Os exemplos se multiplicam. E nada indica recuo.
Num cenário em que os serviços ocupam, de forma irreversível, uma fatia crescente dos gastos das famílias em escala global, o desafio é encontrar maneiras de agregar serviços a produtos e marcas, oferecendo soluções completas.
Vale lembrar que, entre as cinco maiores economias do mundo, os serviços representam, em média, 80% do PIB — com exceção da China, onde essa participação é de 54%, mas também em expansão.
No Brasil, o varejo foi pioneiro na oferta de serviços financeiros integrados aos negócios, com crédito, seguros, cartões, meios de pagamento e outras opções. Carrefour, Pão de Açúcar, Magalu, Renner, Riachuelo, C&A e outros avançaram com bancos próprios ou parcerias estratégicas. No entanto, ainda há tímidos avanços em outras áreas — reflexo de um modelo de negócios excessivamente focado na revenda de produtos —, o que abre espaço para que marcas e fornecedores tomem a dianteira.
A visão do futuro
O futuro aponta para um varejo baseado em soluções integradas — produtos combinados com serviços — em resposta às mudanças estruturais no comportamento do consumidor. É uma tendência irreversível: quanto mais desenvolvida uma sociedade, maior o peso dos serviços nos gastos das famílias.
Na alimentação, a transformação é especialmente evidente. Cresce a fatia dedicada a alimentos preparados fora do lar (foodservice). Nos EUA, os gastos com alimentos prontos já representam quase 60% do total dos gastos dedicados à alimentação.
Essa mudança levou as principais redes de supermercados da Europa, EUA, Coreia e China a ampliar suas áreas de alimentos prontos para consumo, dentro ou fora das lojas. Walmart, Whole Foods, Dominick’s, Coop, Fair Price, Carrefour, entre outros, são exemplos desse movimento. Além disso, nos segmentos de conveniência e proximidade, a oferta de alimentos prontos tem participação crescente no faturamento.
Fenômeno semelhante ocorre com as redes de farmácias, como CVS, Boots e Watsons, que vêm expandindo sua atuação com exames médicos, serviços auditivos e oftalmológicos, aplicação de vacinas, monitoramento de saúde e até telemedicina nos Estados Unidos, Inglaterra e na Ásia.
Apesar das limitações legais, o avanço de algumas redes de farmácias no Brasil também é marcante, com serviços como vacinação e outros. Destaca-se o que RD, Pague Menos, Araújo, Panvel e outras têm oferecido.
As marcas estão se movendo mais rápido
Enquanto o varejo ainda hesita na ambição dessa integração, marcas e fornecedores aceleram. Combinam produtos, serviços e experiências em soluções completas para os consumidores.
Um marco inicial foi a P&G, que lançou em 2007 a rede Mr. Clean Car Wash, com operações próprias e franqueadas. Embora tenha apenas 18 unidades nos EUA, o pioneirismo do conceito foi significativo.
Hoje, a Sherwin-Williams opera cerca de 4.800 lojas nas Américas, oferecendo consultoria, treinamento, mistura personalizada de cores e a própria pintura. No Brasil, a Unilever expande com suas 3.500 lavanderias Omo, próprias e franqueadas, e recentemente também passou a integrar produtos e serviços de limpeza em uma nova plataforma. A JBS segue o mesmo caminho com as lojas Swift. Já são 600 unidades, entre próprias, integradas em supermercados e operações móveis, com oferta de carnes em diferentes categorias e cortes, além de soluções personalizadas. A Portobello está integrando lojas e mais projetos customizados e instalações.
A própria Apple, em outra dimensão, é exemplo com suas lojas oferecendo serviços gratuitos para diferenciar e fidelizar e outros pagos, como treinamento, assinaturas e reparos. Ou mesmo a L’Oréal, com seu aplicativo Perso para customização das fórmulas de maquiagem e cuidados com a pele.
Um caminho sem volta
O crescimento dos serviços está diretamente ligado ao amadurecimento das sociedades. Para o varejo, a diferenciação e a fidelização virão da oferta de soluções integradas — idealmente com marcas próprias.
Fornecedores e marcas também reconhecem que a conexão com o consumidor exige um reposicionamento estratégico: integração de produtos, serviços, canais de distribuição e experiências, com foco em gerar valor e melhoria da rentabilidade. E com o privilégio do relacionamento direto e as informações em tempo real do comportamento do mercado
A competição por relevância integrando produtos, marcas, serviços e soluções será cada vez mais intensa.
Para todos os players, não há mais volta.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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