Como as fintechs de três grandes varejistas brasileiras encaram o debate sobre o fim do parcelado sem juros e do rotativo do cartão crédito? A pergunta foi lançada pela editora-chefe da Mercado&Consumo, Aiana Freitas, durante o painel “O banco mais próximo do cliente: inclusão e fidelização no varejo com serviços financeiros”, no segundo dia do Latam Retail Show, maior evento B2B de varejo e consumo da região, que termina nesta quinta-feira, 21, em São Paulo. A M&C é media partner e faz uma cobertura especial do evento.
Em agosto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que encaminharia proposta para acabar com o rotativo do cartão de crédito e frear o parcelado sem juros de longo prazo. O objetivo é baixar os juros que, no cartão, atingem até 440% ao ano, e o endividamento, uma vez que 8 em cada 10 brasileiros têm dívidas a pagar.
Considerado uma “instituição” no País, como bem lembrou Aiana, o parcelado sem juros é uma das principais formas de consumo. O brasileiro prefere parcelar em várias vezes e comprar mais. Os dados da pesquisa da Opinion Box, apresentados no painel, corroboram essa perspectiva: 64% dos brasileiros afirmaram que “parcelar no cartão de crédito me ajuda a poder comprar mais coisas”, sendo a principal forma de pagamento para 59% da população, atrás apenas do Pix (64%), que já tem a opção de parcelamento oferecida por algumas instituições bancárias.
Francisco Santos, CEO da Fintech Midway Riachuelo, disse que 70% da carteira é de clientes que parcelam sem juros e 30%, com juros. Reconhece os juros elevados sobre o rotativo e afirmou compreender todos os lados da cadeia. “Todo mundo tem um pouco de razão, mas o momento não é muito favorável”, ponderou.
O varejo está se recuperando da queda nas vendas no último semestre e se recompondo junto aos consumidores, fazendo ajustes para fechar contas nada atraentes à sua base, como redução no percentual de desconto em pagamentos via Pix ou fim do frete grátis no e-commerce.
Para o CIO da Pefisa Pernambucanas, Fabiano Rustice, o fim do parcelado sem juros pode prejudicar a dinâmica do varejo caso a discussão seja política ao invés de técnica. Ele lembrou que, no passado, a decisão de fazer o parcelamento compulsório do cartão de crédito não funcionou. “Só confundiu o cliente”, disse.
Carlos Mauad, CEO da Fintech Magalu, acredita que, no final, irá prevalecer o bom-senso. Na sua opinião, todas as atividades envolvidas nessa cadeia de pagamentos estão participando do debate e têm voz. Ele acredita que o varejo, de um modo geral, continuará a se adaptar às circunstâncias e a oferecer propostas e benefícios para seus clientes. Segundo ele, é preciso, apenas, “menos entropia na discussão”.
Bancarização
As classes C, D e E compõem a base da pirâmide social no Brasil, porém, a própria condição econômica barrou por décadas o acesso a bens de consumo, sobretudo, pela impossibilidade de abrir uma conta corrente e acessar um cartão de crédito, conforme as regras do setor.
As grandes lojas do varejo usavam o carnê para vender para esse público, uma espécie de promissória quitada mês a mês no caixa na loja. O atraso no pagamento bloqueava novas compras.
A inserção da tecnologia no atendimento direto ao cliente substituiu o carnê pelo cartão de crédito. Na disputa pela fidelização, o cartão personalizado da loja garantiu descontos e benefícios. Mas a dificuldade de adquirir crédito para consumir ou abrir uma conta corrente foi o corredor de acesso para a criação das fintechs nas grandes redes de varejo. Em menos de 10 minutos, é possível fazer um empréstimo pessoal, abrir uma conta digital, comprar seguros e acessar investimentos e consórcios. Hoje, são as grandes responsáveis pelos dividendos das empresas.
Nas Pernambucanas, o cartão de crédito disponibilizado pela Pefisa é o primeiro passo de fidelização do cliente. O consumidor obtém benefícios, como promoções e cash back, dentro da loja. “Com essa jornada de fidelização, empacotamos todas as experiências digitais”, contou Rustice. O banco digital fez parcerias, saiu da loja e, agora, está presente desde os caixas automáticos do Autopass, nas estações de metrô em São Paulo, a lojas de grife como Carmen Steffens.
Uma das grandes apostas foi o fornecimento do cartão do Palmeiras. A iniciativa, movida pela paixão do torcedor pelo seu time, não encontrou grandes resistências e tem gerado bons resultados com a oferta de descontos, experiências com jogadores e compra de produtos oficiais do time oferecidos pelo clube. Rustice anunciou para os próximos meses de uma parceria da fintech com uma grande varejista de material de construção.
Com o lema “do fio à última parcela”, a Midway Riachuelo se firma como a porta de acesso para muitos clientes fora do eixo Rio-São Paulo, onde as realidades são muito distintas da conhecida no Sudeste.
O cartão de crédito da loja personalizado para o cliente libera imediatamente o crédito para fazer compras. De acordo com Santos, são 30 milhões distribuídos até o momento. “Com o cartão, um de cada três clientes compra na Riachuelo novamente e até 3 vezes mais do que aquele sem o cartão”, declarou. Além disso, a Midway já responde por 20% a 40% dos resultados de todo Grupo.
Partindo da premissa “dar acesso a muitos o que é privilégio de poucos”, a Fintech Magalu quer digitalizar o varejo no Brasil por meio dos vendedores na sua plataforma de marketplace. Prover o vendedor de informações, acesso a recursos, facilidade nas formas de pagamento e recebimento trouxe um novo olhar para as operações da empresa.
Além de operar empréstimos pessoais, vender consórcios e seguros, o cartão Magalu pode ser usado em qualquer varejo.
Os painelistas concordam que a operação direta com o consumidor é de alto risco, devido à inadimplência e ao alto volume de capital, por outro lado, veem como uma forma de oferecer mais crédito facilitado, movimentar o setor e fidelizar consumidores.
Imagem: Mercado&Consumo