Efeito Fênix – O renascimento das lojas físicas

Efeito Fênix – O renascimento das lojas físicas

Não tem muito tempo, especialistas anunciavam o fechamento de muitas lojas físicas por causa do crescimento do digital. Eles até cunharam um termo para definir esse momento: o Apocalipse do Varejo.

Se a gente pensar na quantidade de marcas e lojas que fecharam, podemos até concordar que o apocalipse do varejo realmente aconteceu. Mas, quando vemos o saldo entre o número de lojas abertas e fechadas em 2021, percebemos que, nos Estados Unidos, houve um saldo positivo de mais de 9%. Se olharmos o Reino Unido, tivemos também um saldo positivo de abertura de lojas, de 30,6 pontos percentuais.

E aqui no Brasil, como é que a gente ficou?

Se pegarmos a quantidade de lojas fechadas e a quantidade de lojas abertas por aqui, no ano passado, o saldo foi positivo em 204 mil novas lojas, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC). Um resultado muito bom.

Hoje, não raro acompanhamos pela imprensa manchetes como a que foi publicada pelo Valor Econômico, em maio desse ano: “Redes de varejo voltam a investir em loja física”. Em resumo, o apocalipse aconteceu e agora estamos vendo o renascimento das lojas físicas.

Como seriam as lojas físicas nesse novo cenário?

Elas apresentam novas e ampliadas funções. A primeira dessas funções é o poder gigante de apoiar a logística. Veja o exemplo do Magazine Luiza, que sempre mostra nos seus balanços resultados que apontam a importância da loja como centro de distribuição avançado. No segundo trimestre deste ano, chegou a 17% a participação da opção “retira na loja” no total de vendas do marketplace de produtos 3P (third-party seller, ou produtos de terceiros, em português).

Mas isso não acontece só com Magazine Luiza. A Via, que controla Casas Bahia e Ponto, consegue uma economia de 60% se um produto sair do estoque da loja, em comparação com a entrega saindo do centro de distribuição. A redução de custo pode chegar a 85%, se o produto for retirado pelo cliente, no balcão. Além da economia financeira, há ainda a economia de tempo na entrega para o consumidor.

Outra função ampliada da loja é a captura de dados dos clientes. O Coco Bambu fez neste ano uma promoção pontual, chamada App Week. Nela, o garçom, quando atendia o cliente na mesa do restaurante, oferecia uma alternativa: se ele pedisse o prato pelo aplicativo ganhava até 33% de desconto. O cliente fazia conta e pensava: “vou baixar esse app e pedir o prato para comer aqui no restaurante, com desconto”.

Vocês podem estar pensando: mas como é possível? As margens dos restaurantes são bem apertadas? Acontece que restaurantes e marcas podem fazer parcerias para possibilitar esse desconto e, assim, capturar dados dos consumidores e o comportamento deles dentro das lojas.

Outra novidade nas lojas é a prateleira infinita. Imagine uma cliente entrando na Arezzo e pedindo uma bota dourada que viu em uma rede social qualquer. Não tem na loja? A vendedora sabe que pode usar a prateleira infinita. Ou seja, ela pode oferecer o produto que não está no estoque da loja e mandar entregar na casa da cliente.

Mais uma das funções ampliadas da loja é proporcionar experiências na forma de serviços. Capazes de não apenas engajar os clientes, mas também gerar novas receitas para a operação. Um exemplo clássico é a Camp rede norte-americana que se define como uma companhia de experiência familiar. Que até vende brinquedos. Nada menos do que 40% das receitas totais da Camp vêm dos seus serviços.

Pensando ainda em serviços, vale a pena mencionar o movimento da marca Tânia Bulhões, especializada em vestir a mesa, perfumaria e listas de casamento, que recentemente anunciou a abertura de restaurantes em algumas das suas lojas em 2023. Com isso, a marca não só amplia a experiência do cliente como também traz recorrência de visitas para a operação.

É maravilhoso observar o novo projeto da Amazon Style, uma nativa digital, que encontra no ponto físico uma excelente oportunidade para, além de acrescentar à sua base novos clientes, também ofertar uma experiência que mescla o online com o offline no varejo de moda.

Não faz muito tempo a gente montava a loja e distribuía os produtos como se o consumidor estivesse lendo um jornal. Só que hoje dificilmente as pessoas leem jornal impresso. Hoje esse cliente passeia pela loja e tem toda autonomia com o app instalado no celular, fazendo descobertas e podendo ter serviços exclusivos através da navegação. A Amazon Style ilustra bem a tendência OMO, um acrônimo em inglês que em tradução livre significa o online se misturando com o offline.

Há outras novas funções para as lojas físicas como a de gerar descobertas. A Situ Live, instalada no shopping Westfield London, possibilita a conexão dos produtos da indústria em contato direto com o consumidor. A Allure é uma revista que trouxe para uma loja em Nova York e a possibilidade de comunicação das marcas através de eventos e da experimentação de produtos com o seu público. São bons exemplos da loja funcionando como mídia, como um veículo de comunicação com o consumidor final.

Falando ainda de descobertas, vale a pena mencionar a Trama Lab, projeto de marketplace físico desenvolvido pela brMalls no Shopping Villa Lobos, em São Paulo. Em um primeiro momento, o cliente vê uma loja normal, mas a ideia é testar marcas nativas digitais no universo físico. A loja faz o split do pagamento para cada marca de acordo com suas vendas e traz a possibilidade do shopping de testar a aderência de novas marcas, de ajudar essas marcas a se desenvolverem e em algum momento até abrirem uma loja ali.

Resumindo, as novas e ampliadas funções das lojas físicas seriam:

  1. Facilitar a logística
  2. Adquirir novos clientes
  3. Capturar informações dos consumidores
  4. Prover serviços
  5. Permitir interação com produtos
  6. Oferecer mais conveniência
  7. Possibilitar descobertas
  8. Atuar como canal de mídia para marcas
  9. Engajar consumidores
  10. E até vender

Pensando nessas novas e ampliadas funções da loja física, quais são os impactos dessas mudanças para os shopping centers? O papel da loja física não se resume mais apenas a vendas. Nesse contexto, os centros comerciais precisam rever seus modelos de negócio.

Em um dos seus últimos balanços, a Multiplan afirmou que a percepção de valor de uma loja vai muito além da venda. Passa também pela possibilidade de conectar consumidores com as marcas, tornar a omnicanalidade presente, facilitar a distribuição, ampliar a exposição das marcas como se fosse um meio de comunicação, oferecer comodidade e levar a marca para bem perto do consumidor.

Na necessidade de rever nossos modelos de negócio, a gente precisa entender também que é necessário revisitar Darwin. Porque, como ele dizia, não é o mais forte da espécie que vai sobreviver. Nesse cenário, quem sobrevive é quem é mais receptivo à mudança.

Janice Mendes é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Imagem: Shutterstock

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