Minha intenção no artigo desta semana era escrever sobre outro assunto, mas a mais recente trapalhada corporativa da OpenAI me compeliu a escrever algumas reflexões sobre a gestão dos conselhos independentes atualmente e sobre a arquitetura de marcas nas organizações.
À medida que o caso de demissão de Sam Altman, ex-CEO da OpenAI, foi se desenrolando (até chegar à sua contratação na Microsoft, como CEO da área de pesquisa de IA na empresa, que é parceira em 49% da Open AI), fui reconhecendo que se tratava de um caso de amadorismo em visão de negócios, vulgo imaturidade corporativa, ou de conflito de interesses e poder.
Para gente que é do marketing e da comunicação corporativa, o caso foi bastante intrigante. Foi até difícil focar no trabalho neste dia 17 de novembro porque, a cada 15 minutos, uma fonte da imprensa diferente trazia informações novas, atualizadas e surpreendentes sobre o caso.
Não devo trazer a descrição do caso novamente neste artigo, até porque ele já foi amplamente divulgado na mídia nacional e internacional. E, mais que isso, comentado e opinado por competentes gestores muito melhores do que eu mundo afora.
O que quero apontar aqui é sobre dois aspectos importantes na gestão de empresas atualmente: o papel dos conselhos independentes, incluindo não só sua performance de gestão operacional, mas a ética e a integridade corporativa, além da importância de estruturar corretamente a arquitetura de marcas nas empresas.
Os conselhos independentes e os cabelos brancos
O grande share de importância deste assunto ter subido aos trend topics do Google e da web em geral foi o papel do conselho da OpenAI na demissão de Altman e de seu vice-presidente, Greg Brockman. E de como essa demissão chegou às salas de imprensa dos veículos no mundo todo.
Primeiro, a demissão veio como uma notícia simples: “Foi demitido pelo board”. Sem muita profundidade, mas logo em seguida, a The Verge, um veículo dos mais confiáveis e atentos do mundo tech, revelou que a saída de Altman seguiu-se a um processo de revisão deliberativa por parte do ocnselho da empresa, que concluiu que ele “não era consistentemente sincero” em suas comunicações com o board.
No jargão corporativo, é falta de transparência. No popular, isso é ser um mentiroso mesmo.
Bom, se por um lado, o CEO é um mentiroso, o conselho neste caso me pareceu fofoqueiro. Quando o próprio conselho da empresa libera informação que pertence aos bastidores do poder, isso não parece ser algo usual.
Na pior das hipóteses, é tão amador e antiético quanto a mentira. A não ser que vaidades e poder estejam envolvidos, o que foi confirmado em matéria do The New York Times do dia 22 de novembro, em que um dos membros do board, Elias Sutskever, que demitiu Altman se arrepende e posta no X, antigo Twitter, uma espécie de retratação.
Do ponto de vista operacional, a decisão está correta, mas a divulgação é infeliz. Foi, na verdade, um anúncio duro, com um subtexto de ressentimento.
Fica aí a primeira lição deste imbróglio: roupa suja se lava apenas no conselho. Nem é uma lição de verdade, mas uma obrigação óbvia deste comitê que assina NDAs e garantias de privacidade da informação.
Dei uma olhada na composição do conselho que demitiu Altman e fiquei surpreso com a pouca maturidade dos envolvidos, apesar de ser um conselho diverso em gênero; só para constar, 2 dos 4 envolvidos na demissão são mulheres, mas todos com idades muito baixas, numa média de 37 anos. Para um negócio gigantesco e exponencial como esse, parece que falta o grey hair. Tasha McCauley, empreendedora de techs e esposa do ator Joseph Gordon-Levitt é a mais velha, com 42 anos.
Fica aí a segunda lição: idade não é uma questão aqui vital para os conselhos, mas experiência em questões das dinâmicas do comportamento organizacional nas empresas, o famoso organization soft skills, sim. A maturidade dos envolvidos no caso é pífia, especialmente se a gente colocar esta corporação como uma das maiores do planeta, correndo velozmente para chegar ao top 5 nos próximos meses.
Claro que todos neste conselho independente são muito bem estudados, egressos das universidades do chamado Ivy League americano e com irreparáveis referências em empreendedorismo, mas o assunto em questão é da ordem do sutil, do intangível. Ou seja, até onde sabemos do caso, a demissão de Altman se deu por questões da dinâmica comportamental da OpenAI, suas relações entre C-Level e conselho, assunto ao qual a vida prática ensina mais que o banco da academia.
Fica aqui a terceira lição: será que basta diploma para um conselho eficaz nas decisões? O soft skill não deve ser incorporado como elemento chave de expertise nas contratações de conselheiros independentes?
