Vivenciamos um cenário peculiar no mundo corporativo. Na era das inteligências artificiais e da extrema robustez tecnológica, o protagonismo do ser humano é ressignificado. As exigências mudaram. É preciso que o profissional tenha habilidades e competências que vão muito além da execução de uma tarefa ou da gestão de um time.
Os conceitos de hard e soft skills se perderam.
As habilidades técnicas (hard) não são mais suficientes. Ao contrário, são apenas uma obrigação. E se as faculdades não as entregam de forma completa ao estudante, as empresas assumem essa responsabilidade. As universidades corporativas estão crescendo cada vez mais. Porém, para esse investimento ser feito, o profissional precisa ter excelentes habilidades de comportamento.
As habilidades comportamentais (soft) são muito requisitadas, mas ainda não se firmaram de forma objetiva nas empresas. O conceito de algo “leve ou delicado” (soft) foi desgastado, dissolvido e banalizado por profissionais despreparados que roubaram o termo coach e desqualificaram o diálogo sério sobre comportamento humano.
Neste cenário, apresento dois conceitos para dialogar sobre o tema. O objetivo é que possamos, juntos, construir algo mais real, tangível e sem tantas aberturas para a banalização. Conto com a contribuição de vocês:
Neuroskills
Essas são habilidades essencialmente cognitivas. Sensação, atenção, percepção, memória, aprendizagem, linguagem e organização. Em um mundo cada vez mais veloz, que exige uma vida multitarefas e multitelas, a gestão eficaz da atenção e do tempo é extremamente relevante. Um profissional de alto nível precisa ter foco consciente para construir memórias e, sobretudo, aprendizagem.
As redes sociais, por exemplo, são um desafio enorme, um verdadeiro convite à dispersão. Ao mesmo tempo, elas são fundamentais para o crescimento exponencial de uma empresa. Em vários modelos de negócio, a escala e a recorrência estão presentes no mundo digital, e os profissionais de alto rendimento necessitam conhecer e gerir bem esses canais. Por essa razão, as neuroskills são imprescindíveis. Reforço: sensação, atenção, percepção, memória, aprendizagem, linguagem e organização.
Selfskills
Essas são habilidades de caráter: proatividade, disciplina e determinação. O termo self, em inglês, neste contexto, quer dizer “próprio àquela pessoa”, ou seja, que faz parte dos traços mais individuais e comportamentais dela. O termo caráter, em português, é mais forte e pesado. Caráter intensifica a importância desses valores. Em português, a palavra caráter também costuma ser confundida com personalidade.
Adam Grant, no livro “Potencial Oculto”, esclarece que personalidade é nossa predisposição de instintos básicos sobre como pensar, agir e sentir. Enquanto o caráter é nossa capacidade de priorizar valores e instintos. Conhecer os princípios não significa necessariamente que a gente sabe como colocá-los em prática, ainda mais sob estresse e pressão. Por isso, predisposição de instintos é personalidade. Já a capacidade de priorizá-los e aplicá-los é caráter.
O autor completa o conceito e afirma que se a personalidade é como reagimos num dia normal, o caráter é o que fazemos em um dia difícil. Portanto, é na pressão que conseguimos medir o nosso caráter. Priorizar e aplicar nossos instintos são “treináveis”.
Grant nos mostra ainda que o termo soft skills, com o conceito habilidades fracas ou delicadas, surgiu no fim da década de 1960. Psicólogos tinham a missão de treinar o Exército americano em habilidades fora do eixo “armas e tanques de guerra”. Os militares precisavam enfatizar aptidões de liderança e trabalho em equipe para aumentar as chances de sobrevivência em uma guerra.
Para separar um trabalho do outro, os psicólogos chamaram de habilidades fortes e pesadas (hard skills) tudo que estava relacionado ao manuseio de equipamentos de guerra, como armas, tanques, aço e alumínio. Por outro lado, o que não tinha a manipulação de equipamentos pesados era considerado leve ou delicado (soft).
Voltando para o mundo atual, nessa perspectiva, um conhecimento técnico relacionado à gestão financeira deveria ser soft, pois não tem relação com o peso, em quilogramas, de uma arma de guerra. Mas essa habilidade é considerada hard skill, pois é técnica.
Lidar de forma profissional com o gerenciamento de pessoas e formação de um time de alta performance é bem mais complexo e pesado do que o manuseio da planilha de um Demonstrativo de Resultados (DRE). No entanto, pessoas são soft e as finanças, hard.
Percebe como os termos, conceitos e aplicações de hard e soft skills se perderam?
Os termos e conceitos que foram apresentados aqui não têm o objetivo, pela simples alteração de termos, de resolver todos os desafios do mundo corporativo. Também não desejo levantar mais termos para novas banalizações. Proponho aqui um diálogo pragmático e real sobre o tema:
- Liderar pessoas é forte e pesado; não leve e delicado.
- Habilidades técnicas, em comparação à gestão de pessoas, são leves (soft); não pesadas (hard).
- A vida digital alterou a perspectiva do mundo, e precisamos nos desenvolver mais em foco, atenção e percepção (neuroskills). Saber gerenciar o mundo digital é fundamental.
- Nosso caráter (selfskills) precisa ser desenvolvido para sermos líderes de equipes de alta performance e, ao mesmo tempo, construirmos um ambiente saudável de trabalho.
Adam Grant diz “para conquistar nossos objetivos, precisamos de coragem para enfrentar o desconforto, de capacidade para absorver novas informações e disposição para aceitar os erros”.
Vamos juntos falar mais sobre neuroskills e selfskills? O convite está feito.
Rodrigo Maia dos Santos é CEO da Gonow1.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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