Retomada geral, porém desigual

Retomada geral, porém desigual

Os números estão colocados e o cenário, desenhado. A vacinação avança, mas a contaminação poderá ainda crescer por conta do relaxamento das cautelas e protocolos e o sentimento que se dissemina de que o pior teria passado.

O Brasil que emerge da pandemia está mais dividido, polarizado e desigual. Profundamente desigual.

Mas emerge economicamente mais vigoroso pela conjugação dos bons resultados dos setores ligados ao agronegócio, pelas exportações com dólar elevado para outras economias também em retomada, especialmente a China, pelo nível de reservas internacionais e pelos investimentos externos apostando nos elementos estruturais que nos mantêm na linha de investimentos estratégicos externos. Apesar dos desatinos que insistimos em cometer em diversas frentes.

O emprego começa a retomar, a renda a evoluir, aumenta o estímulo às compras com uso de crédito e, aos poucos, timidamente, a confiança do consumidor também cresce. Está em recomposição a equação determinante do comportamento do consumo: renda, emprego, crédito e confiança.

Fica o sentimento de que o cenário à frente é mais positivo e isso estimula a propensão ao consumo, em especial nas categoriais mais discriminadas durante a fase mais aguda da pandemia, porém balizado pelos novos padrões incorporados ao estilo de vida e comportamento que emergiram desse período.

Os setores do consumo que vinham positivos por sua essencialidade, como alimentos, material de construção, medicamentos, artigos para o lar e cuidados pessoais, passam a dividir a renda com aqueles mais afetados durante o período anterior, como os segmentos de vestuário, calçados, moda de forma geral, entretenimento, viagens, lazer e diversão, além de bares e restaurantes. E retoma a vida com mais vigor nos shoppings e centros comerciais planejados.

O sentimento coletivo indica que, como se previa, às portas do segundo semestre, existe a generalizada percepção de que caminhamos para uma realidade transformada pela pandemia em que parte dos hábitos e atitudes desenvolvidos durante o período mais dramático foi percebida como positiva e vai determinar o redesenho estrutural do mercado.

Novos hábitos geram novas realidades

No uso mais constante e conveniente das compras online e a valorização da proximidade na hora de comprar. Na nova configuração do trabalho remoto e seus impactos na geografia de consumo. Na forma de se vestir e no que usar nas diversas ocasiões. Na valorização das alternativas para a alimentação preparada fora do lar. Na hiperconveniência gerada pela percepção do uso mais adequado do tempo. Na virtude e vantagens do aprendizado e atualização à distância. São muitas mudanças que vieram para ficar.

Nos elementos mais mundanos do consumo, mas também, para muitos, no relacionamento pessoal com a nova realidade. Numa atitude mais solidária. Numa maior consciência sobre cidadania e desigualdade. Na percepção da importância da atualização pessoal e profissional. Na preocupação com o cuidar da saúde e do bem-estar, para si e daqueles que são próximos. Na percepção da nossa vulnerabilidade.

Igualmente relevante é a transformação estrutural do mercado. Os grandes ficaram maiores e os menores ficaram menores. Os financeiramente bem estruturados ficaram ainda mais relevantes para evoluir. Os modelos de organização e gestão mudaram decisivamente com crescimento exponencial da importância da agilidade, flexibilidade e adaptabilidade. E a percepção de que é possível fazer mais com menos e de forma mais eficiente e eficaz.

É o início de um período de liderança e mudança estrutural no mercado precipitado pelo crescimento dos Ecossistemas de Negócios, exemplificados por Magalu, Mercado Livre, Via, Americanas-B2W, Carrefour, Vivo, Claro, Riachuelo e Renner. Mas também com outros ecossistemas emergindo em outros segmentos, como saúde e educação.

Só não podemos nos encantar com a retomada de forma inconsequente e alienante, minimizando a consciência sobre nossos problemas e dificuldades, sobre os erros cometidos, sobre a crescente desigualdade, sobre a expansão da informalidade e sobre a distância que cresceu no período e que nos separa das economias mais desenvolvidas.

No mais, é tempo de acelerar para retomar o passo e buscar se posicionar e antecipar à nova realidade reconfigurada. Um tempo desafiador e instigante.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado & Consumo.

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