“O cenário global polarizado na era Trump 2.0 com seus desdobramentos econômicos e políticos associados à expectativa gerada de Lula 4.0 cria desafios para muito além daqueles envolvidos com o ciclo de vida de conceitos e negócios no varejo, comércio e consumo.
Ou mesmo em relação à transformação setorial precipitada pela massificação do uso da Inteligência Artificial e o aumento da presença dos grupos globais no cenário do comércio digital.
Inflação, alta taxa de juros, aumento de custos, elevação da carga tributária, desvio de recursos para as bets, aumento da concorrência com players globais no varejo digital e escassez de mão de obra são apenas alguns dos elementos que os setores de comércio e varejo têm de enfrentar em escala diferente do passado.
E sem perspectiva de regressão de cenário de curto ou médio prazo. Ao contrário. Tudo indica que esse quadro deverá se manter em busca da popularidade perdida e será feito o necessário para tentar viabilizar a continuidade pós 2026. E com a articulação possível com o Congresso com vistas à próxima eleição. Que espere a Nação!
As maiores e mais consolidadas organizações jogam seu próprio jogo dentro do que é possível com os benefícios da escala alcançada, dos menores custos de capital e com sua capacidade de mobilização e negociação.
Mas quais as opções as pequenas e médias empresas têm para atravessar esse período e sobreviver?
Alguns caminhos passam pelas quatro formas de integração de negócios com suas variantes e características próprias que podem criar oportunidades para esses mercados.”
Centrais de Negócios
Integra operadores independentes que se estruturam para criar uma organização gestora e com atuação que pode envolver compras, operações, logística, serviços financeiros e gestão de pessoas.
Figurativamente, pode-se dizer que seriam franqueados independentes que criam o seu próprio franqueador. Os modelos de inspiração vieram da Europa e dos Estados Unidos, mas existem operações similares, ajustadas à cultura e mercados locais, em muitas regiões do mundo.
Existem Centras de Negócios bastante desenvolvidas no varejo nas áreas de farmácias, supermercados e material de construção. Pressupõem uma maturidade elevada das lideranças, pois a formação da própria gestora dos negócios gera naturais conflitos entre membros.
A Rede Brasil de Supermercados, com 16 grupos regionais de supermercados, reúne mais de 500 lojas e pode ser considerada um exemplo relevante desse modelo. A área de farmácias foi aquela na qual o modelo mais se desenvolveu. Existem diversas centrais operando no Brasil e uma associação que reúne esse grupo, que é Abrafarma, e tem como principais grupos associados as redes Farmácia do Futuro, Unifarma, Drogafarma, Maxfarma, Nova Farma e outras.
Grupos Voluntários
Envolve a integração de pequenos negócios para atuarem em conjunto em algumas frentes (compras, tecnologia, etc.), de forma um pouco menos estruturada, mas como parte de um processo de amadurecimento do modelo, que pode acontecer no futuro.
Um dos exemplos interessantes no Brasil que pode ser identificado dessa forma é o Juntos Somos Mais, operando desde 2018 a partir de iniciativa da Votorantim Cimentos e depois também integrando Tigre e Gerdau.
A iniciativa atua como uma plataforma digital com foco no desenvolvimento do pequeno e médio varejo da construção civil, envolvendo Integração Tecnológica, Certificação de Segurança, Parcerias Estratégicas, Programa de Fidelidade e Inteligência de Mercado.
A inspiração do modelo também é de origem europeia e tem sido um instrumento de integração de independentes, de forma patrocinada ou autônoma para criar melhores condições competitivas para seus membros.
Licenciamento
Outro modelo de integração é o que envolve licenciamento, quando o licenciador oferece aos licenciados sua marca, padrões, processos, sistemas e acessos. Tem sido mais usado por marcas globais com operadores locais em diversos mercados.
Em muitos aspectos, se aproxima do conceito de franquia, mas difere pelo desamparo legal e por um nível de menor flexibilidade operacional.
A rede 7-Eleven no mundo atua com franquias e licenciamento, assim como a Ace Hardware, cooperativa e varejo de hardware dos Estados Unidos, ou a Eroski ,na Espanha, que é modelo híbrido de licenciamento e cooperativa.
