Médias empresas: por que ninguém fala delas?

O segmento de varejo, por exemplo, tem um celeiro de excelentes marcas deste tamanho em todo Brasil... e muito pouco se fala delas

Numa das reuniões de conselho de que participei na semana que passou, estávamos comentando sobre a importância das médias empresas (ME) no cenário econômico brasileiro. Isso porque compartilhei com o grupo a minha surpresa em me deparar, nos projetos de consultoria, com empresas de qualidade mundial que, com certeza, muito pouca gente conhece na capital – e, quiçá, pelo Brasil.

O que será que elas podem nos ensinar? Muito. Levantei alguns padrões de comportamento recorrentes nessas empresas que podem ajudar empresas menores e, inclusive, fazer as grandes empresas repensarem sua governança.

A definição deste tipo de empresa aqui no País ainda varia muito de fonte para fonte. O IBGE ainda tem dados antigos de 2015; o Sebrae acaba sendo uma possível fonte, mas está mais interessado no desenvolvimento educacional das PMEs do que propriamente em catalogar dados do setor; e, no caso do Ministério da Economia, é um trabalho hercúleo encontrar algum dado.

Generalizando muito, em média, estamos falando de empresas que faturam entre R$ 10 e R$ 500 milhões por ano. Sim, é um intervalo bastante grande de faturamento. No entanto, elas enfrentam os mesmos tipos de problemas e dores de crescimento. O que muda é a escala dos problemas.

De acordo com o IBGE, em 2022, existiam 17,5 milhões de empresas no Brasil. Desse total, 99,5% eram micro e pequenas empresas (MPEs). Apenas 0,5% eram médias empresas (MEs). Enquanto as MPEs representavam 57% do PIB brasileiro e empregavam 54% da população ocupada, as MEs representavam 28% do PIB e empregavam 24% da população ocupada.

Em reportagem de março deste ano, o Valor Econômico mostrou que a representação dessas empresas no PIB brasileiro é de apenas 20% do PIB. Ainda assim, é um número absolutamente robusto para uma visibilidade muito pequena, seja no âmbito do “awareness” de marca mesmo, seja da sua importância para a economia propriamente dita.

Campeões escondidos: o caso da Alemanha

No ano passado, tive a chance de participar de um curso internacional da Saint Paul Escola de Negócios na European School of Management (ESM), em Berlim. Durante o curso, tive aula com o professor Lorenz Oswald sobre as empresas médias da Alemanha. O assunto é tratado com muita atenção por lá, pois essas empresas são a base da economia alemã.

Nunca tinha ouvido falar das empresas “Hidden Champions” (numa tradução tupiniquim, “campeões escondidos”). É assim que as empresas de médio porte alemãs são chamadas porque elas têm papel fundamental para a economia por lá.

O termo foi cunhado pelo economista e consultor alemão Hermann Simon para descrever as empresas que, se comparadas com as gigantes megaconhecidas pela opinião pública e mídia, são relativamente pequenas, mas altamente bem-sucedidas, e que estão escondidas atrás de uma cortina de invisibilidade, uma situação muito próxima à do Brasil em relação ao assunto.

De acordo com o recente livro de Simon, chamado “Hidden Champions in the Chinese Century”, datado de junho de 2022, 46% de todas as “Hidden Champions” no mundo estão na Alemanha. Elas são empresas que têm uma receita média de 450 milhões de euros por ano e têm até 2.500 empregados, níveis bem superiores aos que observei nas empresas médias brasileiras. Algumas delas já estão chegando ao universo das mega companhias e chegam a estar nos top 3 de sua categoria no mundo, mas ainda continuam “low profile” (ou com baixa exposição ou desconhecidas).

Estamos falando de marcas que surgiram ou se reinventaram no pós-guerra, como a Kärcher, dos equipamentos de limpeza com lavadoras de alta pressão domésticas e profissionais, da muito conhecida no Brasil Faber Castell e da Zeiss, líder mundial em tecnologia nas áreas de ótica e optoeletrônica.

Outra diferença entre as empresas médias brasileiras e alemãs está na armadilha histórica que a Segunda Guerra Mundial representou para o mercado de lá. Apesar do trauma, o pós-guerra foi um fator motivacional decisivo para o renascimento do empreendedorismo em uma Alemanha completamente arrasada. É importante lembrar que a idade média dessas empresas é de 70 anos, ou seja, elas realmente (res)surgiram no pós-guerra.

As características na Alemanha e no Brasil são as mesmas

É muito curioso como a teoria de Hermann Simon se encaixa perfeitamente às empresas médias brasileiras, apesar de numa escala muito menor. Ele aponta que são cinco as características de uma “HC”. E, com alguma liberdade poética, vou analisar nossas “médias” a partir dessas características:

União entre o que é liderança e o propósito da empresa existir
A franca maioria das empresas de médio porte no Brasil, eu diria que beirando estatisticamente os 95%, ainda é familiar.

Essa característica pode ter algumas sombras quando elas não são administradas propriamente, no entanto, ela carrega em si uma virtude insubstituível: a liderança sabe o que quer e o propósito de a empresa existir. Ou seja, o porquê de ela existir “corre nas veias” da liderança e isso, por si só, já é comprovadamente um elemento de sucesso.

