O varejo é maior do que os problemas de curto prazo

Momentum nº 1.004

varejo

A conjugação de problemas com algumas empresas de varejo tem gerado uma distorção na percepção sobre o momento e a importância estratégica do setor, levando a perigosas generalizações que distorcem a realidade.

O setor de varejo representa 27,4% do PIB brasileiro e com tendência de crescimento em sua participação, pois no ano 2000 representava 23,6%. Nos Estados Unidos, como referência, é 22%.

O varejo é o maior empregador privado no Brasil. Na soma do varejo, comércio e alimentação fora do lar, temos 8,6 milhões de pessoas envolvidas e 20% do emprego formal. Se considerarmos os níveis de informalidade conhecidos, esse percentual supera os 30% de participação.

Problemas envolvendo Lojas Americanas, Livraria Cultura, Marisa e Tok&Stok, apenas para citar as mais mencionadas nas últimas semanas, são específicos e cada um tem suas condições próprias que não deveriam, por desinformação e precipitação, estimular análises e conclusões precipitadas envolvendo risco sistêmico para o setor.

Ao contrário.

Carrefour, Pão de Açúcar, Assaí, Atacadão, Leroy Merlin, Boticário, Cacau Show, Arezzo/Reserva, Mercado Livre, Via, Magalu, McDonald’s, Burger King, Bob’s, Petz, Cobasi, Raia Drogasil, Pague Menos, Panvel e mais a maioria das redes de varejo continuam expandindo, abrindo lojas e crescendo em sua atuação multicanal especialmente depois de superados os difíceis momentos vividos durante a crise da pandemia.

O setor se fortaleceu pela crescente integração da tecnologia e o digital aos seus negócios visando racionalização das operações e mais ampliação e melhoria dos serviços aos omniconsumidores.

O maior conhecimento e monitoramento desses consumidores ampliou a vantagem competitiva do setor, pois essas informações, atualizadas e consistentes, permitem ampliação de atividades e ensejam o desenvolvimento dos Ecossistemas de Negócios que, no Brasil, tem sido liderado pelo varejo e só mais recentemente seguido por organizações de outros setores como Vivo, Porto Seguro e outras.

É inegável que algumas empresas e shopping centers têm enfrentado dificuldades para se adaptar à velocidade, dimensão e profundidade das mudanças, mas isso não deveria contaminar a visão mais ampla e estratégica do setor.

Poder melhor entender o consumidor faz com que o varejo global e local mais estruturado tenha avançado de forma consistente para o desenvolvimento de marcas próprias em praticamente todas as categorias de produtos. Esse processo tem acelerado também no Brasil nos últimos anos e continuará a crescer nos próximos, melhorando rentabilidade, diferenciando e criando novas vantagens competitivas.

Da mesma forma, amplia as possibilidades de desenvolvimento de produtos e serviços financeiros, usualmente em conjunto com os conglomerados do setor, e amplia sua atuação incorporando outros serviços e soluções, como tem ocorrido na área de alimentação fora do lar.

Essa vantagem competitiva e estratégica representada pelo conhecimento pleno dos hábitos, desejos e comportamento dos omniconsumidores em todo o mundo também está trazendo protagonismo crescente para o varejo e ensejando que corporações industriais e globais de consumo, como Nestlé, Unilever, JBS, P&G e muitas mais se movam para criar seus braços de atuação direta no varejo, o que fortalece ainda mais o setor e aumenta sua representatividade e protagonismo na economia.

É verdade que novos hábitos e o crescimento do digital, além do avanço do home office, precipitaram um redesenho da geografia do consumo que exige realocação de lojas e operações para atender a essa nova realidade. Mas isso é fenômeno global e por essa razão temos dito que, nos Estados Unidos, a maior rede de lojas é a “Retail Space Available”, sinalizando esse processo dinâmico de mudança de mercado, especialmente por lá onde existe uma clara saturação de número de lojas.

Totalmente diferente do Brasil, onde o dinamismo do mercado, uma população das mais jovens do mundo, com média de pouco mais de 30 anos de idade, em crescimento, enseja a expansão de negócios ligados ao consumo, varejo e com crescente integração de serviços e soluções em sua oferta.

O problema Americanas tem a ver com práticas que o tempo e as investigações deixarão claras, assim como a extensão de conhecimento e as orientações para sua implantação. O que não se tem dúvidas é de que tinham a finalidade óbvia de maximizar resultados reportados de curto prazo a qualquer preço.

Na Marisa e Tok&Stok, os problemas têm a ver com questões de estratégia e gestão e não são estruturais, pois outras do mesmo segmento continuam evoluindo apesar do agravamento da concorrência, cada vez mais global, que é um fenômeno permanente.

Na Livraria Cultura, envolve questões mais estruturais de mudanças de hábitos, mas outras do setor têm buscado caminhos, e encontrado, e estão expandindo negócios.

É preciso cautela, informação e visão para entender que problemas pontuais com algumas organizações não representam questões estruturais para todo o setor que, ao contrário, no Brasil tem crescido em sua representação e importância na economia e na sociedade e deveria também crescer na sua importância política.

Mas essa é uma lição de casa que precisa ser feita.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
Imagens: Shutterstock

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