No Brasil, talvez o melhor exemplo nessa categoria é o da rede Smart, projeto desenvolvido pelo atacadista Martins no ano 2000 e que reúne hoje mais de 600 supermercados de médio porte presentes em mais de 450 cidades do País.
O modelo oferece treinamento para os proprietários e funcionários, plataforma de tecnologia, apoio logístico, comunicação visual e toda uma integração para compras, promoções e desenvolvimento de negócios integrados com as atividades do atacado Martins.
Outro exemplo interessante nessa frente é DPaschoal, com seus programas de conversão de pequenos e médios operadores nos setores de pneus e borracharias em operadores mais estruturados e organizados para atuarem no setor.
Essa iniciativa da DPaschoal representa uma importante evolução na forma diferenciada de integração e incorporação de melhores práticas e acesso à informação, controle, gestão, promoção e produtos para os parceiros licenciados nas suas atividades de distribuição e comercialização de pneus, peças e produtos automotivos.
Franquia
É, sem dúvida, o mais desenvolvido dos modelos de integração existentes, e isso se deve ao trabalho consistente ao longo do tempo da Associação Brasileira de Franquias (ABF), que permitiu ao Brasil ser benchmark no mundo nesse setor.
Seja pela vinda de grupos internacionais, como McDonald’s e Burger King, seja pelos modelos nacionais desenvolvidos, como O Boticário, Cacau Show, Bob’s, Casa do Construtor, Odonto Company e muitos mais, o setor tem um natural vigor para expandir e tem mostrado desempenho relevante mesmo nos períodos mais difíceis.
O franqueador detentor da marca, conceitos e contratos com a rede fornecedora cede esses ativos para a rede franqueada e isso permite um desempenho superior nos mercados de atuação. De alguma forma, se beneficia de aspectos estruturais de mercado no âmbito tributário e na mutação das relações do emprego e trabalho para incorporar mais franqueadores e franqueados.
O faturamento consolidado do setor, segundo os dados da ABF, é superior a R$ 240 bilhões, com crescimento próximo a 14% em relação ao ano anterior e com mais de 184 mil unidades franqueadas integradas aos 3.311 franqueadores. São números muito expressivos em escala global.
Importante destacar que no passado recente, e seguindo modelos já testados na Europa e nos Estados Unidos, grandes grupos de varejo ou de indústrias passaram também a franquear operações, como é o caso de Carrefour, Apple, Portobello ou Casino aqui no Brasil.
O movimento de grandes grupos atuarem combinando operações próprias com franquias, apesar da curva de aprendizagem que o conceito envolve, tem potencial importante de crescimento e alavancagem de negócios, tanto do lado das redes, quanto no número e qualificação dos franqueados.
Para concluir
É inegável o cenário complexo no presente e no futuro e os caminhos de potencial integração de independentes é sempre uma forma mais segura e positiva de permitir alternativas que possam ser menos complexas do que atuar de forma isolada.
É verdade que isso pressupõe um amadurecimento importante, considerando que o pensar e agir junto nem sempre é a forma mais natural como muitos desses empreendedores desenvolveram suas atividades.
Mas pode ser um caminho mais interessante e que precisa ser considerado, mais pesquisado e estimulado.
Vale refletir.
Notas
- No dia 22 de abril, teremos pela segunda vez o Inside Fashion Business, discutindo as profundas e amplas transformações setoriais precipitadas pelos novos tempos com Inteligência Artificial em realização conjunta da Gouvêa Fashion Business e da Gouvêa Experience. Saiba mais sobre o evento clicando aqui.
- De 14 a 22 de maio, estaremos em Missão Técnica organizada por Gouvêa Foodservice participando do NRA Show, em Chicago, o mais importante evento global do setor, com a delegação integrada com IFB e IDV. Mais informações podem ser acessadas por aqui.
- No dia 26 de maio, a Mercado&Consumo, a Gouvêa Foodservice e a Gouvêa Experience vão realizar o Connection Foodservice Day – Pós NRA Show, evento de conteúdo e networking com as principais tendências do setor. Saiba tudo sobre o evento aqui.
- No dia 27 de maio, teremos o Digitail, organizado pela Gouvêa Experience com apoio de Gouvêa Consulting. Um evento focado no setor de e-commerce, trazendo uma ampla e profunda discussão do momento e tendências e perspectivas desse setor no mundo e no Brasil. Conheça mais por aqui.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato