Para as novas gerações, usufruir é mais importante do que possuir. Viver experiências é mais relevante do que acumular patrimônio. Viver o novo, diariamente, é palavra de ordem. Esse comportamento, ao espalhar-se para territórios antes dominados por modelos convencionais, pode acelerar ainda mais o processo de transformação dos negócios. Inclusive o seu.
Você pode até acreditar que tudo isso é um modismo passageiro, restrito a um grupo de jovens descolados. Se pensa assim, está redondamente enganado. A base de usuários brasileiros da Netflix, segundo estimativas da empresa Ampere Analysis, bateu a marca de 10 milhões no final de 2018. São pessoas que passaram a pagar pelo acesso e não pela aquisição de filmes.
Operando apenas em São Paulo, a Yellow, aplicativo de aluguel de bicicletas e patinetes elétricos, registrou 150 mil transações já no primeiro mês de operação. Juntamente com os cerca de 90 milhões de usuários globais do Spotify, os clientes da Yellow são numerosos representantes desse exército de pessoas dispostas a pagar pelo direito de usufruir música ou bicicletas, ao invés de investir na aquisição desses itens.
Elas detêm a posse do produto apenas por um tempo determinado. É esse movimento que chamamos de Fenômeno da Posse Transitória, ou FTP, para os íntimos.
Algumas empresas conhecidas, como a Apple, já flertam com o FTP há algum tempo. Por meio do iPhone Upgrade Program, você pode pagar uma parcela mensal, que varia de 37 a 68 dólares, dependendo do modelo, para ter o direito de trocar seu aparelho por outro novinho, doze meses depois. Isso significa que você adquire o direito de usar um iPhone sempre atual, mas que não é seu. É a Posse Transitória.
Este fenômeno, com a velocidade característica desses tempos modernos, vai se espalhando cada vez mais e invade segmentos tradicionais, como o da moda, por exemplo, impulsionado pelo crescente desejo dos consumidores por variedade, novidade, acesso a itens caros e, de quebra, pela preocupação com o meio ambiente.
Vamos começar falando sobre novidade e variedade. Pesquisas do Greenpeace mostram que os consumidores hoje compram 60% mais artigos de vestuário, em comparação com 15 anos atrás, porém utilizam esses itens apenas durante a metade do tempo que costumavam usar naquela época.
Outro estudo, feito pela ONG britânica Barnardo’s, revelou que um terço das adolescentes inglesas acham que uma roupa está ‘velha’ depois de ter sido usada três vezes. Detalhe: as mídias sociais exercem uma influência considerável nesta percepção, já que os looks registrados nas imagens do Instagram podem ser checados por muita gente por longo período de tempo.
Esse aspecto descartável da moda traz junto com ele um problema para o qual os jovens são especialmente sensíveis: a sustentabilidade. É na esteira desse cenário, complexo e aparentemente contraditório, que crescem os negócios envolvendo aluguel e venda de roupas usadas em países como os Estados Unidos.
De acordo com levantamento da McKinsey, 44% dos executivos da indústria da moda acreditam que em 2019 será maior o apetite dos consumidores em todo o mundo por itens usados. Os que pensam que aumentará a demanda por aluguel de roupas somam 41% dos entrevistados.
Com base nesses e outros dados, a consultoria americana prevê que, em 10 anos, o Fenômeno da Posse Transitória, representado pelo negócio de venda e aluguel de vestuário de segunda mão, pode ser maior do que é hoje o mercado do fast fashion.
Será mesmo?
Se considerarmos os resultados obtidos por alguns players desse novo mercado, a aposta da McKinsey não é tão arriscada assim. A Rent the Runway, rede de aluguel de roupas inaugurada em 2009 como um negócio puramente online, possui hoje mais de 9 milhões de associadas e fatura cerca de US$ 100 milhões por ano.
Ano passado a marca lançou o programa RTR Update, pelo qual as clientes pagam US$ 89 mensais e podem alugar 4 itens todos os meses. Há ainda a opção do pacote de US$ 159, que permite renovar os tais 4 itens durante o mês, de acordo com a conveniência da cliente. Sucesso total. Outro caso interessante é o da The RealReal, que vende roupas de luxo usadas, deixadas na loja pelas antigas donas em consignação.
A receita anual da RealReal chega a US$ 500 milhões e as lojas físicas vivem lotadas de clientes ávidas por barganhas. O mercado de venda e aluguel de roupas usadas é tão promissor, que já há varejistas tradicionais testando o conceito.
A quantidade de segmentos para onde o Fenômeno da Posse Transitória começa a se expandir é enorme. Em breve poderemos simplesmente solicitar um carro para o fim de semana, como já fazem os clientes do ZipCar; locar uma loja no shopping por somente algumas semanas; ou ler todos os livros que quisermos por uma quantia mensal.
Do ponto de vista do consumidor, isso tudo faz muito sentido. A questão é: e você, está preparado para ver o seu modelo de negócios virar de cabeça para baixo? Se ainda não começou, é bom se apressar. 😉
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