A abertura de lojas aos domingos se transformou num problema para o varejo, apesar de todo o apelo e demanda por conveniência, tanto no mundo quanto no Brasil.
De forma mais ampla, isso tem a ver com o desinteresse pelo trabalho aos domingos, especialmente para as novas gerações, e pelo apelo e facilidades das vendas pelos canais digitais, o que amplia o problema da operação de lojas nesse dia.
No Brasil, o desafio está potencializado, pois os programas de auxílio ampliam o desinteresse pelo trabalho formal nesse e em outros dias, criando dificuldade para poder ter funcionários para atender os consumidores.
Esse quadro tem levado redes de varejo, em especial no segmento de valor e, no Brasil, em particular no atacarejo, a considerarem não abrir lojas nesse dia.
Alguns outros segmentos e formatos também têm discutido essa possibilidade, considerando a dificuldade de ter gente para atender os clientes.
Seria uma volta ao passado, quando não se abriam lojas aos domingos, o que colocava o Brasil na contramão do mundo, especialmente no cenário atual, que privilegia atender o cliente quando, onde e como ele quiser.
Importante lembrar que o setor de atacarejo tem crescido em termos de participação no total das vendas do setor alimentar, tendo evoluído de 15% a 20% em 2010, para 35% a 40% em 2020, 48,3% em 2023 e, agora, alcançando o patamar de 50% do total das vendas do setor.
Esse crescimento, em boa parte, tem sido resultado do aumento do número de lojas, que somam mais de 2.000 unidades. Só entre 2018 e 2023, foram abertas 880 lojas.
Nesse setor, onde o problema é mais dramático, perto de 20% dos clientes têm perfil de compradores profissionais ou revendedores, porém, suas compras representam cerca de 40% das vendas totais, por conta de compras médias em valores bem superiores. E esse perfil de cliente evita as compras aos domingos.
Mas a volta ao passado tem aspectos mais abrangentes.
O impasse, até o ano 2000, nas discussões entre os sindicatos dos empregados do comércio e dos empregadores do setor impedia a abertura das lojas aos domingos.
Uma ampla pesquisa realizada pela Gouvêa Inteligência naquele ano mostrou, de forma marcante, que os consumidores finais tinham clara preferência pela possibilidade de terem lojas abertas aos domingos, permitindo que comprassem com maior tempo, tranquilidade e possibilidades, desconcentrando as vendas que aconteciam no sábado.
Com os dados do estudo, representantes dos comerciários e empregadores acordaram sobre a abertura aos domingos, com uma série de regulamentos, incluindo a previsão em convenção coletiva.
Esses regulamentos, ao longo do tempo, foram se alterando e, em 2021, foi estabelecida uma lista de atividades autorizadas a funcionar aos domingos e feriados, sem a necessidade de negociações coletivas.
Porém, em 2023, no governo do presidente Lula, numa volta mais dramática ao passado e na contramão da necessária liberdade de atuação, foi estabelecido pela portaria 3665/2023, que o funcionamento do comércio aos domingos e feriados voltaria a depender de acordos coletivos entre empregados e empregadores negociados por seus sindicatos. E essa portaria entra em vigor em 1º de julho deste ano.
Na mesma linha e com consequências similares, ou ainda maiores, temos a proposta em discussão no Congresso, chamada de PEC 6×1, que propõe reduzir a jornada de trabalho no Brasil de 44 para 36 horas semanais, mantendo o limite de 8 horas diárias. Isso resultaria em uma semana de trabalho de 4 dias, com 3 dias de descanso, sem redução da remuneração, porém, com inevitável aumento de custos para as empresas.
O varejo aos domingos
Para a maioria dos segmentos, domingo é usualmente o melhor dia de venda do varejo por hora trabalhada. E o segundo melhor dia nas vendas gerais, depois do sábado.
A fundamental diferença entre o quadro atual e o passado é que, hoje, existe a opção do e-commerce e do social commerce, com consistente crescimento de participação, que colocam a oferta do mundo à disposição apenas com alguns cliques.
E que a redução da oferta de alternativas aos consumidores finais, com fechamento ou dificuldade de operar lojas levará à redução do número de empregos e renda gerados, transferindo vendas para outros canais e formatos.
Não existe mágica. Toda vez que se criam barreiras de qualquer natureza para atender os omniconsumidores é inevitável que outros segmentos, canais e formatos se beneficiem.
E a lógica, o bom senso e a experiência global indicam que o mercado deve ser soberano para fazer suas escolhas de acordo com o interesse específico e realidade de cada negócio.
A volta ao passado de regulamentações, redução artificial da jornada de trabalho e tentativa de revitalização de sindicatos, como se tem tentado em vários campos, é retrocesso com garantia de geração de problemas ainda maiores. Em particular quando o país precisa expandir negócios, crescer e gerar emprego e renda pela expansão do mercado — e não com artificialismo.
Existe uma profunda transformação estrutural do emprego no mundo, precipitada pela tecnologia, pelo digital e exponenciada pela Inteligência Artificial. Querer voltar ao passado agride a inteligência natural.
Os consumidores querem, precisam e se tornaram muito mais empoderados, e qualquer forma de restringir ou inibir sua liberdade e alternativas de escolha é, de nascença, equivocada.
Setores e segmentos devem ter a liberdade de poder repensar modelos, oferta, custos e realidade para se adaptarem ao mercado em transformação.
Porém, tentar regulamentar com a visão da próxima eleição ou melhorar a popularidade é mais um retrocesso inaceitável.
Vale refletir.
Notas
- De 14 a 22 de maio, estaremos em Missão Técnica organizada por Gouvêa Foodservice participando do NRA Show, em Chicago, o mais importante evento global do setor, com a delegação integrada com IFB e IDV. Mais informações podem ser acessadas por aqui.
- No dia 26 de maio, a Mercado&Consumo, a Gouvêa Foodservice e a Gouvêa Experience vão realizar o Connection Foodservice Day – Pós NRA Show, evento de conteúdo e networking com as principais tendências do setor. Saiba tudo sobre o evento aqui.
- No dia 27 de maio, teremos o Digitail, organizado pela Gouvêa Experience com apoio de Gouvêa Consulting. Um evento focado no setor de e-commerce, trazendo uma ampla e profunda discussão do momento e tendências e perspectivas desse setor no mundo e no Brasil. Conheça mais por aqui.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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