O protagonismo do valor pede inovação

Momentum nº 969

O protagonismo do valor pede inovação

É quase que uma tempestade perfeita.

A conjugação de inflação elevada em todo o mundo como resultado dos problemas criados pela pandemia, que foram agravados pelas consequências geradas pela invasão da Ucrânia pela Rússia e seus impactos nos custos de insumos – e em especial combustíveis e energia -, colocou a população mundial em estado de alerta máximo e cautelosa ao extremo.

Como consequência, cresceram muito o cuidado, a preocupação e o extremo interesse em ter mais por menos com relação a categorias, produtos, marcas, inclusive próprias e serviços. É o protagonismo do valor em toda sua expressão.

No pré-pandemia já tínhamos um quadro de maior crescimento dos formatos e canais ligados ao conceito de valor. Nesse momento do pós-pandemia, invasão russa e inflação global disseminada, o protagonismo do valor só aumentou. E torna-se dominante em escala global.

Formatos como clubes de atacado, hard e soft discounters, atacarejo, outlets e lojas de fábrica, além de outlet centers e canais digitais, e mais a venda direta pela TV ou canais digitais, assim como marketplaces focados em valor: esse vetor de negócios só tem expandido sua participação nos diversos mercados e assegurado crescimento acima da média geral do varejo.

Ao lado de uma Primark na Europa ou nos Estados Unidos, as lojas de departamentos tradicionais, como Macy’s, parecem um velório. Banana Republic leva lojas outlet para localizações premium no passado recente em Nova York ou Chicago. Em Roma, na tradicional Via del Babuino, lojas tradicionais são substituídas por operações de outlet. Quando não permanecem fechadas.

No quarteirão mais premium no centro de Seattle, cidade que reúne a sede global de Microsoft, Boeing e Starbucks, exemplos da capacidade de inovar dos Estados Unidos, ao lado da loja-matriz da Nordstron opera a Nordstron Outlet.

Em Chicago, na Michigan Avenue, anteriormente a Magnificent Mile, ao lado de espaços vazios anteriormente ocupados por Best Buy, Uniqlo ou Macy’s, conceitos focados em valor disputam a preferência dos arredios consumidores pós-pandemia.

Na Europa, Lidl e Aldi reinam absolutas nos mais diversos países com desempenho muito superior à média de mercado e avançam em sua expansão no mercado norte-americano. Na Target, em Chicago, Seattle ou Nova York, um exitoso conceito de supercenter – versão norte-americana dos nossos hipermercados, porém focados em valor -, espaços são abertos para incluir uma CVS atraindo o interesse de um consumidor cada vez mais orientado para saúde e bem-estar a preços competitivos.

E, quando se consegue conjugar valor com alguma experiência, mesmo que seja com serviços ou promoções In-Out, como na Costco, o desempenho é surpreendente, com crescimento de receita evoluindo dois dígitos baixos.

Mas pode ser também um Trader Joe’s nos Estados Unidos, conceito em formato discount com predominância de marcas próprias e um apelo forte com comunicação visual leve e colorida. Tem uma pegada orientada para mercadores indo buscar no mundo o que pode ser de melhor para consumidores querendo mais por menos com algum tipo de experiência.

Mas essa realidade está presente também no mundo dos serviços, e o que acontece com companhias aéreas, hotéis, hospedarias, bares e restaurantes orientados para essa opção mostra que essa abordagem se tornou um estado de espírito que não discrimina sexo, idade ou até mesmo condição social.

Basta olhar o perfil de público que tem frequentado uma Zara, H&M, Uniqlo ou uma Primark em localizações tradicionais premium nas mais importantes cidades do mundo. Para não falar na revolução na hospitalidade precipitada por Airbnbs e companhias aéreas low cost.

A realidade é que continuaremos a assistir por um bom tempo ainda a esse crescimento mais significativo de tudo que possa trazer maior percepção de valor agregado, desafiando propostas que tenham maior custo para produtos, marcas próprias, categorias ou canais diferenciados.

E no Brasil?

Estamos vivendo no Brasil o mesmo cenário global, com a agravante de que por aqui a renda média real tem caído mais fortemente, o crédito se tornou mais caro e escasso e o cenário político ajuda a frustrar planos futuros.

Como resultado, o valor torna-se dominante. E a maior expansão dos atacarejos, dos outlets, dos shoppings de descontos, das marcas próprias orientadas para preço, dos canais digitais ou programas focados em promoções só avança.

Sem falar do aumento dos fornecedores de produtos e serviços que criam canais próprios e exclusivos para chegarem no consumidor final e estabelecer uma conexão que permita vender mais por menos e assegurar esse contato direto.

Hipermercados são convertidos em atacarejos, como ocorreu com lojas do Extra vendidas e convertidas recentemente em Assaí. Crescem as marcas próprias focadas em mais benefícios para o consumidor. Aumentam as opções de lojas de fábrica e outlets.

Também cresce, infelizmente e de forma totalmente indesejada, o número de empresas digitais vendendo produtos importados sem pagamento de impostos corretamente e ajudando a desorganizar ainda mais a economia e aumentando a participação da informalidade na economia mais geral.

E aumenta a participação de restaurantes, serviços e canais com forte apelo popular, mesmo que operando de forma informal. Da mesma forma como algumas marcas criam produtos focados nessa nova realidade.

Estamos vivendo um novo ciclo na evolução do império do valor que não para e não irá parar por aqui, abrindo uma avenida de oportunidades para todos que entendam que isso fará parte de um admirável mundo novo, de novo. E pedindo inovação para entregar mais por menos com experiência e, principalmente, resultados.

Esse admirável mundo novo, de novo, pode ser atraente e interessante mas, inevitavelmente, muito mais competitivo pela ascendência do valor como conceito mais básico de comportamento de consumo humano em especial em momentos de elevada tensão e indefinição sobre o futuro dos negócios.

A realidade é que é preciso repensar conceitos, canais, negócios, formatos e categorias, pois oportunidades não aproveitadas podem virar ameaças, especialmente quando são os concorrentes que se movimentam com maior efetividade e velocidade.

Vale pensar!

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock

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