é muito grande, o que acaba afastando os jovens dos programas mais habituais de lazer e entretenimento nas proporções em que acontece no mundo ocidental.

E definitivamente não existe vida inteligente fora dos estudos. Essa cultura é disseminada e absorvida pela população, com a sutil diferença de que o estímulo normalmente é muito mais do que isso e chega à obrigação.

Como o acesso e o tempo dedicados a jogos eletrônicos tiveram intervenção direta do governo, em momentos recentes, que limitou e criou mecanismos de controle, responsabilizando os pais no caso dos mais jovens.

O lado mais prático dessa constatação, que cresceu nos últimos tempos, é que a força jovem de trabalho está acelerando a transformação tecnológica e digital do país.

O avanço que se nota, por exemplo, no uso de inteligência artificial aplicada aos negócios já nos parece mais avançada do que vemos nos países mais desenvolvidos da Europa e até dos EUA.

IA aplicado na potencialização de negócios no varejo e consumo

Muito tem sido falado e feito em termos de uso de IA em caráter preditivo, especialmente no comércio eletrônico, a partir do monitoramento do comportamento e preferências dos consumidores.

As plataformas ocidentais, como Amazon, Google e outras têm mostrado essa evolução e o seu uso para ativar negócios e estimular comportamentos para aumento de vendas e melhoria de margens.

O mesmo tem acontecido na China, porém, de uma forma ainda mais ambiciosa pois os ecossistemas de negócios detêm um nível de informação e conhecimento do consumidor muito maior e mais atualizado, pois combinam dados relativos ampliados em suas plataformas que envolvem troca de mensagens, como WeChat, meios de pagamentos como Alipay, e com uso efetivo em despesas recorrentes como transporte, alimentação e muito mais.

Desta forma, essas plataformas têm base, amplitude e atualização de informações muito maior para alimentar monitoramento, previsão de comportamentos, customização e ativação digital com uso de IA. E contam ainda com menores restrições impostas pelas regras e leis de proteção de dados vigentes no mundo ocidental, se comparadas com o que existe no mercado chinês, com seus aspectos negativos e positivos.

Esse acesso às informações permite que a economia e o mercado possam ser mais eficientes em seus processos, na gestão e otimização de recursos e no controle de desperdícios, porém, com menor privacidade dos dados individuais.

Outro ponto que pudemos observar, de forma mais avançada do que temos visto nos mercados ocidentais é o uso combinado dessas informações para potencializar as vendas nas lojas, integrando dados de preferências individuais, histórico de comportamentos e customização para oferecer experiências mais interessantes, pessoais e atraentes para alavancar negócios.

Essas iniciativas levam ao ambiente físico tudo que é possível obter no e-commerce em termos de experiência, individualização e atratividade digital, integrando com o toque mais humano só possível no ambiente das lojas.

Quando esses fatores são combinados com a prática 996, que significa trabalhar das 9 horas da manhã às 9 horas da noite, 6 dias por semana e com apenas 5 dias de férias por ano, o resultado é um país em crescente e forte expansão, aumentando a distância que separa os jovens buscando qualidade de vida, que marca a cultura de diversos países ocidentais, com essa realidade em transformação em países asiáticos. Sem juízo de valor, mas apenas com juízo de fato.

Por essas e outras razões, buscar maior conhecimento e proximidade com a realidade atual e futura da China deixou de ser uma opção para os líderes de negócios do varejo e do consumo do mundo ocidental, em particular o Brasil, para se tornar quase que uma obrigação. Insistimos.

Podemos ler tudo o que está disponível sobre o assunto, mas nada é tão forte como vivenciar essa realidade de forma abrangente.

Da mesma forma como íamos beber na fonte do maior mercado e varejo do mundo, nos Estados Unidos, há 35 anos, agora é fundamental também acompanhar o mercado que poderá liderar o consumo e o setor nos próximos 35 anos.

Lições do cotidiano

Nem tudo são flores no atual momento da Ásia, representado pela China, ou no Oriente, em especial no que envolve os shopping centers. Seguramente, alguns dos mais ambiciosos projetos desse setor foram construídos na China e nos Emirados Árabes.

E com o menor crescimento econômico precipitado pela covid e a expansão da participação das vendas digitais, as vendas estão acontecendo aquém do que foi previsto. Como resultado, espaços estão ociosos, com um nível de ocupação muito baixo.

As estatísticas publicadas mencionam patamares um pouco inferiores a 30%, mas a observação visual mostra uma realidade diferente, que poderíamos estimar entre 35 e 40%.

Em alguns shoppings nas grandes cidades chinesas o nível de vacância, de fato, se mostra maior do que o divulgado nas estatísticas, com a característica de que, usualmente, a área de restaurantes domina os andares superiores dos empreendimentos, enquanto o foodservice se localiza no térreo ou subsolo.

Foi o que observamos em shoppings em Beijing, Shenzen e Shangai. Tivemos oportunidade de visitar também algumas operações em Doha, em nosso retorno. E uma das visitas que mais nos impactaram foi a do Shopping Place Vendôme, um dos mais novos empreendimentos por lá.

Nesse shopping, quase tudo é espetacular em termos de espaços, arquitetura, grandiosidade, design, comunicação digital, serviços e tennant mix, reunindo o que melhor representa o segmento luxo, com as principais marcas do mercado, principalmente europeu. E com uma oferta de produtos e marcas que atende o mais exigente e empoderado consumidor.

Mas é contundente a falta de público circulando pelo empreendimento, que deve depender de outros mecanismos e subvenções para ser viável.

Sob o ponto de vista de oferta, é surpreendente o que os recursos financeiros, o acesso, a visão e a ambição podem realizar.

Para nós, brasileiros, necessariamente mais acostumados à escassez de recursos, elevado custo de capital e com foco prioritário de retorno de investimento, algumas das equações de negócios na China e no Oriente Médio, exemplificado pelo Catar, de fato, não fecham.

Fica a admiração pelo empreendimento e as muitas dúvidas sobre o resultado. Vivendo, aprendendo e se surpreendendo. São as lições do cotidiano ampliado.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

Imagem: Shutterstock

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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