Se não estiverem entre aqueles que têm acompanhado os trabalhos, regulamentações, encontros e autorizações da visionária iniciativa do Banco Central, provavelmente, já perderam o primeiro bonde. Ou, mais apropriadamente, talvez a primeira nave espacial.
Faltam apenas duas semanas para que a plataforma Pix de pagamentos instantâneos orquestrada pelo Banco Central esteja no ar de forma ampla, num processo cauteloso de início de operação que, de fato, vai começar nesta terça-feira (3), no chamado soft opening – aliás, termo usual no varejo para lançar novos conceitos.
Nestas primeiras semanas, será restrito apenas a indivíduos e agentes selecionados pelas instituições para testar as integrações e capacidades previstas nesta fase. E irá avançando aos poucos, até a disponibilização ampla no próximo dia 16.
Mas o processo deverá avançar, sem recuos, em meios de pagamentos, na sua missão histórica de simplificar, acelerar, desintermediar, reduzir custos, facilitar e digitalizar ainda mais as relações dos consumidores e os agentes de mercado, lojas, empresas, serviços, o próprio governo e, principalmente, as pessoas.
Se é possível inovar, vai poder “instantanializar” tudo em termos de processos de pagamentos.
Se teremos pedintes aqui no Brasil com seus códigos QR expostos para receber esmolas daqui a algum tempo, como acontece na China, ou não, é apenas o lado folclórico do que está para acontecer.
E poucas, muito poucas empresas, negócios, grupos empresariais, entidades e associações se deram conta da transformação estrutural que vem por aí e seus potenciais impactos nas diferentes ondas de implantação do Pix. Até porque, em termos de pagamentos instantâneos e digitais, o mundo todo está aprendendo agora o que pode acontecer, quase todos tomando por base o que já aconteceu na China e em alguns outros mercados, como na Escandinávia.
O segmento financeiro e fintechs são os setores privados que estão mais à frente de todo esse processo, por razões óbvias, porém a proposta traz, na sua concepção original, e esse é talvez um de seus maiores méritos, a clara visão de contribuir para reduzir o indesejável nível de concentração das atividades financeiras no País. E outro mérito é a visão de sua evolução contínua com a incorporação gradual de novos atributos que tornem seu uso mais disseminado e massificado.
Você tem a mesma visão sobre a relevância do Pix na transformação estrutural do mercado nos próximos anos? Se não, francamente, sugiro se aprofundar muito no tema.
E, para confirmar essa proposta, é só ver o empenho com que os bancos e algumas fintechs avançaram na verdadeira corrida do ouro em que se transformou a conversão de clientes em usuários da plataforma Pix. No dia 5 de outubro, eram 200 mil chaves cadastradas, e, duas semanas depois, perto de 36 milhões. Dá para perceber o porquê do interesse?
Só que, para muitas organizações ligadas principalmente ao varejo, aos serviços e ao consumo, essa sensibilidade não está corretamente configurada e elas podem se converter apenas em agentes passivos do processo de transformação em curso.
É inegável que todo o processo terá uma curva de amadurecimento como todo novo conceito, especialmente aqueles mais disruptivos como esse. Também não se pode negar a importância da componente física e digital, celulares e acesso à internet, no impacto que terá na velocidade de crescimento do uso.
Mas prepare-se para ter clientes em seus negócios usando a rede wi-fi gratuita local para fazer e receber pagamentos e transferências financeiras. Nesse caso, você será apenas provedor da rede e, querendo ou não, estará totalmente integrado à plataforma Pix.
Mas é sua escolha entender como você e seus negócios e atividades serão impactados e como usar em prol de seu interesse estratégico o que o processo de transformação em curso provocará nessa concepção, repetimos, visionária e elogiável do Banco Central, que transformará o Brasil em poucos anos em benchmarking global nessa área.
Quais serão os impactos nos pagamentos feitos no e-commerce e na loja? Como mudam os processos envolvidos? Que novas competências, estruturas, sistemas, interfaces e equipamentos podem ser necessários? Como tudo isso pode mudar as relações de forças entre os agentes de mercado e seu negócio? Como crédito, oferta, taxas e condições podem ser alterados com o pagamento agendado previsto no Pix? Qual a diferença entre pagamento agendado e programado? Como é possível integrar ou ser integrado num ecossistema de negócios que tem o Pix como parte importante do modelo? Como monitorar e ter acesso a informações, segmentadas ou clusterizadas, mas não individualizadas, que permitam melhor e maior antecipação sobre o comportamento futuro do consumo e do mercado por microrregiões?
O rol de perguntas e potenciais respostas é extenso e abrangente e, se você ainda não buscou repensar essa equação, mais uma vez, tomo a liberdade de sugerir que não perca mais tempo. O que vem por aí é muito maior em seu impacto do que você imaginou.
E será decisivo para o futuro do mercado e de sua atividade.
Marcos Gouvêa de Souza é diretor-geral e fundador da Gouvêa Ecosystem.