A propósito, num duplo twist carpado, o board que demitiu Altman se demitiu e 500 dos 770 funcionários da Open AI forçaram os restantes membros do board a se demitirem também. E, enquanto escrevo este artigo, o The New York Times de 22 de novembro traz o furo de que Sam Altman é recolocado no posto de CEO após esse movimento.
Arquitetura de portfólio: será que pendurar novas marcas na marca mãe não é um caminho simples demais?
O caso da Open AI também passa por esse assunto. Fazendo uma longa história curta, a árvore de propriedades (ownership) de marca-mãe e das submarcas foi construída como um lego de pendurar marcas, gerando um equívoco difícil do board gerenciar.
É uma típica arquitetura de marcas monolítica, ou seja, todas elas têm o mesmo nome Open AI, mas com finalidades muito díspares entre si: algumas apenas burocráticas (existindo pela viabilidade de lei), outra para desenvolvimento científico do negócio de inteligência artificial e outra para comercialização dos produtos da empresa, essa com a participação de 49% da Microsoft.
O board da organização administrava todas as marcas da empresa do alto de seu poder. Acontece que abaixo deles, a arquitetura de marca montada sugeria que a marca da empresa de desenvolvimento tecnológico, portanto a marca OpenAI Non-profit (que abrigava funcionários e investidores pequenos) estava hierarquicamente acima de sua marca OpenAI Global LLC, responsável pela geração de valor financeiro da companhia e, à qual, a Microsoft é sócia.
Como diria Claudinei Elias, fundador e sócio da Bravo GRC, uma das empresas mais importantes de governança corporativa no Brasil, “Há um conflito óbvio de governança numa sociedade sem fins lucrativos e outra com”. Não só, mas a questão aqui esbarra numa ingenuidade de olhar para o fluxo de poder dentro da companhia.
Lição 4 seria o dos executivos entenderem verdadeiramente o poder de um board e ter claros seus papéis em cada uma das empresas abaixo deles. A governança tem o papel de distribuir poder para onde ele deve ir de fato, e não o poder pelo poder.
Não é simplesmente sentar na cadeira e promulgar, julgar e delegar tarefas de cima para baixo. Mas gerir o que deve ser gerido para performance operacional e o que deve ser gerido para imagem da marca. Como já disse em alguns artigos que escrevi, marketing e comunicação (leia-se reputação de marca) também é liability empresarial e é assunto de board.
De tempos em tempo, recebo na consultoria pedidos de análise de portfólio e arquitetura de marcas porque “têm alguma coisa errada na gestão” de comunicação. Está aí a lição 5 deste artigo: o erro fundamental na gestão de portfólio das empresas é acreditar que arquitetura de portfólio é um trabalho apenas de branding e comunicação.
Como o próprio subtítulo desta parte do artigo sugere, criar marcas e pendurá-las sob a tutela de uma marca-mãe está longe de ser solução para uma arquitetura de marca saudável para o negócio. Aliás, cria problemas, caso essas marcas não tenham sido criadas com um propósito estratégico de negócios específico que possa gerar valor (receita incremental) à marca mãe.
Arquitetura de marcas é uma tarefa que se inicia no business plan da empresa, sempre sob o ponto de vista estratégico. Depois é que deve passar para a comunicação.
Uma análise detalhada do P&L e da performance da submarca, quer dizer, se ela vem crescendo em contribuição de receita para a empresa, seu papel estratégico na distribuição e participação de mercado, seu valor agregado à marca mãe em trazer novos consumidores etc, deve ser confrontada com seu desenvolvimento no funil de compra (preferência, consideração etc) para aí, sim, indicar o melhor caminho para sua posição dentro da árvore de marcas da companhia.
Para terminar
Sabemos que toda história corporativa tem ao menos 3 versões: a do gestor, a do conselho e a dos colaboradores. Como gestor, aparentemente e de longe, tudo ia bem. Sam Altman, como todos os gênios da tech que têm dificuldades em seguir processos, especialmente de uma empresa de crescimento exponencial, mas até aí não há novidades. Isso já deveria ser esperado pelo board. A versão do board, já sabemos.
A pressão dos stakeholders é o que nos impacta mais. No caso, os mais de 700 colaboradores da empresa, a opinião pública e a própria imprensa. Não há dúvida de que estamos no capitalismo de stakeholders.
Aguardemos os próximos capítulos, até porque a Open AI é o maior ícone do universo das LLMs e riscou uma linha do antes e depois na estrada da história dos negócios (e das vidas das pessoas). Em breve, será a mais valiosa empresa do mundo ao lado da Amazon, Google, Apple, NVidia e da própria Microsoft.
Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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