Afinal, como está o mercado?

Nas últimas semanas, a visão sobre o comportamento do mercado ficou bem confusa com a divulgação de indicadores de vendas do mês de março, que geraram muitas dúvidas sobre o desempenho e a recuperação em andamento.

A origem de boa parte do problema envolve a comparação com os meses anteriores e o mesmo mês do ano passado e está em dois pontos importantes: a variação sazonal precipitada pelos diferentes meses neste ano da Páscoa e do Carnaval e a baixa inflação que altera os dados reais, especialmente nos segmentos que envolvem alimentação no lar, por conta da deflação que esse índice tem apresentado.

Para que se possa entender os elementos que determinam o comportamento do consumo e do varejo, é preciso olhar com atenção os fatores críticos determinantes desse comportamento.

Desemprego cresceu por efeito sazonal

O nível de desemprego continua muito alto, 12,6% no trimestre dez-fev, e apresentou leve aumento sobre o trimestre anterior, Out-Dez, que foi de 11,8%, por efeito sazonal dos ajustes de quadro que acorrem todo início de ano.  Mas ambos bastante inferiores ao pico de 13,7% alcançado no segundo semestre de 2016.

A previsão para o futuro é que haja recuperação do emprego, mas não tão significativa, pois muitos setores ainda estão sob pressão e muitas empresas ajustaram seu quadro de pessoal e se mantém ainda cautelosas em acelerar contratações.

O que pode ser previsto é que o nível elevado de desemprego deverá se reduzir gradualmente, à medida que a economia e o consumo reajam mais fortemente, nos próximos meses e anos.

Baixa inflação é o mais positivo fator

No conjunto de aspectos que impactam o comportamento do consumo e do varejo, a baixa inflação, de 2,84 em março, no acumulado de 12 meses, é o fator mais positivo por muitos aspectos.

Em primeiro lugar, a deflação, comportamento negativo, de 3,81% na alimentação no lar, permite mudanças no padrão de consumo desses produtos e libera poder aquisitivo para outras categorias.

Além disso, gera um efeito bastante positivo na confiança geral da população, que comentaremos adiante.

Outro bom aspecto está no cálculo da massa salarial real, como veremos adiante.

Por tudo isso, de todos os aspectos determinantes do comportamento do consumo, a baixa inflação, e sua persistência, é aquele que melhor contribui para a visão positiva à frente.

Massa salarial real mostra recuperação do poder aquisitivo

A massa salarial real atual é de R$ 193,8 bilhões, muito próxima do pico de R$ 194 bilhões, ocorrido no último trimestre de 2017. Anteriormente, esse mesmo valor só havia sido atingido uma vez, no quarto trimestre de 2014.

É o segundo maior valor desde 2013, especialmente por conta de alguma recuperação do emprego, descontado o efeito sazonal, e da renda, mas, principalmente, pelo efeito gerado pela baixa inflação, em especial nos alimentos, que gera o efeito positivo de seu crescimento em termos reais.

A massa salarial real é o balizador mais importante, pois sendo a combinação de emprego e renda, é o fator determinante do potencial de consumo e da propensão a consumir, e tem previsão de melhoria ainda maior nos próximos meses, pela recuperação do emprego e melhoria da renda para os empregados.

Nesse aspecto, o jornal O Estado de São Paulo, do domingo dia 22/4, destaca que 87,1% dos acordos salariais realizados no primeiro trimestre deste ano tiveram correção real de salários, com ganhos acima do INPC, obtida em muitos casos pelo efeito da baixa inflação.

Confiança do consumidor em clara recuperação

Em março, a Confiança do Consumidor alcançou índice 92, um processo de marcante recuperação, desde que atingiu o ponto mais baixo da sua história, 64,4, em abril de 2016, por ocasião do impeachment da presidente Dilma.

Ainda está um pouco distante do seu melhor indicador de 112,9 em 2012, porém tem demonstrado um comportamento consistente e constante de melhoria desde então, com alguns “soluços” pontuais ao longo desse período.

Esse comportamento está associado às expectativas mais positivas de longo prazo, o que é um estimulador da propensão ao consumo, especialmente via crédito, porém aqui temos um dos principais problemas à aceleração da recuperação.

Crédito continua caro e escasso

O comportamento do crédito para pessoas físicas é fator determinante da antecipação e realização de consumo.

Esse foi um dos principais elementos que proporcionou a forte expansão do consumo e do varejo no período passado. No final de 2017, o valor total da carteira de crédito às pessoas físicas foi de R$ 1650 bilhões.

Porém, em 2007, o total da carteira de crédito de pessoas era de R$ 432 bilhões e teve forte expansão. Em 2014, havia atingido R$ 1412 bilhões, com um crescimento médio anual de 32,4%.

De 2014 a 2017, essa expansão baixou significativamente, para uma média anual de 5,6%.

O crédito às famílias no Brasil, que representa perto de 25% do PIB, tem muito espaço para ser ampliado, pois, em outras economias similares, varia de 50 a 110% também em relação ao PIB.

Importante lembrar que a inadimplência, assim entendida aquela representada por dívidas não pagas pelas pessoas há mais de 90 dias, tem mostrado consistente redução. Representava 5,9% no final de 2012 e hoje é 3,7%, depois de ter atingido 3,5% em dezembro do ano passado. Esse crescimento pontual no início do ano também é efeito sazonal conhecido, depois do crescimento das vendas no final do ano.

Mas ainda mais importante é considerar que o endividamento geral das famílias também mostra marcante comportamento de redução.

Esse indicador, que representa o quanto as pessoas deviam em relação à sua renda, era de 29,72% em 2008, cresceu de forma marcante para 45,82% em 2016 e, desde então, vem caindo, e, atualmente, é de 41,32%, sinalizando o quão controlado está qualquer risco de uma crise de inadimplência.

Só para fechar

Positiva ou negativamente, existe um descasamento entre o quadro político, que teima em permanecer indefinido, e o quadro econômico-financeiro, que dá claras mostras de consistente recuperação.

A melhoria da confiança do consumidor e do setor empresarial é evidente prova disso.

A recuperação e o crescimento do consumo, com resultados diretos no desempenho do varejo, já poderiam ser melhores por conta da evolução real da massa salarial, da baixa inflação e da confiança do consumidor.

Conspira contra essa recuperação o crédito ao consumo, que permanece escasso e limitado, com taxas de juros incompatíveis com a inadimplência; o endividamento das famílias e o comprometimento da renda.

Não fosse esse aspecto, poderíamos ter uma positiva aceleração do crescimento com reais benefícios no aumento do emprego e da renda.

Vale a pena pensar um pouco mais sobre tudo isso.

*Imagem reprodução

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