Os colaboradores dessas empresas sabem exatamente qual o futuro desejado, pois se baseiam no legado. De fato, ter um propósito é um dos pilares reconhecidos de sucesso no mundo todo, amplamente discutido por Simon Sinek e pelo próprio movimento Capitalismo Consciente, na figura de John Mackey.

Vale dizer que liderança feminina não é um problema. Muitas das executivas das empresas médias são as herdeiras filhas ou netas dos fundadores.

Coragem de arriscar
Começo por dizer que não devemos confundir ser destemido com ser imprudente. O que mais existe nas empresas de médio porte no Brasil é prudência, especialmente no que tange aos economics do negócio.

Neste quesito da teoria do Hermann Simon, talvez eu substituísse essa característica do livro no Brasil como “curiosidade pelo novo”, aliada a uma franqueza e humildade em saber que ainda não sabe. E não traria a palavra inovação da maneira desgastada como conhecemos, que é a “inovação pela inovação”, mas, sim, do jeito que ela tem que ser: “o quanto isso de fato pode alavancar meu negócio?”

Quantas e quantas vezes eu já não ouvi na consultoria: “Fale mais sobre essa tal de Canvas”; “Me apresente em profundidade esse Retail Media”; “E o “live commerce“?

Muitos são os casos em que a liderança exercida pelos fundadores já passou para seus filhos, e que, agora, está passando para as mãos dos netos que, tendo cursado ensino superior fora do Brasil, exercem uma enorme pressão pela adoção do novo. Deste ponto de vista, um ar fresco e muito promissor para as empresas médias brasileiras.

Inspiração no trabalho
A base fundamental de uma empresa moderna é a inspiração. Uma espécie de rede motivacional de desejos e quereres individuais e coletivos que são levados em consideração pela companhia.

E ela pode surgir de várias fontes. No caso das empresas médias brasileiras, a história de sucesso e a indiscutível “mão na massa” de todos na família para com o negócio é uma prova viva e latente para cada colaborador de que querer é poder.

Essa realidade é mais distante das grandes multinacionais – até porque ninguém por aqui desceu de elevador com Elon Musk ou Mark Zuckerberg -, mas as médias empresas brasileiras dão todos os dias, para o bem e para o mal, “as caras dos fundadores à tapa” nos corredores das empresas para o desenvolvimento do negócio.

Minha experiência nesse quesito é grande por ter servido várias destas empresas. E posso deixar claro aqui que, mais do que podemos pensar, há,, sim, o temor reverencial na relação fundador e colaborador. No entanto, e de alguma forma, ela é recheada de projeção positiva e acolhimento.

Obstinação (no livro de Hermann Simon, ele chama de “single-mindedness”)
A gênese de um negócio carrega em si um enorme paradoxo: a energia poderosa do desejo do sucesso e o obstáculo da realidade diária que podem levar ao fracasso.

Apesar de todas as adversidades no Brasil, dos altos impostos à ausência de financiamento barato, fica bastante claro que o médio empresário brasileiro foca no que realmente importa. A visão clara de onde ele quer chegar com aquele negócio é uma lente de aumento para ele enxergar realmente o que é obstáculo.

Essa característica é, na verdade, uma enorme virtude que deveria ser aprendida pelas grandes empresas e por aqueles que estão começando suas “startups”. Vemos, infelizmente, as multinacionais e os grandes empresários no Brasil problematizando mais do que procurando soluções.

Customer centricity
Bom, este é o nome bonito para “agradar ao freguês”. A perspectiva de se “fazer bonito” diante do usuário ou consumidor está acima de qualquer outra.

Assim como acontece com os “HCs” na Alemanha, o empresário médio brasileiro também está ciente do tamanho de seus passos. O foco em um mercado-teste para uma entrega de alta qualidade para o usuário é uma prática constante.

Quantas e quantas vezes não fomos literalmente barrados na consultoria com recomendações de expansão mercadológica para o negócio do cliente por causa das condições propícias para tal? Várias. E por quê? A resposta é sempre a mesma: excelência na entrega.

O médio empresário não quer errar com o usuário e tem foco estreito nele. Em português coloquial, é como se ele não quisesse nunca passar vergonha com seu serviço ou produto. Um passo de cada vez.

Os aprendizados são muitos. Esses são os mais assustadoramente simples e que geram resultados também assustadoramente grandes. É uma espécie de Pareto de atitudes que todo empresariado e líderes brasileiros deveriam adotar.

Com tanta adversidade, o empresário médio brasileiro possui “gut feeling” e foco como ninguém no mundo. Essas características permitem que eles tomem decisões rápidas e assertivas, mesmo em situações incertas e desafiadoras.

Temos muito a aprender com os médios empresários brasileiros. Do Norte ao Sul do País, encontramos esses focos de excelência que muitas vezes não passaram por bancos de escola, quiçá de universidades, e que não estão na mídia para serem celebrados.

Com o tempo, podemos chegar ao patamar da Alemanha, aprendendo com nossos próprios empresários e aplicando esses aprendizados em nossos negócios. O caminho é longo, mas os resultados podem ser surpreendentes.

Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

Imagem: Shutterstock

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